sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Obrigado, Roberto!

Ainda profundamente entristecido pela perda de Roberto Goméz Bolaños, e emocionado por todas as merecidíssimas homenagens a este gênio do humor, lembrei-me de um momento ocorrido comigo no ano passado, durante um período que morei na França.

Era um domingo, início da tarde, e já estava há algum tempo fora. Sozinho, naquele clima frio, sem vontade de sair de casa, era inevitável que despontasse aquela saudade do Brasil, e das coisas que costumava fazer por aqui. Sem paciência para a televisão, para ler ou estudar, abri o computador e comecei a navegar a esmo pela internet, tentando encontrar algo pra matar o tempo. Foi quando, meio instintivamente, caí no Youtube e me peguei digitando: “Chaves”. Lembro-me que vi uma série de episódios na sequência. Diversão garantida, “deprê” superada e, de repente, me peguei pensando: “como essa gente daqui pode ter crescido sem nunca ter assistido o Chaves?”. Dali em diante, muitas foram as vezes em que, brincando com as inevitáveis comparações que fazemos quando estamos no exterior, eu incluía aquela lembrança: “e esse povo todo, nunca viu o Chaves!”. Só podia lamentar por eles.

Esse pequeno depoimento apenas ilustra o quanto eu admiro o trabalho de Roberto Bolaños. Seus programas, em especial a dupla “Chaves” e “Chapolin”, são possivelmente os únicos que, até hoje, sempre paro para assistir (e quem me conhece sabe bem disso). Pouco importa se sei todas as falas de trás pra frente ou de frente pra trás: eu vejo e me divirto como se fosse a primeira vez!

Aliás, em minha humilde opinião, Bolaños está no patamar de um gênio como Chaplin. Talvez, se fosse norte-americano, também seria mundialmente reconhecido como tal. Por outro lado, o fato de ser latino o torna, para mim, ainda mais grandioso. Com seu humor rico e sem apelações, Chespirito soube unir este continente tão belo e sofrido, culturalmente diverso e fraterno, cheio de dramas e riquezas. Não à toa, é cultuado por todo o território latino-americano.

Por tudo isso, apesar da tristeza incontornável, só me resta agradecê-lo. Pelas risadas, pelos ensinamentos, pelas verdadeiras lições de filosofia, de ética, de sociologia, de vida que você me ensinou desde quando eu me entendo por gente. Muito obrigado, Roberto, e vá em paz!

sábado, 22 de novembro de 2014

Eric Clapton - Layla

22 de novembro, dia do músico. Para marcar a data, um dos maiores guitarristas de todos os tempos, Eric Clapton (não por acaso, apelidado de "Deus"), em uma esplêndida versão ao vivo, de 1999, de seu clássico Layla.

Aproveitem!

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Sobre a ética aristotélica


Para se compreender a ética aristotélica é preciso, em primeiro lugar, observar a distinção operada pelo filósofo entre saber teorético e saber prático. O saber teorético é o conhecimento de seres e fatos que existem e agem independentemente de nós e sem nossa intervenção ou interferência. Por exemplo, os fenômenos naturais. O saber prático é o conhecimento daquilo que só existe como consequência da ação humana. No âmbito do saber prático, porém, ainda é preciso distinguir entre a prática como práxis e a prática como técnica. Nesta última, diz Aristóteles, o agente, a ação e a finalidade da ação estão separados. Um exemplo é o carpinteiro, que ao fazer uma mesa, realiza uma ação técnica, mas ele próprio não é essa ação, tampouco a mesa produzida por ele. Já na práxis, o agente, a ação, e a finalidade do agir são inseparáveis. E a ética refere-se à práxis justamente porque somos aquilo que fazemos e o que fazemos é a finalidade boa ou virtuosa.

Na concepção aristotélica, exposta principalmente em sua Ética a Nicômaco, temos que toda atividade humana visa a um bem. A atividade ética do homem visa o bem perfeito, supremo, ou seja, a felicidade (eudaimonia). O que é esta felicidade? É o bem viver e o bem agir. Como alcançar este fim? É tarefa da reflexão ética indicar o caminho.

Segundo Aristóteles, a felicidade consiste em atividades virtuosas. Com efeito, se a prática ética é o caminho para a felicidade, o indivíduo virtuoso é aquele que sente prazer em agir segundo a “reta razão”. Em outras palavras, é aquele que adquiriu o hábito (ethos) da vida ética.

Neste ponto, importa questionar: mas o que é a virtude que pode nos conduzir à felicidade? Aristóteles assinala a existência de duas formas de virtude, ou de excelência (areté): as virtudes morais e as intelectuais. É a articulação entre ambas que permite definir o sujeito ético. As virtudes morais são adquiridas em resultado do hábito, elas não surgem em nós por natureza, mas as adquirimos pela prática, como acontece com as artes. Já as virtudes intelectuais são o resultado do ensino, e por isso precisam de experiência e tempo.

No que diz respeito às virtudes morais, é preciso frisar que a falta ou o excesso as destroem, como a falta ou o excesso de bebidas e alimentos destroem a saúde. Por isso, se diz que a ética aristotélica visa o equilíbrio, o “justo meio” (mésotes). Com efeito, o excesso é uma forma de erro, tanto quanto a carência. Mas, o meio termo é uma forma digna de louvor. Logo, a virtude é uma espécie de mediana.

A virtude moral não é uma paixão ou faculdade da alma, afirma Aristóteles, mas uma disposição de caráter (exis). Mais ainda, ela diz respeito àquela esfera da realidade na qual cabem a deliberação e a decisão ou escolha. A escolha envolve um princípio racional e o pensamento, ou seja, ela é aquilo que colocamos diante de outras coisas. Seu objeto é algo que está em nosso alcance e é desejado após a deliberação. No entanto, vale lembrar que só podemos deliberar sobre aquilo que está sob nosso alcance. Não se delibera sobre realidades eternas, por exemplo, ou dados naturais. Mas, como o fim é aquilo que desejamos e o meio aquilo que deliberamos e escolhemos, as ações devem concordar com a escolha e serem voluntárias. De fato, o exercício da virtude diz respeito aos meios, logo, a virtude está em nosso poder de escolha.

Em outras palavras, podemos escolher entre a virtude e o vício, porque se depende de nós o agir, também depende o não agir. Depende de nós praticarmos atos nobres ou vis, ou então, depende de nós sermos virtuosos ou viciosos: “O homem é um princípio motor e pai de suas ações como o é de seus filhos”, diz Aristóteles.

Na Ética a Nicômaco, Aristóteles lista uma série de virtudes morais: coragem, temperança, liberalidade, magnificência, magnanimidade, dentre outras. Sem nos alongar neste ponto, convém tão somente sublinhar que a mais importante delas é a justiça. O homem virtuoso é, forçosamente, um homem justo.

Na sequência, Aristóteles se encaminha para a definição das virtudes intelectuais. Como nota o filósofo, a origem da ação é a escolha, e a da escolha é o desejo e o raciocínio em vista de um fim. Logo, “a escolha não pode existir nem sem a razão e intelecto, nem sem uma disposição moral; pois a boa ação e o seu contrário não podem existir sem uma combinação de intelecto e de caráter” (1139a, 30). Assim, a ordem ética não pode existir senão implicando formal e essencialmente a inteligência prática.

A virtude é uma força interior do caráter, que consiste na consciência do bem e na conduta definida pela vontade guiada pela razão. De fato, cabe a esta última o controle sobre instintos e impulsos irracionais descontrolados que existem na natureza de todo ser humano. Dentre as virtudes intelectuais, é a prudência ou sabedoria prática que nos permite deliberar corretamente sobre o que é bom e conveniente para ele. A prudência, para Aristóteles, é, na verdade, uma virtude que é condição de todas as outras e se encontra presente em todas as outras.

O prudente é aquele que, em todas as situações, é capaz de julgar e avaliar qual a atitude e qual a ação que melhor realizarão a finalidade ética, ou seja, entre as várias escolhas possíveis, qual a mais adequada para que o agente seja virtuoso e realize o que é bom para si e para os outros. É ela que permite a escolha racional do meio termo, o domínio da razão sobre a desmesura das paixões.

Mas, a realização ética do ser humano não ocorre de modo segregado. De acordo com Aristóteles, o homem é um “animal político” (zoon politikon). Portanto, sua vida ética se materializa na Cidade, na companhia de outros. Não por acaso, o filósofo assinala que a amizade (philía) é um elemento fundamental para a reciprocidade inerente ao convívio social, ao qual estamos predispostos por natureza. Assim, não basta apenas um governo virtuoso, justo (aquele que governa tendo em vista o bem comum, o justo e o útil para todos), por exemplo, para que uma comunidade desabroche. É preciso que seus membros estabeleçam relações de amizade entre si, tanto quanto a relação entre o governo e os membros da Cidade também deve ser de amizade. Na verdade, é preciso haver uma articulação entre essas relações – o que, no fundo, expressa a articulação necessária, no pensamento aristotélico, entre ética e política. Pois, as formas de governo corretas, justas, implicam na amizade do governante em relação aos governados e são capazes de promover esta virtude nas relações entre os súditos. Por conseguinte, proporcionam um ambiente propício ao bom convívio, às boas ações e à busca da felicidade, o que favorece a conservação do caráter virtuoso do governo. As formas degeneradas, por sua vez, conduzem a uma supressão da amizade, pois aquele que governa, o faz de tal modo a reverter todos os benefícios para si e para os seus, e não para o coletivo. Como consequência, criam obstáculos ao agir ético dos cidadãos e perpetuam a injustiça e os vícios na ordem pública.

Em suma, no pensamento aristotélico, a conduta ética é aquela na qual o agente sabe o que está e o que não está em seu poder realizar. Refere-se, portanto, ao que é possível e desejável para um ser humano. Saber o que está em seu poder significa, acima de tudo, não ser conduzido pelas circunstâncias, nem pelos instintos ou por uma vontade alheia, mas afirmar sua independência e autonomia. Por isso, o filósofo conclui que a felicidade completa só pode ser atingida pela "vida contemplativa", a vida totalmente guiada pela razão.

Com efeito, o sujeito ético ou moral é aquele que não se submete aos acasos da sorte, à vontade e aos desejos de outrem, à tirania das paixões, mas obedece tão somente à sua consciência – que lhe permite conhecer o bem e as virtudes – e à sua vontade racional – que lhe indica os meios adequados para chegar aos fins morais. A busca do bem e da felicidade são, em suma, a essência da vida ética, cuja realização máxima, porém, ocorre no âmbito social, no âmbito de uma comunidade política igualmente virtuosa.

Indicações bibliográficas

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco – diversas edições.

HÖFFE, Otfried. Aristóteles – introdução. Trad. Roberto Hofmeister Pich. Porto Alegre: Artmed, 2008.

PHILIPPE, Marie-Dominique. Introdução à filosofia de Aristóteles. Trad. Gabriel Hibon. São Paulo : Paulus, 2002.


domingo, 2 de novembro de 2014

Primeiros movimentos pós-eleições

Passada uma semana das eleições que consagraram um quarto mandato ao Partido dos Trabalhadores, e já um pouco recuperado da estafa provocada pelo pleito, é hora de retomar as atividades no blog. Infelizmente será preciso, ainda uma vez, e contra minha vontade traçar algumas linhas de análise política. Digo infelizmente porque, com toda sinceridade, desejaria fazer um post tratando de alguma amenidade, ou mesmo de filosofia pura. No entanto, estes dias já foram ricos de fatos e prenúncios do que virá pela frente. E os sinais são inquietantes.

Podemos ver se desenhar no horizonte alguns dos elementos que deverão dar a tônica da política no próximo período. Queria me ater aos dois movimentos que simbolizam, a meu ver, o confronto político que se estabelecerá no início do segundo mandato de Dilma, e que nos obrigam a deixar o sinal de alerta ligado.

Do lado da presidenta, a vitória por estreita margem, a dificuldade em dialogar com alguns setores influentes da sociedade e, mais importante, a percepção de que o projeto transformador que ela encarna encontrou seus limites nos atuais padrões de governabilidade, levaram Dilma a propor repactuar o país em torno daquela que, corretamente, ela diz ser a “mãe de todas as reformas”: a reforma política. A estratégia me parece a mais pertinente. Como já afirmei reiteradamente por aqui nos últimos anos, de fato, apenas uma reforma política capaz de radicalizar nossa democracia pode abrir uma saída positiva para resolver os históricos problemas estruturais do país. Contudo, temos visto como esta agenda está longe de ser consensual, em especial num Congresso cada vez mais conservador. Por isso mesmo, tirá-la do papel exigirá uma ampla capacidade de mobilização de partidos e movimentos sociais de esquerda, além do próprio governo, em torno do tema. Este gesto, porém, tenderá a aumentar a temperatura do debate político, fenômeno que, se não for bem controlado, pode se reverter contra o próprio governo e o PT.

Do lado da oposição, por sua vez, a tentativa para os próximos meses parece clara: de um lado, obstruir mudanças no Congresso – vide o que ocorreu com o decreto do programa de Participação Social; de outro, desestabilizar o governo, tentando a todo custo retirar sua legitimidade – no limite, criar as condições para seu impedimento. Sempre, claro, com a preciosa ajuda de setores da grande imprensa (daí que o próprio debate acerca da reforma política terá de ser feito com paciência e cuidados redobrados). O patético pedido de auditoria das eleições proposto pelo PSDB, somado à não menos patética – embora mais preocupante – manifestação deste sábado, em São Paulo, pedindo uma intervenção militar no país, são gestos iniciais paradigmáticos dessa estratégia.

Assim, é no cruzamento destes dois vetores que se jogará o futuro brasileiro no curto e, provavelmente, no médio prazo. Se a política é uma disputa de forças, a tensa conjuntura atual reclama maturidade ao conjunto das forças de esquerda e centro-esquerda (no Congresso e na sociedade civil). Pois, mais do que nunca, é preciso se unir em torno de um programa mínimo, tendo como eixo a reformulação de nosso anacrônico sistema político – algo que, aliás, já tem sido esboçado desde o segundo turno das eleições, mas que urge prosseguir –, para fazer o vetor resultante deste confronto pender para o lado progressista. Apenas assim, a meu ver, será possível isolar os germes de golpismo presentes em setores da oposição (e que, certamente, serão mais e mais alimentados por parte da grande mídia), e recuperar a capacidade de impor uma pauta avançada de reformas que o Brasil tanto necessita. Não é uma tarefa simples, pois é inegável que o ambiente político está acirrado como talvez nunca antes (em um passado recente, ao menos). Contudo, este é o desafio que a história nos legou. Resta-nos, então, encará-lo de frente, sob pena de, em caso de fracasso, não apenas vermos a esquerda e seu projeto se esfacelarem – é assumidamente o que desejam os oposicionistas – mas, além disso, assistirmos o país retroceder a níveis (sociais, políticos, econômicos, culturais) que imaginávamos completamente superados.