Cenários diametralmente opostos caracterizam a situação atual na América do Sul, na Europa e nos Estados Unidos.
O Velho Continente vê-se ainda chocado com o massacre provocado pelo terrorista norueguês de extrema-direita Anders Behring Breivik. Longe de ser uma situação isolada, simples fruto de uma mente doentia, os ataques na verdade expressam, da maneira mais dramática possível, a onda conservadora, xenófoba e racista que assola a região, resultado, sobretudo, do fracasso das políticas de caráter neoliberal adotadas em larga escala na Zona do Euro, responsáveis pelo desemprego em massa, pela ampliação dos níveis de desigualdade e pela extinção de direitos sociais conquistados ao longo de décadas de luta.
O quadro é preocupante: na Itália, por exemplo, um senador da Liga do Norte, partido da extrema-direita italiana que compõe o governo Berlusconi, afirmou que, “fora a violência”, Breivik tem alguns ideias “boas” e outras “ótimas”. Conquanto tenha sido o único, até aqui, a externar sua opinião publicamente, não se trata, certamente, uma voz dissonante. Na França, cujas eleições presidenciais estão agendadas para 2012, recentes pesquisas de opinião apontaram que, pela primeira vez, a maioria dos franceses aceitaria de bom grado a vitória de um candidato ultra-nacionalista. Na Espanha, a direita volta a se fortalecer, depois do fracasso do plano de ajustes do governo “socialista” de Zapatero (embora, lá, a juventude se mobilize fortemente em direção contrária, e tensione o cenário político local). Na Alemanha, a conservadora Angela Merkel tornou-se a principal líder da União Europeia. É ela quem coordena as operações de “ajuda” aos países endividados, como Irlanda e Grécia, sempre exigindo como contrapartida a aplicação de rigorosos programas de ajustes fiscais (isto é, mais corte nos gastos públicos). Mesmo um país com altíssima qualidade de vida, como a Finlândia, não saiu ilesa da crise. Resultado? Votação recorde da extrema-direita nas eleições de abril deste ano. Os exemplos, infelizmente, poderiam se estender a quase todo o continente.
Nos EUA, a situação não é muito diferente. A economia norte-americana, fundamentada no militarismo, também se encontra à beira de um colapso. Pela primeira vez na história, o país correu o risco real de decretar calote em sua dívida, já acima da casa de inacreditáveis US$ 14 trilhões, graças, principalmente, à política belicista de George Bush, que Obama infelizmente não reverteu. Por isso, o presidente democrata encontra-se à mercê dos Republicanos, atualmente liderados pelos ultra-conservadores membros do movimento Tea Party que, como defensores radicais do capitalismo neoliberal, propuseram um acordo para salvar os EUA da falência centrado num já conhecido receituário de defesa do estado mínimo: obriga o governo Obama a eliminar praticamente todos os gastos sociais e ajudar financeiramente (com corte de impostos) os ricos! Para se ter uma ideia: as despesas do governo americano estão limitadas ao mesmo patamar daquelas praticadas pelo governo Eisenhower, nos anos 50. Seria como se, no Brasil, a Dilma fosse obrigada a investir o mesmo montante de dinheiro que Juscelino Kubitschek!
As equações não são casuais: adoção de políticas neoliberais ortodoxas, destruição das bases sociais do velho estado de Bem-Estar, igual à crise europeia. Políticas neoliberais ortodoxas, gastos recordes com um militarismo desenfreado, igual à crise norte-americana. Somadas essas equações, o saldo é alarmante (mas não inédito): crescimento nítido da direita e da extrema-direita nos dois maiores polos de sustentação do capitalismo global.
Na América do Sul, porém, o contraste é evidente. A vitória de Dilma Rousseff, em 2010, somada à de Ollanta Humala, no Peru, neste ano, são sinais de que uma nova década progressista, de consolidação de políticas pós-neoliberais, se abre no continente. Como característica em comum, esses governos – cada qual ao seu modo, com seus limites, enfrentando os obstáculos e as contradições particulares a cada país – têm constituído um processo de radicalização democrática, imprimindo às suas democracias um acentuado caráter social. Nesse sentido, são extremamente saudáveis as notícias de consolidação da Unasul (União das nações sul-americanas), como mais um mecanismo de integração, cooperação e fortalecimento econômico continental, sobretudo diante das investidas do capital especulativo mundial e desse momento de aguda crise externa, e que vem se somar às experiências do Mercosul e da Alba, que também avançam e criam uma dinâmica política e uma perspectiva sócio-econômica diferente para nosso continente. No caso brasileiro específico, temos – apesar de tudo o que é propagado – um bom panorama. Além da política externa, concentro-me em outros dois temas, que considero fundamentais.
A meu ver, o governo Dilma deve ser analisado, prioritariamente, a partir de seu eixo de ação principal: o combate à miséria. E, nesse campo, temos boas notícias. Medidas importantes, como a implementação dos programas “Brasil sem miséria” e “Água para todos”, somam-se positivamente à continuidade das políticas sociais macro-econômicas (crescimento sustentado com fortalecimento do mercado interno, valorização do salário mínimo e distribuição de renda) e de investimentos em infra-estrutura oriundas do governo Lula. Aqui, ainda, temos outra notícia que me parece importante: em agosto, um seminário, organizado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, discutirá, na presença da presidenta, a reconfiguração da estrutura de classes no Brasil, com especial atenção às camadas emergentes da “nova classe média” que se consolidaram graças às políticas sociais do governo petista. A ideia básica do seminário, e que demonstra a importância conferida ao combate à miséria e à desigualdade social no governo Dilma, é, nas palavras do ministro Moreira Franco, “entender o protagonismo da nova classe média no quadro social brasileiro, (...) conhecê-la, saber quais são seus sonhos e aspirações, para pensar em políticas que possam impedir que esse ativo do país retorne à situação anterior”.
Outro aspecto importante é a mobilização, dentro e fora do governo, em torno da educação, concentrada nas discussões sobre o novo PNE. Neste tema, a bandeira de 10% do PIB para a educação, factíveis a partir da utilização dos recursos do Pré-sal, combinados ao PL 8039, que cria a Lei de Responsabilidade Educacional, podem fazer o Brasil marchar decisivamente na resolução de seus históricos problemas nessa área. Um primeiro passo foi dado neste ano, com a declaração de constitucionalidade, por parte do STF, do Piso Nacional do Magistério, fundamental para a valorização da carreira docente, historicamente menosprezada no país.
Além disso, o combate à corrupção, bandeira da qual a direita brasileira tentou se apropriar, dá passos importantes no governo Dilma, como se viu, recentemente, por exemplo, com a exoneração de todos os suspeitos de desvios de recursos no Ministério dos Transportes, independentemente de sigla partidária.
Naturalmente, nem tudo são flores. Além do natural descontentamento de alguns setores, cujas reivindicações específicas não foram atendidas até aqui, o fato é que, em termos gerais, há problemas importantes em alguns domínios estratégicos que precisam ser enfrentados o quanto antes. A cultura, por exemplo, uma das áreas mais bem avaliadas na gestão anterior, sofreu, inexplicavelmente, uma descontinuidade regressiva nas mãos da ministra Ana de Hollanda. O debate sobre a democratização dos meios de comunicação não progride. Já as discussões – e as propostas apresentadas até aqui –, inclusive no Congresso, acerca das reformas tributária e política, também se mostram, no mínimo, insuficientes, o que é extremamente preocupante, uma vez que ambas são indispensáveis para o fortalecimento e a continuidade de nosso processo de radicalização democrática. Nesses pontos, me parece, é necessária uma mobilização intensa de todos os setores da sociedade civil (movimentos sociais, partidos, entidades de classe etc.) comprometidos com o projeto em curso no país.
No entanto, mesmo com esses percalços, e ainda que as mudanças estruturais se dêem em ritmo mais lento do que gostaríamos e sonhamos, o Brasil avança, no compasso progressista da América do Sul. Enquanto o centro hegemônico do capitalismo vacila de uma crise a outra, a “periferia” sul-americana, mesmo com todas as dificuldades, lança ao mundo sinais de esperança.
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