sexta-feira, 25 de maio de 2012

Elementos da teoria da alienação em Marx

O conceito central da teoria marxiana, a alienação ou estranhamento (Entfremdung), origina-se na esfera da produção e reprodução da vida material, isto é, no domínio do trabalho, da práxis. Define Marx em O capital: “Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a Natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza”. 

Hegel já havia observado que o trabalho determina a “essência” do homem. Ocorre que, segundo Marx, o autor da Fenomenologia do espírito compartilha o ponto de vista da economia política clássica, e ao ver no trabalho apenas a realização da essência humana, apreende exclusivamente seu aspecto positivo. Mas, a essa concepção ideal, é preciso acrescentar que o trabalho contemporâneo também é produtor de riqueza. Há, com efeito, um lado negativo deste trabalho, justamente o trabalho assalariado do proletário, que não realiza sua “essência”, mas, pelo contrário, submetido às exigências e preso às amarras do capital, torna-se trabalho alienado, estranhado. Nos Manuscritos econômico-filosóficos, Marx distinguia, contra Hegel, o trabalho enquanto realização objetiva (Vergegenständlichung) e como exteriorização alienada (entfremdete Entäusserung). Essa distinção é fundamental, porque ela nos permite compreender o surgimento do que István Mészáros denominou “mediações de segunda ordem”. Tais mediações, indo além do processo mediador necessário que nossa práxis estabelece com seu entorno material (como explicitado na definição marxiana de trabalho), erguem-se entre o homem e a natureza, criando mediações artificiais (históricas) que, a partir da existência da propriedade privada, resultam numa sociedade alienada, dividida em classes e, portanto, impossibilitada de satisfazer plenamente as necessidades de seus membros. Nesse sentido, explica Mészáros: “O ideal de uma ‘transcendência positiva’ da alienação é formulado como uma superação sócio-histórica necessária das ‘mediações’: propriedade privada – intercâmbio – divisão do trabalho que se interpõem entre o homem e sua atividade e o impedem de se realizar em seu trabalho, no exercício de suas capacidades produtivas (criativas), e na apropriação humana dos produtos de sua atividade. A crítica que Marx faz da alienação é, portanto, formulada como uma rejeição dessas mediações. (...). O que Marx combate como alienação não é a mediação em geral, mas uma série de mediações de segunda ordem (propriedade privada – intercâmbio – divisão do trabalho), uma ‘mediação da mediação’, isto é, uma mediação historicamente específica da automediação ontologicamente fundamental do homem com a natureza”.

Historicamente, complementa o filósofo húngaro, a auto-alienação do trabalho assume uma forma primeiramente política: surgiu da forma de apropriação do excedente agrícola. Posteriormente, o desenvolvimento da esfera da produção (possibilitada por esse próprio movimento alienante), possibilitou um princípio econômico de apropriação e distribuição (desigual) de riqueza que, no capitalismo, se generalizou para todos os domínios da vida social (e mesmo privada), fazendo com que os seres humanos definitivamente não se reconheçam mais no mundo que eles mesmos criaram – e, portanto, assumindo-o como “natural”, se sintam incapazes de mudá-lo. Mas, porque a auto-alienação do trabalho foi, antes de tudo, uma “escolha” historicamente necessária para o desenvolvimento da produção material humana, agora, por conta do alto desenvolvimento dessa mesma atividade produtiva, ela poderia ser superada em nome da recuperação do caráter positivo do trabalho – entendido como meio de “humanização” do homem, de libertação de suas potencialidades e realização de sua liberdade –, e da satisfação plena de nossas necessidades. Para isso, porém, seria necessário superar o quadro no qual a alienação toma forma, aquele das mediações de segunda ordem, isto é, o modo de produção capitalista que as engendra. Novamente, trata-se de uma decisão política.

Referências bibliográficas:

MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Trad. Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004.
__________. O Capital – crítica da economia política. Livro Primeiro. Volume I. In: Col. Os Economistas. Trad. Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. 3ª edição. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1988.
MÉSZÁROS, István. A teoria da alienação em Marx. Trad. Isa Tavares. São Paulo: Boitempo, 2006.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Tempo da verdade


Um passo importante na consolidação da democracia brasileira foi dado no dia de hoje. Foi instalada, nesta manhã, a Comissão da verdade, que contando com sete membros, investigará nos próximos dois anos os crimes cometidos pelo Estado brasileiro contra os seus cidadãos no período de 1946 e 1984, especialmente durante a ditadura militar pós-1964. Além de promover o evidente direito que todos aqueles que foram vítimas diretas (prisão e tortura) ou indiretas (pela prisão, morte ou desaparecimento de parentes e amigos) de violações aos direitos humanos neste período têm de conhecer a verdade, a comissão terá o importante papel de passar a limpo um período tumultuado da história brasileira, cujos desenlaces ainda se fazem sentir. Há um velho ditado que diz que “quem não conhece a história corre o risco de repeti-la”. E isso é tudo o que o Brasil não precisa! Daí também, a importância que ganha este ato do Estado brasileiro, na figura da presidenta Dilma, de finalmente instalar a Comissão.

Dilma, aliás, também ela vítima das arbitrariedades do período, presa e torturada por lutar contra a ditadura, sintetizou com brilhantismo o espírito que guia essa comissão: “A força pode esconder a verdade, o medo pode adiá-la, mas o tempo acaba por trazê-la à luz. Hoje, esse tempo chegou. Nunca pode existir uma história sem voz”.

domingo, 6 de maio de 2012

A vitória socialista na França e os rumos da esquerda


Ainda é incerto o que se seguirá após a vitória do candidato socialista François Hollande nas eleições presidenciais francesas, exceto que ela representa um não do povo francês às políticas regressivas implementadas por Nikolas Sarkozy. Como bem observou Ignácio Ramonet há poucos dias, em artigo que recomendo a leitura (veja aqui) o triunfo de Hollande abre basicamente duas perspectivas: a primeira é a de que, na esteira do que ocorreu com outros governos sociais-democratas europeus na última década, a pressão dos “mercados”, isto é, do capital financeiro, force um recuo do socialista em seu objetivo de confrontar a política de austeridade da União Europeia, capitaneada pela chanceler alemã Ângela Merkel, cujos resultados sociais são invariavelmente desastrosos. A outra alternativa é que Hollande, reconhecendo o inegável peso da França na definição dos rumos da União Europeia, resolva enfrentar soberanamente as políticas recessivas levadas a cabo pelo bloco europeu, cumprindo a promessa de mudança positiva que deu o tom de sua campanha.

Mais do que um assunto interno, ou continental, os rumos da política francesa têm um impacto em todo o planeta, não apenas na área econômica, mas em particular para o conjunto das forças progressistas. Se Hollande não decepcionar seu eleitorado de esquerda (como aconteceu com o primeiro socialista eleito presidente francês, François Mitterand), revertendo com ousadia as políticas perversas impostas pelo ex-presidente Sarkozy, não apenas ganhará a França – em especial suas classe trabalhadoras e os setores mais oprimidos e marginalizados pelo capital financeiro –, mas toda a esquerda europeia e mundial, que contará com um ponto de apoio importante para aprofundar a disputa política contra o domínio do grande capital, pela igualdade, pela liberdade e pela democracia.

Nesse sentido, em seus primeiros discursos depois de eleito, além do protocolar “vou ser o presidente de todos os franceses”, chamaram a atenção (minha, pelo menos) duas declarações: a primeira, ainda em Tulle, seu domicílio eleitoral, na qual Hollande afirmou querer “ser lembrado por dois compromissos: a juventude e a igualdade”. E, depois, já em Paris, sua conclamação para que outros países europeus sigam o exemplo da França em nome da “mudança”. Vejamos, com certa expectativa, para onde se encaminhará o novo governo socialista. Pode estar nas mãos de Hollande, seja o recrudescimento de uma direita ainda mais extremada (que tem se fortalecido na Europa nos últimos anos), em caso de fracasso, seja, em caso de sucesso, a abertura de um novo período de fortalecimento da esquerda europeia – o que é bom para todos aqueles que compartilham do ideal de um mundo mais justo e solidário.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Balanço de 1º de Maio


Nesse 1º de maio, Dia do Trabalhador, temos elementos importantes para celebrar. Para nos concentrarmos em fatos das últimas semanas, a recente redução da ainda exorbitante taxa de juros dos bancos públicos imposta pela presidenta Dilma; sua promessa de veto ao Código Florestal absolutamente retrógrado aprovado pela Câmara na última semana; a declaração de constitucionalidade das políticas de ações afirmativas; a criação da “CPI do Cachoeira”, sem qualquer interferência negativa do Planalto, que se bem dirigida (o que passa diretamente pelo papel de liderança destemida que o PT deve desempenhar na condução da Comissão), pode passar a limpo as relações promíscuas entre políticos, grande mídia e contraventores; para não falar da sequência dada nas políticas de redução das desigualdades e de erradicação da miséria, de fortalecimento do salário mínimo e da educação, cujos resultados positivos são amplamente conhecidos. Por fim, na véspera deste 1º de Maio, Dilma anuncia Brizola Neto como novo Ministro do Trabalho. Este promete ser mais um polo de tensão à esquerda do governo, podendo servir de ponto de apoio para políticas progressistas que precisam entrar de vez em nossa pauta política, como a redução da jornada de trabalho e a democratização dos meios de comunicação (Brizola Neto, lembremos, é um dos “blogueiros sujos” que mais batalham contra o monopólio de informações da velha grande imprensa).

Mas, naturalmente, nem tudo são flores, e não há Dia do Trabalhador sem luta. Diante do cenário instável de crise internacional, é preciso que o governo se engaje mais concretamente na defesa do emprego e da produção nacional, como exige a CUT, por exemplo, reduzindo ainda mais os juros e colocando em pauta a já mencionada redução da jornada de trabalho. Também é absolutamente necessário, se quisermos acabar com a miséria e nos tornarmos um país sustentável, social e ambientalmente, que a presidenta comece a se contrapor com maior virulência ao poder do agro-negócio (o igualmente citado veto ao Código Florestal seria um importante indicativo nessa direção), fortalecendo a agricultura familiar e destravando a reforma agrária. Por fim, mas não menos importante, e somando-se à necessidade de pautar a regulamentação dos meios de comunicação, passa da hora de reorganizar o Ministério da Cultura, com a demissão imediata da atual ministra, recuperando (e aprofundando) os avanços obtidos no governo Lula, a partir da compreensão desse ministério como um dos pilares, ao lado do MEC, para a transformação social, política e ideológica do país.

De qualquer forma, 2012 se desenha como um ano mais aberto a transformações progressistas do que foi 2011. As constantes demonstrações de insatisfação da “base aliada” para com a presidenta são um bom indício de que Dilma quer tomar de vez as rédeas do governo e conduzir suas políticas públicas no sentido preconizado durante sua campanha, que ela reitera na mensagem desse 1º de maio: ser “a presidenta que cuida [não] apenas do desenvolvimento do país, mas aquela que cuida, em especial, do desenvolvimento das pessoas”. Que assim seja! À luta!