segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Bento Prado Júnior, 80 anos

Se estivesse entre nós, o filósofo brasileiro Bento Prado Júnior completaria 80 anos nesse 21 de agosto. Tive a honra e o prazer de poder absorver um mínimo da riqueza filosófica e humana de Bento, ainda que por pouco tempo, como aluno e como orientando. Bento era um mestre, de generosidade intelectual ímpar, e um filósofo no sentido estrito da palavra. Alguém cuja vida inteira foi devotada à reflexão. E, para ele, a reflexão tinha um sentido não apenas epistemológico, mas existencial. Logo, não se confundia com a tecnicidade acadêmica, ao “trash império do paper”, à especialização e seu consequente empobrecimento que marcam o trabalho filosófico e científico contemporâneo.

Nesse sentido, no vídeo que reproduz abaixo, uma de suas últimas apresentações públicas, Bento ilumina o papel da filosofia neste início de século, marcado pelo triunfo do capitalismo global – “dar luz à razão” em uma era regressiva em termos econômicos, políticos e culturais. Voltando-se contra aquilo que ele chama de “uma consciência alienada, que nega os conflitos que, no entanto, se aprofundam” – ou seja, o caráter nefastamente ideológico do assim chamado “fim da história” – Bento exprime aí aquele que, no fundo, é seu projeto de vida: fazer da filosofia uma forma de consciência atenta à vida real, isto é, a vida dos conflitos, das contradições, mas também da experiência estética, do gozo, do desejo, da liberdade...

Mas, essa filosofia atenta ao “concreto”, para usar um termo sartriano que Bento certamente aprovaria, infelizmente não é, via de regra, a filosofia profissional praticada na universidade. “Hoje há professores de filosofia, há técnicos em problemas filosóficos. Não há propriamente filósofos”, diz Bento, ao final do vídeo, já durante as respostas aos felizardos participantes dessa conferência. Isso porque, segundo o pensador, a tecnização do pensamento filosófico, fruto da cultura da era da globalização, sufoca o espaço desse tipo reflexão.

“A filosofia se aproxima mais de um bate papo do que do cálculo”. Bento lutou até o fim da vida por e para este ensinamento. E, em uma era em que cada vez mais a qualidade filosófica de um autor se mede em termos quantitativos, pelo número de publicações em seu Lattes, ouvir isso daquele que foi o maior dos filósofos brasileiros, soa, ao mesmo tempo, e de modo paradoxal, nostalgicamente anacrônico e docemente alentador.

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Ou se destrói o nazismo ou ele nos destrói

Na linha do que expliquei no post anterior, esta atualização estava completamente fora do previsto. Mas, em algumas situações, o silêncio é indicativo de cumplicidade. Há momentos em que não se pode tergiversar.

A marcha nazista ocorrida no último sábado, na cidade de Charlottesville, no estado da Virgínia, nos EUA, é digna de toda a condenação. Não se trata de um ato de liberdade de expressão. Não há liberdade de expressão quando se exprime um pensamento de ódio que visa eliminar outras pessoas.

Isso, aliás, é o óbvio ululante. Ou deveria ser. Mas, num país como o Brasil, em que se discute se o nazismo era de esquerda ou de direita, às vezes é preciso realçar as obviedades de algumas situações. E, tão evidente quanto isso, é que não há diálogo possível com a extrema-direita. Não há diálogo possível quando um grupo de pessoas se vê no direito de atacar as outras por uma auto-declarada supremacia que, como qualquer um sabe, não encontra qualquer respaldo na realidade.

Sartre, filósofo que se notabilizou, dentre outras coisas, pela defesa da violência revolucionária (que nada tem a ver com exercícios gratuitos de violência dos quais nosso cotidiano está tristemente repleto), fazia questão de ressaltar a impossibilidade de circulação e troca das ideias racistas, devido à sua irracionalidade operante. Ou seja, não se trata de um problema de convencimento. Aquilo que é irracional está, por definição, apartado da possibilidade de diálogo, que pressupõe, sempre, um mínimo acordo racional.

Digo isso porque essa impossibilidade precisa ser recuperada neste momento em que não apenas nos EUA, mas no mundo todo – e o Brasil tem sido um locus privilegiado deste recrudescimento –, ideologias neo-nazistas ou neo-fascistas encaminham-se para retomar posições definitivas no cenário político global, apenas sete décadas após os horrores da Segunda Guerra.

Com efeito, recuperar aquela impossibilidade significa não sofismar. Significa dizer em alto e bom som do que se tratam aquelas ideologias. Significa entender que ou se destrói o ovo de serpente do nazismo ou ele choca e nos destrói. Porque, vale insistir, não se dialoga com esse tipo de “gente”. Apenas se combate com todas as armas, até a sua eliminação.

Esclarecimento sobre o blog

Quem acompanha o blog, percebeu que, nos últimos meses, a constância das atualizações foi bastante reduzida. Depois de sete anos ininterruptos, confesso padecer de certa fadiga em alimentar a página com conteúdo de alguma relevância (pretensão minha nem sempre satisfeita, eu sei, mas que segue sendo meu horizonte aqui). Ademais, algumas questões pessoais e compromissos profissionais acabaram fazendo com que meu tempo e disposição para o blog ficassem mais exíguos.

Isso não significa que o blog vai deixar de ser atualizado. Apenas que, no próximo período, como já tem ocorrido, aliás, as novidades devem ser menos frequentes, e desobedecer à constância que, de alguma forma, vinha tentando manter nos últimos anos. Acho que esta explicação era necessária a todos que têm acompanhado essa página. Isso posto, aliás, passo, na sequência, a uma triste atualização, mas que me parece indispensável.