domingo, 25 de janeiro de 2015

A esperança vinda da Grécia

“A esperança venceu”. Esta foi a primeira postagem do Twitter do partido grego de esquerda Syriza, após as pesquisas de boca de urna apontarem para uma vitória folgada nas eleições gerais daquele país, ocorridas neste domingo.

Trata-se, sem dúvida, de um sopro de esperança. Nascido em meio à crise econômica que há anos acomete a Grécia – crise que é um fruto direto das políticas de austeridade impostas pela União Europeia –, o Syriza representa uma esquerda diferente daquela tradicional (social-democrata), que hegemoniza este campo político em território europeu. E isso não apenas por sua prerrogativa de horizontalidade e democracia interna (o que já seria louvável). É que, diferentemente do PS francês, por exemplo, que venceu seu pleito nacional em 2012 sob o lema da mudança, mas rapidamente se alinhou à linha ortodoxa da UE, o partido da esquerda grega promete não recuar. Radical, mas com um pé no chão (ou seja, sem capitular, de um lado, ao neoliberalismo, de outro, a utopismos estéreis), a linha política do partido liderado por Alexis Tsipras concentra, assim, as esperanças de que a soberania e a vontade do povo grego possam se sobrepor à sanha especulativa do capital financeiro, reduzindo o desemprego e as desigualdades ampliadas pela política de austeridade adotada pela Grécia desde que se integrou à UE.

Enfim, a vitória do Syriza oxigena o mofado quadro político europeu. Mais ainda: renova as expectativas da esquerda, não apenas europeia, mas também mundial. Pois, em que pese as diferenças de continente a continente, se obtiver êxito, o Syriza pode representar o nascimento de uma fecunda linha de renovação da esquerda democrática, neste início de século, cujas lições poderão ser úteis, inclusive, para além das fronteiras do velho continente.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Terrorismo e fascismo

Passada a comoção pelos atentados de Paris na semana passada, e as contendas envolvidas no Je suis ou Je ne suis pas Charlie, decidi rabiscar algumas linhas que, sem acrescentar nada de propriamente novo ao que tem sido largamente debatido nos últimos dias, visa apenas externar e reforçar uma preocupação que, a meu ver, deve concentrar nossa atenção depois do ocorrido.

Primeiramente, convém dizer, sendo absolutamente contrário a práticas terroristas (tanto por motivos éticos quanto políticos), não cabe tergiversar acerca da condenação ao que ocorreu na redação do Charlie Hebdo. Isso, importa também esclarecer, não significa compactuar com tudo o que a revista publicou. Entendo que, em mais de uma ocasião, as charges publicadas no semanário extrapolaram aqueles que considero serem alguns limites essenciais da liberdade de expressão (inclusive no que diz respeito a outras religiões que não o islamismo). Neste momento, porém, entendo que essa discussão (que obviamente não se restringe à revista em questão) torna-se menos relevante. É importante que a façamos, mas em outro momento, livres das contaminações causadas pelo impacto dos acontecimentos, o que permitirá um debate com maior fôlego e profundidade.

Por ora, me parece absolutamente necessário condenar o ataque à Charlie Hebdo com a mesma veemência que se deve condenar os ataques do Boko Haram na Nigéria, ou do Estado Islâmico, na Ásia.

Contudo, como disse no início, o objetivo dessas linhas é sublinhar uma preocupação que já me acomete há algum tempo. Em algumas oportunidades, externei a encruzilhada que o fracasso do governo socialista de François Hollande poderia criar. Eleito sob a égide da mudança, mas adotando a linha de austeridade de seu antecessor, o direitista Nicolas Sarkozy, Hollande, em quase três anos de governo, não foi capaz de reverter a crise econômica que atinge seu país. Não surpreende, neste cenário, que um partido de extrema-direita, com um discurso de “soluções fáceis”, fortemente baseadas na xenofobia contra imigrantes de fé muçulmana, como o Front National, tenha conseguido ser o mais votado pelos franceses nas eleições ao parlamento europeu de 2014 (leia o que escrevi à época aqui).

Ora, é evidente o discurso islamofobo de Marine Le Pen, a principal líder do FN, ganhou uma base mais sólida desde semana passada. Se por um lado, é verdade que a extrema-direita foi isolada na marcha republicana que ocorreu em Paris no último domingo, por outro, me parece inegável que a combinação de crise econômica e criação de um inimigo comum, ainda que imaginário – neste caso, vale precisar, não os terroristas, mas os muçulmanos que “declararam guerra à França”, nos dizeres de Le Pen – fornece um solo ainda mais fértil para o revigoramento – já em curso – do fascismo naquele país.


Assim, terrorismo e fascismo parecem preparar uma perigosíssima solução retroalimentadora, na qual cada lado, dependendo do outro para se fortalecer e disseminar sua influência, instigará uma escalada irracional de provocações. Se este processo não for interrompido, o resultado poderá ser desastroso, não apenas para os franceses, mas, dada a importância deste país na geopolítica europeia e mundial, para todos nós. 

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Uma esquizofrênica contradição

Muita coisa se passou no Brasil e no mundo desde a última postagem deste blog, em meados de dezembro passado. Destaco o restabelecimento das relações diplomáticas entre Cuba e os EUA; a nomeação do novo – e polêmico – ministério de Dilma; e o anúncio de medidas acerca de direitos previdenciários e trabalhistas que, no mínimo, exigem alguma consideração crítica (sobretudo o caso das pensões por morte, que é absurdo).

Neste primeiro texto de 2015, gostaria de traçar algumas linhas sobre o segundo ponto, pois, a meu ver, ele sinaliza a contradição que deverá permear o segundo mandato de Dilma (ao menos, em um primeiro momento). Não que ela já não existisse desde a chegada do PT ao comando do governo federal. Mas, me parece que agora ela ganha contornos mais nítidos, ou mesmo, mais dramáticos, tendo em vista o ambiente político do país.

De fato, diante da margem estreita com que ganhou as eleições, e em face de um Congresso altamente hostil que terá de enfrentar, Dilma aparentemente entende que só poderá governar o país se equilibrando entre dois polos: o de esquerda, que lhe deu sustentação e permitiu sua vitória no segundo turno das eleições, e que urge por reformas estruturais (refletido em seu discurso de posse, inclusive no lema “Brasil: pátria educadora”, adotado pelo governo); e o dos setores dominantes, da grande mídia e da oposição derrotada, que, sem negar seu viés neoliberal, clamam por uma política “austera” de cortes orçamentários e equilíbrio fiscal para "retomar o crescimento". Entendo que a escolha do ministério traduz essa incômoda, diria esquizofrênica contradição. De um lado, as intragáveis e negativamente simbólicas presenças de Kassab e Kátia Abreu, além do Chicago boy Joaquim Levy; do outro, Berzoini nas Comunicações, Juca Ferreira na Cultura, ou Patrus Ananias no Desenvolvimento Agrário.

Contudo, ainda é cedo para definir para qual lado a balança vai pender, isto é, se esta contradição será resolvida ou se perdurará indefinidamente. Isso vai depender, como de praxe, da capacidade de disputa e mobilização de ambos os polos. A luta, como se vê, apenas começou. Mas, vale adiantar, se Dilma acredita que, assumindo parte do programa derrotado, e colocando pessoas “confiáveis” ao mercado, a determinados setores da economia, ou a determinados partidos, ela terá estabilidade, arrisco dizer que ela se equivoca profundamente. Na verdade, entendo que só haverá “governabilidade” se a presidenta e seu governo se dispuserem a romper essa camisa de força na qual estão se prendendo, e derem ao menos um passo à esquerda, propondo medidas efetivas para resolver problemas crônicos da população brasileira – e, assim, responder concretamente às expectativas de quem a elegeu. Começando pela “mãe de todas as reformas” (palavras da própria presidenta), a reforma política.

Este, me parece, é o único caminho para superar a esquizofrenia latente deste momento político e garantir sustentação real ao governo, criando um contraponto ao conservadorismo do Congresso. Do contrário, imobilizada por aquela contradição (para não falar do desempenho não tão bom da economia...), o segundo governo Dilma pode ser fácil e definitivamente capturado pelos poderosos setores que, neste momento, talvez ainda acuada, ela tenta agradar – mas cujo projeto, nunca é demais lembrar, foi rejeitado pela quarta vez seguida em outubro passado.