quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Sociabilidade, ódio e fascismo

Um dos inúmeros problemas de nossa sociedade, cujo eixo único se restringe cada vez mais a reproduzir capital e hierarquizar os indivíduos para este fim, é nos constranger de tal modo a mecanismos cegos de sociabilidade, que qualquer possibilidade de construção de um sentido humano para nossa existência torna-se praticamente impossível. Não é casual que a depressão sejas o “mal do século”. Ou que, cada vez mais, as pessoas sintam-se em um estado de insatisfação permanente. De fato, talvez nunca a questão “qual o sentido de uma vida baseada em trabalhar para sobreviver” seja mais patente do que numa era em que é claramente possível realizar outros modos de vida.

Uma das consequências mais devastadoras de nossa forma de sociabilidade, que nos aliena da possibilidade de uma humanização efetiva, “na qual o mundo das coisas se valoriza em proporção direta à desvalorização do mundo humano”, é permitir aflorar formas distintas e recorrentes de niilismo e de ódio – a tentativa de eliminar completamente a existência do outro – como “respostas” de um indivíduo cuja ipseidade (o ser si-mesmo e dar um sentido à própria vida) é mutilada, e se enxerga impotente diante do vazio de sua existência, estranho a si e aos outros.

Se essa explicação tem alguma validade, ela pode ajudar a entender um pouco a expressão política mais extrema desse cenário de negação do outro, a saber, o fascismo contemporâneo, cujo recrudescimento, não casualmente, se atrela ao movimento histórico de aprofundamento da reprodução capitalista e da alienação que a acompanha, no período chamado “neoliberal”. 

As recentes manifestações de intolerância que pululam em todo o país, nesse sentido, talvez nada mais sejam do que o sintoma de um mal-estar generalizado, cujas raízes não dizem respeito apenas a escolhas e processos individuais, mas se assenta no modo de vida exigido pela formação social contemporânea. Se for assim, toda forma de resistência e luta passa necessariamente pela consciência de sua amplitude. Ou seja, não há como vencer o ódio e o fascismo enquanto sua forma política sem eliminar as bases que semeiam sua reprodução.