segunda-feira, 26 de maio de 2014

O preocupante recrudescimento do fascismo na França

Os números que consagraram o fascista Front national (FN), de Marine Le Pen, como o partido mais votado na França nas eleições ao Parlamento europeu realizadas neste domingo (25%, contra 20% da UMP, de centro-direita e 14% do Partido Socialista, de centro-esquerda, que governa o país) são obviamente preocupantes, conquanto nada surpreendentes para quem tem acompanhado minimamente os últimos anos da política francesa.

E nem é preciso um grande talento analítico para desconfiar que essa catástrofe se avizinhava. Por exemplo, neste mesmo blog, em 2012, em texto publicado logo após a animadora vitória de François Hollande para presidência da França, escrevi o seguinte: “Vejamos, com certa expectativa, para onde se encaminhará o novo governo socialista. Pode estar nas mãos de Hollande, seja o recrudescimento de uma direita ainda mais extremada (que tem se fortalecido na Europa nos últimos anos), em caso de fracasso, seja, em caso de sucesso, a abertura de um novo período de fortalecimento da esquerda europeia – o que é bom para todos aqueles que compartilham do ideal de um mundo mais justo e solidário” (leia o texto completo aqui).

Menos de um ano depois, durante o período em que morei na França, e percebendo no cotidiano o descontentamento crescente com os rumos do governo Hollande, redigi outros dois textos sobre a crise da esquerda francesa – exemplar da crise que, a bem da verdade, há tempos atravessa toda a esquerda europeia. Um deles, inclusive, contrastando a situação daquele continente com os ares progressistas que respiramos na América do Sul (leia aqui e aqui).

Destaco duas passagens: na primeira, de fevereiro de 2013, observava que, diante da crise que afetava o continente, “a receita europeia nada tem de nova: trata-se, afinal, da adoção ainda mais aprofundada do falido receituário neoliberal, que submete o interesse coletivo ao interesse privado (no caso, dos bancos, das grandes corporações etc., únicos a ganhar com a crise). Diante disso, o problema que se coloca é que o “antídoto” europeu à crise – e que infelizmente, vale insistir, mesmo o governo socialista francês, eleito sob a égide do changement (mudança) tende a adotar – é justamente o que está na origem da própria crise: a ausência de controles estatais sobre a circulação do capital, a financeirização crescente da economia, o aumento astronômico da liquidez do capital ficíticio das grandes empresas, a subordinação da res pública, isto é, da “coisa pública” ao setor privado, a dissolução das conquistas sociais etc. Ora, a única solução plausível no combate à crise é justamente reverter essa lógica – que, no limite, é a própria lógica do capital em sua fase contemporânea. Mas, para isso, é preciso um Estado ativo, orientado por políticas públicas eficazes, direcionadas para o crescimento com distribuição de renda, para geração de emprego e aumento do poder de compra do salário, para o fortalecimento do mercado interno nacional e para a garantia de direitos, e não um poder público vassalo das regras ditadas pelo mercado”.

Poucas semanas mais tarde, em solução de continuidade, assinalava: “Há poucos dias, o ex-presidente Lula disse que o problema da Europa era político: a falta de uma liderança capaz de instituir um novo horizonte para o continente. Hollande teve o voto para ser essa liderança (ele mesmo assumiu, [em recente] entrevista, que “todos nos olham com esperança”), mas não tem conseguido. O grande problema aqui – basta uma olhada nas redes sociais para ver o teor de grande parte dos comentários acerca da entrevista de Hollande – é que o insucesso do governo socialista, longe de abrir espaço para uma esquerda mais arrojada, tende a facilitar o caminho para o fortalecimento da direita e da extrema-direita. Um quadro desastroso, não apenas para quem foi eleito sob a égide do changement, mas para a própria perspectiva de superação definitiva da tragédia neoliberal em nível global – o que passa pelo recrudescimento da esquerda (social-democrata, socialista e comunista), hoje bastante desacreditada, no continente europeu”.

Passado pouco mais de um ano, a situação não mudou. Ou melhor, mudou, mas para pior: Hollande se inclina cada vez mais para a direita – e, naturalmente, aprofunda a crise. Por conseguinte, cede espaço para que o discurso xenófobo e racista da extrema-direita encontre eco em setores cada vez mais amplos da população francesa, especialmente entre jovens e trabalhadores (não por acaso, as camadas mais duramente atingidas pela persistente crise econômica). A expressiva votação do Front national neste domingo, somada às altas taxas de abstenção, é sintomática de um descontentamento generalizado dos franceses com a situação política e econômica do país. Sem saída à esquerda (o partido à esquerda do PS de Hollande, o Front de gauche, infelizmente não tem força para se apresentar como alternativa), restam a busca por “atalhos” ou por soluções simplistas, tais como oferecidas pelos setores anti-democráticos. Como se vêm, a catástrofe consumada neste último domingo estava em gestação há algum tempo.


Ora, para além da França (o que, diga-se, já seria muito), o que preocupa é que essa tendência pode doravante se espalhar. Mesmo com algumas vitórias da esquerda em países como a Grécia ou Portugal, parece inegável que, ao contrário do que tem ocorrido na América Latina, a tendência europeia é de uma propensão cada vez maior para a direita. Isso fica visível, por exemplo, ao se analisar o quadro geral das eleições deste ano: no total, foi a centro-direita a grande vencedora deste pleito, elegendo o maior número de euro-deputados. Além disso, não bastasse o caso francês, outros partidos de extrema-direita elegeram uma bancada representativa no parlamento europeu. Pior ainda: partidos declaradamente neonazistas (da Grécia e da Alemanha) deverão ter representantes no parlamento pela primeira vez (veja o quadro mais detalhado neste link). Não obstante, pela importância geopolítica da França, somada à sua maciça votação, pode-se dizer que foi concedido ao Front nationale o poder de liderar, em nível continental, o recrudescimento do fascismo europeu. Com isso, a perspectiva de uma superação positiva dos pilares do neoliberalismo – que depende fortemente dos rumos da economia do Velho Continente – fica enfraquecida. Ao mesmo tempo, a Europa democrática, aparentemente tão sólida, abre perigosas fendas diante de um discurso que se dizia ultrapassado, mas que novamente (como nas décadas de 1920 e 1930) demonstra ser parte integrante do modus operandi capitalista em seus momentos de crise aguda. As consequências imediatas de todo este cenário ainda são difíceis de precisar. Mas, a nos fiarmos nos ensinamentos da História, parece razoável começarmos a nos preocupar.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Bem no fundo

Um poema do sempre genial Paulo Leminski para esses dias de ansiedade e preocupação.












Bem no fundo

No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Titãs - Flores

Nos últimos dias, tenho passado por uma fase meio nostálgica, de saudade de tudo que remete ao final dos anos 80, início dos 90. Por isso, decidi postar um clipe que ilustra aquela época - embora só tenha conhecido esta música alguns anos depois. Com vocês, um verdadeiro clássico do rock nacional, de 1989: Flores, dos Titãs.