quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Um passo atrás


Felipão foi apresentado, agora pela manhã, como novo treinador da seleção. Segundo pode-se interpretar das palavras do presidente da CBF, José Maria Marin – que fez questão de (tentar) explicar porque não poderia trazer Tite, Muricy, Luxemburgo ou Abel –, Felipão era a opção que restava. E era, sem dúvidas, a pior opção.

O ex-treinador do Palmeiras conseguiu a proeza de ser a primeira pessoa na história a “cair pra cima”. Teve papel decisivo no rebaixamento do clube palestrino, mas, como prêmio, ganhou o comando da seleção. Contudo, não é nem esta meritocracia às avessas o ponto mais grave. A queda do Palmeiras poderia ser apenas um ponto fora da curva. Mas não é. Como disse em post ontem, tecnicamente falando, Mano deveria ter saído da seleção já há algum tempo. Porém, a forma pela qual foi demitido e, em especial, o motivo que levou à sua queda, são nefastos. Ainda assim, tal cafagestagem poderia ser minimamente redimida com a escolha de alguém em melhores condições do que Mano para dirigir a seleção. E este, definitivamente, não é o caso atual de Felipão.

Não nego suas virtudes como técnico (sobretudo em competições “mata-mata”), seu currículo, não nego o fato de que Scolari tenha sido importante na conquista do Mundial de 2002. O que questiono é o fato de o treinador ter parado no tempo. Não ter acompanhado a evolução do futebol. Ainda ser adepto do “pega, pega, pega” como tática de marcação (imaginem Scolari gritando “pega, pega, pega” para parar o Messi, por exemplo?).Ter acumulado fracassos em seus últimos trabalhos importantes. O Palmeiras, sob seu comando, sempre foi um time medíocre, técnica e taticamente falando. Exclusivamente dependente da bola parada de Marcos Assunção. Felipão, em nenhum momento, conseguiu dar cara de time a um elenco que ele mesmo ajudou a montar (os palmeirenses sabem do que estou falando), mesmo no título da Copa do Brasil, este sim, um ponto fora da curva do atual Felipão. E é justamente este – e não o de 2002 –, o Luiz Felipe Scolari que assume o comando da seleção.

O novo treinador, vale lembrar, será acompanhado por Carlos Alberto Parreira. Embora tenha sido um técnico medíocre (mesmo com o título mundial de 1994), é fato que Parreira é um estudioso do futebol – a entrevista coletiva de ambos acabou de demonstrar como Parreira parece mais antenado com as necessidades de evolução de nosso futebol do que o próprio Felipão. Ainda assim, não acho que Parreira poderá ajudar muito. É, no final das contas, mais do mesmo. E, como Scolari, colecionou fracassos em suas últimas empreitadas futebolísitcas, com destaque à forma ridícula como conduziu o Brasil na Copa de 2006.

O que nosso futebol verdadeiramente precisa é de fôlego novo. Ser arejado por novas ideias, novas práticas, em todos os níveis. Neste quesito, portanto, demos um enorme passo atrás. Espero queimar a língua. Mas, por ora, nada resta além de aguardar e torcer.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Mano, Marín, seleção


Esperei alguns dias para escrever sobre a demissão de Mano Menezes, porque queria ver os primeiros desdobramentos dessa ação desastrada do presidente da CBF. Mais precisamente, se haveria uma decisão imediata sobre o novo ocupante da vaga. Como, até aqui, só há especulações (ainda que, ao que tudo indica, o nome de Felipão seja disparado o mais cotado), decidi deixar minha opinião sobre este episódio.

Acho o Mano um técnico fraco para a seleção. Com pouco currículo. E de caráter, digamos, duvidoso (eis o que escrevi quando ele assumiu). Mas a forma como foi demitido foi absolutamente injusta. Inoportuna, para dizer o mínimo. E os reais motivos dessa demissão são ainda mais deploráveis.

Mano poderia ter saído depois do fiasco brasileiro na Copa América. Ou, há alguns meses, após as Olimpíadas. Não agora. Temos três ou quatro jogos até a Copa das Confederações. Um ano e meio para a Copa. E, mesmo que com atraso, o ex-treinador da seleção começava a esboçar um time que, a meu ver, deverá ser a base do time de 2014 – não importa qual técnico esteja no nosso banco. Quer dizer, tecnicamente falando, no momento em que ele começou a dar sinais de melhoras, caiu. Mas, muito pior do que esta falta de timing: ele justamente não caiu pela questão técnica – que, insisto, justificaria sua demissão desde muito tempo. Caiu por questões políticas. Por vaidade. Porque o novo presidente da CBF, José Maria Marín, conseguiu, neste ponto, ser pior que seu sucessor (pasmem!), e viu na escolha de um novo treinador a forma de conseguir imprimir suas digitais na eventual taça de campeão do mundo. Que, naturalmente, ninguém sabe se virá. Se depender de sua competência, não. Mesmo porque, parece-me inacreditável que o técnico que recentemente rebaixou uma das maiores equipes de nosso futebol para a série B, seja o mais cotado para ganhar o prêmio de treinar a seleção. Felipão, hoje, é a marca do atraso no futebol. Não se atualizou e foi ultrapassado. A roda da história não gira para trás. Se ele foi decisivo em 2002, vendo seu retrospecto recente, o time que conseguiu montar no Palmeiras, nada me faz crer no mesmo dez anos depois. Mas, aguardemos. Com a confirmação do novo treinador, volto ao assunto.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Kiss - Detroit Rock City

Há um poema maravilhoso de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa, que começa assim:

"O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia".

Sei que o Kiss já executou milhares de vezes (literalmente) a música Detroit rock city. Mas, para mim, esta versão abaixo é a melhor de todas. Não porque ela seja a melhor de fato. Mas porque, assim como o Tejo não poderia ser mais belo que o rio que corria na aldeia do poeta - mesmo que fosse - porque não era o rio que corria em sua aldeia, esta versão é a melhor já feita, porque foi esta a que vi, ao vivo, pela primeira vez, no último sábado, em São Paulo. Foi com ela que meu coração disparou, aguardando a realização daquele velho sonho de adolescência. Por isso, para mim, ela é - e sempre será - a melhor.

Rock on!





quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Um menino, uma banda, um sonho


Corriam os primeiros meses do ano 2000. O mundo não tinha acabado, e eu me preparava para cair na noite pela primeira vez. Primeira balada. Primeira vez que ficaria até altas horas na rua. Era sábado à noite, festa organizada pelo colégio onde estudava. Nada demais. Mas, como seria a tônica dali para frente, estava ansioso. Muito ansioso. Inseguro. Não sabia o que esperar, como me comportar. Muitos de meus amigos já tinham certa experiência no assunto. Eu não. Caseiro e extremamente tímido, minha vida social até então (tinha 14 anos à época) limitava-se a sair para comer pizza com a turma, ir ao cinema ou coisas assim. Agora, de alguma forma, eu dava um passo além. Para mim, ao menos, era.

Sem saber muito o que fazer para matar o tempo até às 23 horas, quando deveria chamar meu pai, que então dormia, para me levar, me fechei no meu quarto e decidi ouvir um pouco de música para tentar me distrair. A escolha, àquela altura, só poderia ser uma: algum CD de rock, especialmente do Kiss, à época a banda que eu mais ouvia e tentava, na minha guitarra, copiar. Coloquei o mítico álbum Destroyer, de 1976, e meio que por impulso, pulei para uma de minhas faixas prediletas, “Shout it out loud”. O Kiss, como se sabe, nunca foi uma banda marcada por letras profundas, mas conta, ao longo de sua trajetória, com algumas peças e versos interessantes, especialmente sobre a necessidade de aproveitarmos a vida ao máximo, acreditar em nosso potencial, além de várias canções sobre o amor, sexo e relacionamentos, como é de praxe no rock’n’roll, especialmente no chamado hard rock. E “Shout it out loud”, naquele momento, me caiu como uma luva. Não era bom de inglês, acabara de começar fazer um curso particular, mas conhecia algumas letras e suas respectivas traduções através de revistas que comprava. Ao ouvir uma canção sobre alguém que quer ter um pouco de diversão e precisa se sentir confiante, aquela música parecia feita para aquele meu momento: “’cause it’s time o take a stand”, dizia o último verso, que eu repeti na minha cabeça aquela noite toda, e durante outras vezes mais.

Muitos anos se passaram. Algumas conquistas, muitas cabeçadas, a companhia de pessoas certas, acrescidas a alguns aninhos de terapia, me fizeram me conhecer melhor, e conhecer um pouco mais do mundo que me cerca. Fizeram-me superar um pouco a timidez, a insegurança, e até certa baixa auto-estima. Mas, de alguma forma, mesmo que indiretamente, aquela banda de cabeludos mascarados participou de todo esse processo. Afinal, era o Kiss uma das trilhas sonoras que me ajudavam a prolongar o êxtase dos momentos de alegria – como quando passei no vestibular, ou comecei a namorar minha atual esposa –, ou que também arranhava na guitarra para descontrair e sonhar. Também era o Kiss que eu colocava quando tentava ou precisava ficar “pra cima” nos (nada raros em certo período) momentos de depressão, incerteza, angústia e medo.

Apesar disso, nunca achei que os veria pessoalmente. Quando eles vieram para o Brasil pela terceira vez, em 1999, tinha acabado de conhecê-los. Aliás, foi um cartaz anunciando aquele show da Psycho Circus Tour, na antiga revista Showbiz (que acho que nem existe mais), que me encantou. Ficava olhando aqueles personagens que variavam, dependendo do ângulo, entre palhaços (no bom sentido) e demoníacos, e dizia para mim mesmo: “preciso saber quem são esses caras”. Depois de muitas idas e vindas (deles e minha), o Kiss retornou ao Brasil em 2009. No entanto, a falta de $$, mais os compromissos acadêmicos do mestrado que eu fazia à época, abortaram minha chance de vê-los. Sinceramente, já tinha desencanado da possibilidade de ir a um show – afinal, nunca se sabe até quando vai o fôlego de uma banda quase quarentona –, quando eles anunciaram um novo disco para 2012, Monster, e uma turnê que passaria por essas bandas. Depois de ouvi-lo e aprová-lo, só poderia comprar meu ingresso para o show de Sampa e, quase sem querer, realizar um velho sonho adolescente – mesmo que não tenha oportunidade de conhecer um de meus integrantes preferidos, o guitarrista Ace Frehley, que infelizmente não está mais na banda.

Enfim, muita coisa aconteceu desde aquele sábado à noite. Muita mesmo. Mas, de alguma forma, um pouco do que sou hoje, e mesmo daquilo que desejo e sonho (para mim e para o mundo), ainda devo à influência inesperada daquela banda norte-americana de rock alegre e descompromissado. Por isso, toda vez que me pego ouvindo alguma música do Kiss, para além das memórias que muitas me trazem, não posso deixar de gritar bem alto, mesmo que seja só dentro da minha cabeça: “obrigado”.

A seguir, um vídeo devastador de “Shout it out loud”, abrindo o primeiro show da Reunion tour, turnê que marcou a volta da formação original da banda, em 1996 (e durou até 2002).





quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Notas sobre meio ambiente e socialismo


Tema historicamente negligenciado pela esquerda (a começar pelo próprio Marx), o meio-ambiente foi colocado em pauta a partir dos anos 1970 até se tornar, neste século, um tópico obrigatório em qualquer discussão política progressista – especialmente para partidos e movimentos anti-capitalistas. Se as experiências pós-capitalistas do século XX nos demonstraram a impossibilidade de se construir o socialismo sem democracia, como nos lembrava Carlos Nelson Coutinho num célebre ensaio (A democracia como valor universal), agora é preciso acrescentar à gama de conceitos obrigatórios do roteiro socialista a preservação ambiental.

No entanto, até mesmo por conta da falta de bons referenciais teóricos a respeito, há dificuldade, sobretudo em setores de esquerda historicamente mais vinculados ao marxismo ou a teorias marxizantes, em assimilar essa pauta. Mesmo um partido grande e estruturado como o PT padece desse mal. Apesar disso, é preciso chamar a atenção para o fato de que a luta pela sustentabilidade ambiental recoloca na ordem do dia – e por vias inéditas – a utopia socialista. Senão, vejamos.

Desde o último quarto do século passado, o fordismo deixou de ser o padrão hegemônico de acumulação capitalista. Por conseguinte, a estrutura social que sustentava esse modelo (e dialeticamente se constituía a partir dele) foi severamente modificada. O mundo mais rígido e homogêneo do fordismo, da produção e do consumo em massa de mercadorias padronizadas, cedia lugar, como observa Terry Eagleton, “ao mundo efêmero e descentralizado da tecnologia, do consumismo e da indústria cultural, no qual as indústrias de serviços, finanças e informação triunfam sobre a produção tradicional, e a política clássica de classes cede terreno a uma série difusa de ‘políticas de identidade’”. É o modelo da acumulação flexível, segundo a definição do geógrafo David Harvey. A contrapartida mais evidente deste novo padrão de acumulação de capital, foi (e é) a crescente dissolução do antigo mercado de trabalho: a precarização dos empregos, a disseminação dos “subempregos” informais, bem como uma ofensiva inédita, em escala global, de flexibilização dos direitos, ajustada à nova realidade de dispersão espacial e temporal das unidades produtivas, bem como ao ritmo de giro cada vez mais acelerado do capital.

De um ponto de vista político, Marx enxergava um lado positivo no aparecimento da grande indústria: ela permitia a concentração, num único local, de centenas de trabalhadores que, explorados em iguais condições, poderiam mais facilmente adquirir consciência de sua situação em comum. Assim, a luta contra o capitalismo seria facilitada pelos próprios meios fornecidos pelo capital. “A burguesia cria seus próprios coveiros” dizia o célebre Manifesto Comunista.

No mundo do trabalho contemporâneo, essa concentração, quando existe, é cada vez mais residual. Agora há, na verdade, um movimento crescentemente diáspórico, relacionado à realidade – hoje duramente experimentada pelos europeus, mas que nos é bastante familiar – de desemprego estrutural, subempregos etc., que acirra ainda mais a competição entre os trabalhadores, exacerba o individualismo, e desacredita a grande política, como dizia Gramsci. Diretamente vinculada à velocidade do giro do capital em seu processo reprodutivo atual, vivemos a época do aqui-agora sem profundidade dimensional, a estetização da vida, o elogio do simulacro, ampliado de modo praticamente ilimitado e facilitado pelas novas tecnologias, sobretudo virtuais.

Politicamente, os referenciais objetivos de luta comum dos trabalhadores, que permitiam a construção de uma subjetividade em consonância com sua posição no processo produtivo, isto é, que permitiam alguma forma de consciência de classe, foram praticamente dissolvidos. As dificuldades atuais da luta sindical são um exemplo patente dessa conjuntura. Num mercado fragmentado, em que cada dia se trabalha (por necessidade) num local diferente, para um patrão diferente, muitas vezes sem direitos e/ou garantias trabalhistas mínimas, sem direito a férias etc., qualquer traço de solidariedade requisitado pela ação sindical (para não falar daquela ação política de maior magnitude) torna-se exíguo.

Todo esse amplo movimento, aqui apenas esboçado, cuja finalidade explícita nada mais é do que renovar as possibilidades de acumulação do capital diante das contradições estruturais do próprio sistema, e que ficou conhecido como neoliberalismo, foi devidamente legitimado nas últimas décadas pelo discurso ideológico pós-moderno. Em linhas gerais, contra visões “totalizantes”, amplas, da sociedade e da História, como é o caso do marxismo, que almeja construir uma nova sociedade universal, cujo princípio organizador se contraponha ao princípio vigente (também universal) do mercado capitalista (a assim chamada globalização), o pós-modernismo celebra uma experiência “volátil e efêmera”. Desconhecedora de “qualquer sentido de continuidade”, tal experiência “se esgota no presente vivido como instante fugaz”, a partir de “uma adesão à descontinuidade e à contingência bruta”, como explica Marilena Chauí. Na ideologia pós-moderna, prossegue a filósofa, a sociedade “aparece como uma rede móvel, instável, efêmera de organizações particulares definidas por estratégias particulares competindo entre si”. Assim, o pós-modernismo transforma as exigências (econômicas, políticas, culturais e ideológicas) do capital em virtude. Por conseguinte, reforça a percepção de que a luta política por uma outra sociedade já não faz sentido.

Ora, o problema da preservação ambiental coloca justamente em xeque a ideologia pós-moderna, ao mostrar que o problema do meio-ambiente é um problema universal. Que não se relaciona apenas a um momento efêmero, circunscrito a um espaço particular, mas que põe em risco, de fato, a própria sobrevivência da humanidade como um todo. E que, portanto, só pode ser resolvido nesta perspectiva.

Marx definia o capitalismo como “uma formação social em que o processo de produção domina os homens, e ainda não o homem o processo de produção”. Ao protestar contra a relação atual do homem com a natureza, o que a questão ambiental precisamente nos demonstra é a necessidade (e mesmo a urgência) de invertermos a lógica que subsume o homem ao capital. Afinal, a preservação do meio-ambiente e da vida em nosso planeta depende fundamentalmente do uso racional dos recursos finitos, da aplicação de nosso conhecimento no melhor aproveitamento desses recursos, da melhor distribuição da produção e do consumo sustentável. No entanto, tais exigências não podem ser satisfeitas numa conjuntura na qual a última palavra é da irracionalidade da acumulação do capital.

A preservação do meio-ambiente requer uma nova relação com a natureza, uma nova forma de utilizarmos os recursos naturais. Numa palavra, uma nova forma de trabalho. Mas a forma como consumimos está diretamente relacionada à forma como produzimos e distribuímos aquilo que foi produzido. Produção-distrbuição-consumo perfazem um nexo estruturalmente indissociável. Não se muda de fato um dos elementos sem que se alterem os outros. Isso significa que novas formas de consumo exigem formas racionais de produção, ambientalmente sustentáveis, que exigirão novas formas de distribuição, orientadas em atender as necessidades básicas de todos e minimizar (ou anular) o desperdício. Essa configuração é impossível na perspectiva da anarquia intrínseca ao mercado capitalista e da acumulação de capital. Há, de fato, uma contradição essencial entre uma produção de bens planejada e orientada segundo critérios racionais de sustentabilidade ambiental e a produção capitalista de mercadorias, com suas relações (inter-humanas e com a natureza) cujo fim último é tão somente reproduzir o capital. Por isso, cumpre sempre destacar que o controle do homem sobre seu trabalho, sobre sua relação com o meio-ambiente e os outros homens, sobre as formas de satisfazer as necessidades básicas de todos, só é possível a partir do momento em que começamos a inverter a lógica vigente.

Nesse sentido, a pauta ambiental traz positivamente, a partir de um problema objetivo da maior gravidade, um novo fôlego para a luta anti-capitalista. Sem cair no catastrofismo (que também pode servir a interesses escusos daqueles que lucram com a degradação ambiental), é preciso que o discurso socialista, em sua disputa por uma nova hegemonia, seja capaz de refletir e incorporar de fato (e não apenas de modo formal, como acontece muitas vezes) a defesa do meio-ambiente e de uma nova e saudável forma de o homem se relacionar com a natureza, orientado pela impossibilidade estrutural de o modo de produção atual responder satisfatoriamente a esse desafio. Com isso, mesmo diante das dificuldades inéditas de fazer acreditar a grande política, a velha questão sobre o sujeito histórico da mudança pode ganhar novos ares, inclusive pela possibilidade de incorporação de novos atores que, ausentes na perspectiva marxista clássica centrada exclusivamente na oposição insuperável capital-trabalho (sobretudo os setores “médios” da sociedade, e mesmo parte da “pequena-burguesia”), também podem se alinhar à causa socialista em nome da defesa necessária da vida e do planeta contra o “trabalho-morto” do capital.