Os números que consagraram o
fascista Front national (FN), de
Marine Le Pen, como o partido mais votado na França nas eleições ao Parlamento
europeu realizadas neste domingo (25%, contra 20% da UMP, de centro-direita e
14% do Partido Socialista, de centro-esquerda, que governa o país) são obviamente preocupantes,
conquanto nada surpreendentes para quem tem acompanhado minimamente os últimos
anos da política francesa.
E nem é preciso um grande talento
analítico para desconfiar que essa catástrofe se avizinhava. Por exemplo, neste
mesmo blog, em 2012, em texto publicado logo após a animadora vitória de
François Hollande para presidência da França, escrevi o seguinte: “Vejamos, com
certa expectativa, para onde se encaminhará o novo governo socialista. Pode estar nas mãos de Hollande, seja o recrudescimento de
uma direita ainda mais extremada (que tem se fortalecido na Europa nos últimos
anos), em caso de fracasso, seja, em caso de sucesso, a abertura de um novo
período de fortalecimento da esquerda europeia – o que é bom para todos aqueles
que compartilham do ideal de um mundo mais justo e solidário” (leia o
texto completo aqui).
Menos de um ano depois, durante o
período em que morei na França, e percebendo no cotidiano o descontentamento
crescente com os rumos do governo Hollande, redigi outros dois textos sobre a
crise da esquerda francesa – exemplar da crise que, a bem da verdade, há tempos
atravessa toda a esquerda europeia. Um deles, inclusive, contrastando a
situação daquele continente com os ares progressistas que respiramos na América
do Sul (leia aqui e aqui).
Destaco duas passagens: na
primeira, de fevereiro de 2013, observava que, diante da crise que afetava o
continente, “a receita europeia nada tem de nova: trata-se, afinal, da adoção
ainda mais aprofundada do falido receituário neoliberal, que submete o
interesse coletivo ao interesse privado (no caso, dos bancos, das grandes
corporações etc., únicos a ganhar com a crise). Diante disso, o problema que se
coloca é que o “antídoto” europeu à crise – e que infelizmente, vale insistir,
mesmo o governo socialista francês, eleito sob a égide do changement (mudança) tende a adotar – é justamente o que está na
origem da própria crise: a ausência de controles estatais sobre a circulação do
capital, a financeirização crescente da economia, o aumento astronômico da
liquidez do capital ficíticio das grandes empresas, a subordinação da res pública, isto é, da “coisa pública”
ao setor privado, a dissolução das conquistas sociais etc. Ora, a única solução
plausível no combate à crise é justamente reverter
essa lógica – que, no limite, é a própria lógica do capital em sua fase
contemporânea. Mas, para isso, é preciso um Estado ativo, orientado por
políticas públicas eficazes, direcionadas para o crescimento com distribuição
de renda, para geração de emprego e aumento do poder de compra do salário, para
o fortalecimento do mercado interno nacional e para a garantia de direitos, e
não um poder público vassalo das regras ditadas pelo mercado”.
Poucas semanas mais tarde, em
solução de continuidade, assinalava: “Há poucos dias,
o ex-presidente Lula disse que o problema da Europa era político: a falta de
uma liderança capaz de instituir um novo horizonte para o continente. Hollande
teve o voto para ser essa liderança (ele mesmo assumiu, [em recente] entrevista,
que “todos nos olham com esperança”), mas não tem conseguido. O grande problema
aqui – basta uma olhada nas redes sociais para ver o teor de grande parte dos
comentários acerca da entrevista de Hollande – é que o insucesso do governo
socialista, longe de abrir espaço para uma esquerda mais arrojada, tende a
facilitar o caminho para o fortalecimento da direita e da extrema-direita. Um
quadro desastroso, não apenas para quem foi eleito sob a égide do changement, mas para a própria
perspectiva de superação definitiva da tragédia neoliberal em nível global – o
que passa pelo recrudescimento da esquerda (social-democrata, socialista e
comunista), hoje bastante desacreditada, no continente europeu”.
Passado pouco mais de um ano, a
situação não mudou. Ou melhor, mudou, mas para pior: Hollande se inclina cada
vez mais para a direita – e, naturalmente, aprofunda a crise. Por conseguinte, cede
espaço para que o discurso xenófobo e racista da extrema-direita encontre eco
em setores cada vez mais amplos da população francesa, especialmente entre
jovens e trabalhadores (não por acaso, as camadas mais duramente atingidas pela
persistente crise econômica). A expressiva votação do Front national neste domingo, somada às altas taxas de abstenção, é
sintomática de um descontentamento generalizado dos franceses com a situação
política e econômica do país. Sem saída à esquerda (o partido à esquerda do PS
de Hollande, o Front de gauche, infelizmente
não tem força para se apresentar como alternativa), restam a busca por “atalhos”
ou por soluções simplistas, tais como oferecidas pelos setores
anti-democráticos. Como se vêm, a catástrofe consumada neste último domingo
estava em gestação há algum tempo.
Ora, para além da França (o que,
diga-se, já seria muito), o que preocupa é que essa tendência pode doravante se
espalhar. Mesmo com algumas vitórias da esquerda em países como a Grécia ou
Portugal, parece inegável que, ao contrário do que tem ocorrido na América
Latina, a tendência europeia é de uma propensão cada vez maior para a direita. Isso
fica visível, por exemplo, ao se analisar o quadro geral das eleições deste
ano: no total, foi a centro-direita a grande vencedora deste pleito, elegendo o
maior número de euro-deputados. Além disso, não bastasse o caso francês, outros
partidos de extrema-direita elegeram uma bancada representativa no parlamento
europeu. Pior ainda: partidos declaradamente neonazistas (da Grécia e da
Alemanha) deverão ter representantes no parlamento pela primeira vez (veja o
quadro mais detalhado neste link). Não obstante, pela importância geopolítica da França,
somada à sua maciça votação, pode-se dizer que foi concedido ao Front nationale o poder de liderar, em
nível continental, o recrudescimento do fascismo europeu. Com isso, a
perspectiva de uma superação positiva dos pilares do neoliberalismo – que
depende fortemente dos rumos da economia do Velho Continente – fica
enfraquecida. Ao mesmo tempo, a Europa democrática, aparentemente tão sólida, abre
perigosas fendas diante de um discurso que se dizia ultrapassado, mas que novamente
(como nas décadas de 1920 e 1930) demonstra ser parte integrante do modus operandi capitalista em seus
momentos de crise aguda. As consequências imediatas de todo este cenário ainda
são difíceis de precisar. Mas, a nos fiarmos nos ensinamentos da História,
parece razoável começarmos a nos preocupar.
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