terça-feira, 28 de junho de 2016

Sobre nostalgia - ou os anos 1980

Sou da tese de que uma pessoa que se agarra demasiadamente ao passado, é porque não está satisfeita com seu presente ou, pior ainda, porque não vê boas expectativas com o futuro. De um ponto de vista crítico, filosófico, quando a nostalgia toma conta, há de sempre se perguntar se esse sentimento não tem como fermento oculto aquela desilusão ou se, pelo contrário, se trata de um (necessário) refresco para o espírito em nossa labuta diária.

Faço essa ressalva, porque a nostalgia pode surgir em momentos específicos – o que me parece ser algo completamente normal e mesmo saudável – e não ser um estado de espírito, sendo, assim, prejudicial. Eu, por exemplo, sou uma pessoa permeada, desde muito cedo, por arroubos nostálgicos. E admito que tenho, por vezes, de me equilibrar entre ser dominado por um mergulho afetivo que arrisca um desprendimento do presente – a sensação de deslocamento, de ter nascido na época errada –, e aquela boa nostalgia, que ajuda restaurar a mente e ajuda a iluminar a trajetória da existência de cada um. Ainda no meu caso, a combinação entre estrada, direção, música e a mente um pouco vazia, é catalisadora daquela nostalgia latente. Foi num desses momentos, aliás, que a ideia desse arremedo de crônica começou a surgir.

Em boa parte das vezes, meu sentimento de nostalgia se volta para a tenra infância, o que significa, para alguém nascido em 1985, o fim dos anos 1980 e início dos anos 1990. Não por acaso, portanto, aquela que, para muitos, é a “década perdida”, para mim assume um colorido todo especial – e único. E é também um pouco sobre ela que desejo falar.

Para os efeitos desse texto, me permito violar o calendário, e considerar que a década de 1980 se estende, aproximadamente, até o ano de 1992, 1993. Permito-me essa alteração, porque entendo que é nesse momento que seus ecos econômicos, políticos, culturais, estéticos etc. definitivamente se encerram, dando voz a um novo período que, de algum modo, se estende até hoje.

Não pretendo aqui fazer um balanço daquela década, mas, para não perder o veio filosófico, convém fazer uma brevíssima contextualização, inclusive para compreender a contradição entre aquilo que, em termos emprestados de Hegel, pode-se chamar de “espírito objetivo” de uma época e o “espírito subjetivo”, isto é, a vivência individual daquele momento (que, imagino, se assemelhará a de muitos leitores desse texto que viveram aquele período).

Do ponto de vista mundial, os anos de 1980 são considerados a “década perdida”, sobretudo por conta dos reveses econômicos globais. Mais importante, no entanto, é o fato de que, nesse decênio, uma nova visão de mundo começa a se consolidar, estabelecendo-se em definitivo a partir de 1992, 1993, como disse anteriormente, o que coincide com o fim da Guerra Fria, isto é, com o colapso da União Soviética e o triunfo definitivo do capitalismo, do liberalismo e do american way of life. Na economia, essa nova visão recebe o nome de “neoliberalismo”. Em termos culturais, fala-se de “pós-modernismo”. Na política, prefere-se “nova ordem” ou “globalização”. Não importa propriamente a denominação, já que se trata de facetas de um mesmo processo, de determinação de uma nova forma de enxergar o mundo, uma nova racionalidade, que acompanha o rearranjo fo capitalismo global. Nela, se privilegia, como nunca antes, o individualismo, a aparência, o prazer instantâneo etc., em detrimento do coletivo, da permanência, da duração. A superficialidade de grande parte da arte nesse período, por exemplo, é uma ilustração dessa mudança (basta ver as músicas mais executadas, ou os filmes mais assistidos, e comparar, por exemplo, com os anos 1970).

Não que tudo o que ocorreu naquela década se explique por esses fatores. Isso seria cair na perigosa armadilha do determinismo que, querendo explicar tudo a partir de um único fator, acaba não explicando nada. Mas, em linhas gerais, as observações acima ajudam a delimitar minimamente o cenário.

Cena do filme Curtindo a vida adoidado
No entanto, para quem, de algum modo, viveu aquele período, recebeu suas influências e carrega, ainda que inconscientemente, suas marcas, as coisas são ainda mais complexas, pois atravessadas por sentimentos e lembranças. Não é preciso apelar à psicanálise para saber o quanto as experiências da primeira infância são decisivas para os rumos que nossa vida tomará. Basta um autoexame sincero para constatá-lo.

Por exemplo: a aludida “superficialidade” da arte – pelo menos, da indústria cultural. Curtindo a vida adoidado, De volta para o futuro ou Clube dos cinco, são filmes paradigmáticos do espírito dos anos 1980. Por trás do entretenimento, acredito que o sucesso dessas películas é inseparável da percepção de uma juventude em conflito, num momento de transição de valores, cada vez mais ensimesmada em sua vida particular, instigada a fugir da realidade, posto que o presente apontava para um futuro repleto de incertezas (diferente do que ocorrera com a geração anterior). De algum modo, portanto, esses filmes são (também) ilustrações, provavelmente sem o desejarem, de uma ideologia em gestação. Mas, experimente dizer isso para quem assistia esses filmes nas Sessões da tarde ou nos Cinema em casa da vida...

Aliás, ainda nesse âmbito artístico, citei mais acima a música como uma via de entrada para nostalgia, porque é especialmente através dela que eu me volto para aquele período. Claro que programas de TV, personagens, ou brinquedos e objetos em geral, têm esse poder de remissão. Muitas das coisas do vídeo abaixo me conduzem diretamente a 1989, 1990... Mas, o caso da música é diferente.

O grupo A-ha, no clipe de "You are the one"
Desde quando comecei a definir meu gosto musical (já na segunda metade dos 90), sempre tive a impressão de que certas canções ou artistas me transportavam para meus primeiros anos de vida, como na experiência da madeleine do personagem principal do romance de Marcel Proust, No caminho de Swann. Claro que isso se dava porque muitas delas eram realmente daquela época – o rock nacional, depois o hard rock/glam metal e o pop –, e exprimiam, a seu modo, o “espírito” dos 80. Mas não era – e não é – só isso. Na verdade, sinto como se as tivesse ouvido em algum momento – no rádio, na TV – e as registrado vagamente em minha memória. Assim, cada nova audição parece como uma tentativa de recuperar a experiência original. Primeira vez que, em alguns casos, houve mesmo, sobretudo ligadas a artistas voltados para o público infantil (Xuxa, Mara Maravilha, Balão Mágico etc.), mas que, em outros, já não é tão certo, pois meus pais não eram fãs de música internacional, embora tivéssemos alguns LPs e K7s em casa.

Um exemplo que me vem de pronto à mente: “You are the one”, do A-Ha. A primeira vez que ouvi essa música, digamos, conscientemente, me senti lidando com uma velha conhecida. Provavelmente já era mesmo, posto que ela fez bastante sucesso, e a banda tocava muito por aqui. Mas, até hoje, tenho a sensação de que a escutei inicialmente em um bom momento da infância – talvez brincando, ou no colo da minha mãe. Outras tantas músicas, principalmente de hard rock, têm o mesmo efeito, ainda que, possivelmente, não as tenha escutado quando criança. Vai entender...

Silvio Santos e os jurados do "Show de calouros"
Outro caso curioso ocorreu há alguns anos, quando estava morando em Paris. Logo nos primeiros dias, no metrô, alguém entrou no vagão para tocar violino em troca de alguns trocados. Logo nos primeiros acordes, comecei a cantarolar junto, bem baixinho o que ouvia. Tratava-se de uma canção folclórica russa (dado que descobri depois), que ainda ouviria outras tantas vezes, sempre na mesma situação. Para mim, porém, ela representava outra coisa: era a música de abertura do Show de calouros, famoso programa comandado por Silvio Santos e que, claro, assistia quando criança. Durante a execução, viajei para minha antiga casa, sem sair do lugar. Desnecessário dizer que, naquele dia, fui ao Youtube (um privilégio de nossa época!) para rever aquela abertura...

Exemplos assim poderiam ser multiplicados. Mas, mas como a lida cotidiana não perdoa, e esse texto já ficou maior do que eu imaginava, é hora de voltar a 2016. Em outro momento, quem sabe, uma nova divagação desse tipo possa surgir. Afinal, desde que não sejamos tomados por ela, um pouco de nostalgia pode ser um verdadeiro elixir para a alma! 

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Trocam-se os burros...

A tardia chegada de Tite ao comando da seleção brasileira equaciona minimamente uma enorme injustiça cometida em 2014. Minimamente porque, antes de qualquer coisa, o ex-treinador corintiano terá a inglória tarefa de tentar recuperar os dois anos perdidos sob o “comando” de Dunga (como se já não bastassem as sequelas deixadas pelo desastre Felipão).

Em que pese esse passivo, contudo, não tenho muitas dúvidas de que, com Tite, o Brasil deverá se classificar sem maiores sustos para o mundial da Rússia em 2018. Ainda que, vale desde já registrar, com um futebol que provavelmente decepcionará quem, como eu, acha que a seleção, enquanto patrimônio cultural de nosso país, deveria sempre ter como meta jogar um futebol vistoso – e não se preocupar com o resultado, pura e simplesmente. Mas, reconheço: na atual situação, essa discussão fica em segundo plano.

Nesse sentido, aliás, também é sempre de bom tom frisar o mais importante: conquanto a correta troca de Dunga por Tite deva resolver as questões de campo da seleção, no cômputo geral, ela representa apenas a troca dos burros. A carroça CBF, atolada em seu mar de corrupção e incompetência, permanece a mesma. E é nela que estão guardados os maiores problemas do futebol brasileiro.