A Fenomenologia surgiu no final do século XIX em
contraposição ao psicologismo e ao pragmatismo dominantes no período, em plena
crise do subjetivismo e do irracionalismo. Nesta época, muitos pensadores
julgaram que a psicologia tomaria o lugar da teoria do conhecimento e da lógica.
No limite, da própria Filosofia. Para eles, a ciência positiva do psiquismo
seria suficiente para explicar as causas das formas de conhecimento e das
demonstrações, sem necessidade de investigações filosóficas. Husserl se ergue contra
o equívoco dessa abordagem, ao propor um programa filosófico de fundamentação
da ciência, isto é, um programa sem o qual a ciência empírica, positiva,
perderia sua legitimidade.
A
psicologia, diz Husserl, como toda e qualquer ciência, estuda e explica fatos observáveis. Não pode, no
entanto, oferecer os fundamentos de tais estudos e explicações. Estes cabem à Filosofia.
A psicologia explica, por meio de observações e de relações causais, fatos
mentais e comportamentais, isto é, os mecanismos físicos, fisiológicos e
psíquicos que originam as sensações, as percepções, as lembranças e pensamentos,
ou que nos permitem realizar ações que nos adaptem ao meio em que vivemos. A
Filosofia, porém, difere da psicologia, porque investiga o que é o físico, o fisiológico, o psíquico, o comportamental. Na
linguagem de Husserl, não explica fatos mentais e de comportamento, mas
descreve as essências da
vida física e psíquica, que serviriam de base para a constituição das ciências
particulares.
O
ponto de partida de Husserl é a consciência reflexiva. Não, porém, uma
consciência particular, mas o sujeito do conhecimento enquanto estrutura
universal do saber, isto é, o Sujeito Transcendental. Segundo o filósofo, o que
caracteriza essa consciência é seu poder de significar,
doar sentido às coisas, ao mundo, ou
seja, àquilo que surge diante dela, os fenômenos
e suas essências. Por isso, a filosofia é uma fenomenologia, um método cujo núcleo é desvendar o
processo pelo qual a consciência pode doar sentido, intuir a essência de um
objeto, conhecê-lo. Para tanto, Husserl utiliza-se do expediente da “redução
fenomenológica” (ou épochè), que consiste basicamente em “colocar o
mundo entre parênteses”: eliminar todo julgamento a priori sobre o
objeto e colocar o mundo circundante fora de circuito, transformando-o de
existente em “fenômeno de existência”. Em outras palavras, a redução transforma
toda a informação sensível em um fenômeno que é estar consciente de algo. A
consciência adquire, com a fenomenologia, um caráter de intencionalidade que se
confunde com seu próprio ser. Toda consciência é consciência de algo, na famosa fórmula husserliana.
Em suma,
Husserl faz da consciência um ato intencional, isto é, uma forma cuja essência
é a intencionalidade, ou o ato de visar as coisas, dando-lhes uma significação.
O mundo ou a realidade torna-se o correlato intencional da consciência. Assim,
conhecendo a estrutura intencional ou a essência da consciência, se pode
conhecer a essência de seu objeto. Porque a realidade é a relação da consciência
com o mundo, a verdade só pode ser encontrada neste domínio. A verdade, diz
Husserl, é a experiência vivida de si mesma. Em outros termos, é através da intuição de sua evidência, que é o modo
originário da intencionalidade, isto é, o momento da consciência em que a própria
coisa de que se fala dá-se em carne e osso, em pessoa, à consciência, em
que a intuição, nos dizeres de Husserl, se “preenche” diante do ato intencional
e intuímos sua verdade.
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