Baruch de Espinosa é um dos mais
importantes e instigantes pensadores de todos os tempos. A ponto de Henri
Bergson, importante filósofo do século XX, declarar que “todo filósofo tem duas
filosofias: a sua própria e a de Espinosa”.
Sua filosofia visava combater
toda forma de superstição (aí incluso aquelas de caráter religioso) e servidão
dos homens a seres e poderes irracionais ou ocultos, por meio de um
racionalismo absoluto. Confiante nos poderes libertadores da Razão, Espinosa vê
em seu bom uso o caminho para a aquisição de ideias adequadas sobre nós mesmos
e o universo. Não por acaso, portanto, um dos pontos-chave da filosofia
espinosana é seu conceito de Deus.
Na Ética, seu principal livro, Espinosa constrói geometricamente a
gênese da ideia adequada de Deus. O ponto de partida espinosano é o conceito,
caro à filosofia moderna, de substância.
Substância é aquilo que existe em si e por si mesmo, e sem o qual nada que
existe pode ser concebido. Se é assim, se toda substância só o é na medida em
que é causa de si mesma, diz Espinosa, só pode haver uma substância no
universo. Tal substância, ao causar-se a si mesma, causa a essência e a
existência de todos os demais seres. A substância é, pois, o Absoluto. Esse
Absoluto é o próprio Deus. Mas, da própria assimilação de Deus à substância uma
que é causa de tudo o que há, não se pode pensar a entidade divina como um ser
situado em outro local (portanto, transcendente, conforme acreditam as
religiões como o cristianismo, o judaísmo ou o islamismo) mas de um ser imanente ao próprio universo. Quer
dizer, Deus é o próprio universo, sua
causa imanente, a substância absoluta que – forçosamente infinita (se fosse
finita, teríamos de admitir a existência de uma outra substância que a
limitasse), se exprime de infinitos modos. Deus
sive Natura, Deus ou Natureza: não há distinção entre ambos, mas a própria
Natureza é Deus na medida em que é a
expressão (também temporalmente infinita) de Seus infinitos atributos. Por
conseguinte, não há relação de servidão entre o homem e Deus, pois não há criação, no sentido teológico do termo. Cada um de nós é
resultado do processo de auto-produção de Deus: exprimimos seu Ser e Ele existe
através de nós.
Deste modo, a
Ética derruba os pilares de todo o
construto teológico-metafísico baseado na ideia da transcendência de Deus ao
mundo, ou seja, erguido sobre a imagem de um ser supremo, apartado do mundo,
que o criou a partir do nada, e que o conduziria de acordo com princípios
incognoscíveis para nossa razão. Para Espinosa, Deus é a força imanente ao
mundo e este é Sua expressão.
Naturalmente, a concepção
espinosana é polêmica. Não por acaso, foi imediatamente condenada pela Igreja,
que via nela uma ameaça a seu poder, baseado no monopólio da mediação entre o
homem e Deus. Contudo, a meu ver, sua força e sua beleza residem justamente em
seu poder de revelar, de modo visceral, a ligação imanente do finito ao
infinito, o parentesco profundo que compartilhamos com a totalidade do
universo, de modo que nenhuma religião, nem nenhuma filosofia posterior, seria
capaz de exprimir. Melhor ainda: sem recorrer a qualquer forma de magia ou
superstição, sem nos submeter servilmente a qualquer poder externo coercitivo,
mas apenas seguindo os preceitos libertadores da Razão.