domingo, 30 de março de 2014

50 anos do golpe militar: lembrar para não repetir

Neste 31 de março de 2014 se completam 50 anos do golpe militar que mudou – para muito pior – a história do Brasil. Muito pior, não apenas porque depôs um governo popular e legítimo de maneira arbitrária e violenta, mas porque representou um retrocesso em todos os níveis da vida social brasileira. Da violação sistemática das liberdades individuais básicas, inclusive com torturas e assassinatos de opositores, à permanente ampliação das desigualdades sociais, econômicas e regionais, passando por danos até hoje não superados em áreas como a educação, a cultura, a política e a segurança pública, a ditadura militar que perdurou de 1964 a 1985 é, sem dúvida, um dos capítulos mais trágicos de nossa história. Capítulo cujo alto preço, insisto, pagamos até hoje.

Por isso, este blog se soma às milhares de iniciativas que pedem a apuração completa de tudo o que ocorreu nestes 21 longos e trágicos anos.


Lembrar para não repetir: este é o único caminho.


quarta-feira, 19 de março de 2014

Uma introdução à Fenomenologia de Husserl

A Fenomenologia surgiu no final do século XIX em contraposição ao psicologismo e ao pragmatismo dominantes no período, em plena crise do subjetivismo e do irracionalismo. Nesta época, muitos pensadores julgaram que a psicologia tomaria o lugar da teoria do conhecimento e da lógica. No limite, da própria Filosofia. Para eles, a ciência positiva do psiquismo seria suficiente para explicar as causas das formas de conhecimento e das demonstrações, sem necessidade de investigações filosóficas. Husserl se ergue contra o equívoco dessa abordagem, ao propor um programa filosófico de fundamentação da ciência, isto é, um programa sem o qual a ciência empírica, positiva, perderia sua legitimidade.

A psicologia, diz Husserl, como toda e qualquer ciência, estuda e explica fatos observáveis. Não pode, no entanto, oferecer os fundamentos de tais estudos e explicações. Estes cabem à Filosofia. A psicologia explica, por meio de observações e de relações causais, fatos mentais e comportamentais, isto é, os mecanismos físicos, fisiológicos e psíquicos que originam as sensações, as percepções, as lembranças e pensamentos, ou que nos permitem realizar ações que nos adaptem ao meio em que vivemos. A Filosofia, porém, difere da psicologia, porque investiga o que é o físico, o fisiológico, o psíquico, o comportamental. Na linguagem de Husserl, não explica fatos mentais e de comportamento, mas descreve as essências da vida física e psíquica, que serviriam de base para a constituição das ciências particulares.

O ponto de partida de Husserl é a consciência reflexiva. Não, porém, uma consciência particular, mas o sujeito do conhecimento enquanto estrutura universal do saber, isto é, o Sujeito Transcendental. Segundo o filósofo, o que caracteriza essa consciência é seu poder de significar, doar sentido às coisas, ao mundo, ou seja, àquilo que surge diante dela, os fenômenos e suas essências. Por isso, a filosofia é uma fenomenologia, um método cujo núcleo é desvendar o processo pelo qual a consciência pode doar sentido, intuir a essência de um objeto, conhecê-lo. Para tanto, Husserl utiliza-se do expediente da “redução fenomenológica” (ou épochè), que consiste basicamente em “colocar o mundo entre parênteses”: eliminar todo julgamento a priori sobre o objeto e colocar o mundo circundante fora de circuito, transformando-o de existente em “fenômeno de existência”. Em outras palavras, a redução transforma toda a informação sensível em um fenômeno que é estar consciente de algo. A consciência adquire, com a fenomenologia, um caráter de intencionalidade que se confunde com seu próprio ser. Toda consciência é consciência de algo, na famosa fórmula husserliana.

Em suma, Husserl faz da consciência um ato intencional, isto é, uma forma cuja essência é a intencionalidade, ou o ato de visar as coisas, dando-lhes uma significação. O mundo ou a realidade torna-se o correlato intencional da consciência. Assim, conhecendo a estrutura intencional ou a essência da consciência, se pode conhecer a essência de seu objeto. Porque a realidade é a relação da consciência com o mundo, a verdade só pode ser encontrada neste domínio. A verdade, diz Husserl, é a experiência vivida de si mesma. Em outros termos, é através da intuição de sua evidência, que é o modo originário da intencionalidade, isto é, o momento da consciência em que a própria coisa de que se fala dá-se em carne e osso, em pessoa, à consciência, em que a intuição, nos dizeres de Husserl, se “preenche” diante do ato intencional e intuímos sua verdade.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Parolagem da vida

Uma semana de mudanças se inicia em minha vida. Novo emprego, nova fase, novos passos, novos sonhos. Neste espírito, deixo vocês com um poema, do sempre genial Carlos Drummond de Andrade, sobre os vaivéns de nossa vida.
















Parolagem da vida
Carlos Drummond de Andrade

Como a vida muda.
Como a vida é muda.
Como a vida é nula.
Como a vida é nada.
Como a vida é tudo.
Tudo que se perde
mesmo sem ter ganho.
Como a vida é senha
de outra vida nova
que envelhece antes
de romper o novo.
Como a vida é outra
sempre outra, outra
não a que é vivida.
Como a vida é vida
ainda quando morte
esculpida em vida.
Como a vida é forte
em suas algemas.
Como dói a vida
quando tira a veste
de prata celeste.
Como a vida é isto
misturado àquilo.
Como a vida é bela
sendo uma pantera
de garra quebrada.
Como a vida é louca
estúpida, mouca
e no entanto chama
a torrar-se em chama.
Como a vida chora
de saber que é vida
e nunca nunca nunca
leva a sério o homem,
esse lobisomem.
Como a vida ri
a cada manhã
de seu próprio absurdo
e a cada momento
dá de novo a todos
uma prenda estranha.
Como a vida joga
de paz e de guerra
povoando a terra
de leis e fantasmas.
Como a vida toca
seu gasto realejo
fazendo da valsa
um puro Vivaldi.
Como a vida vale
mais que a própria vida
sempre renascida
em flor e formiga
em seixo rolado
peito desolado
coração amante.
E como se salva
a uma só palavra
escrita no sangue
desde o nascimento:
amor, vidamor!