"Uma vida sem pensamento é totalmente
possível, mas ela fracassa em fazer desabrochar sua própria essência – ela não
é apenas sem sentido; ela não é totalmente viva. Homens que não pensam são como
sonâmbulos”.
A frase destacada é da filósofa alemã Hannah
Arendt. Arendt foi uma crítica ácida da modernidade, na medida em que, segundo
seu entendimento, a era atual teria eliminado paulatinamente nossa disposição a
pensar, substituindo-a pela necessidade de produzir, fabricar, trabalhar.
Contudo, dizia a filósofa, pensar é aquilo que expressa nossa intimidade, nossa
individualidade, nossa subjetividade. Logo, indivíduos que não pensam deixam de
ser indivíduos e se tornam uma “massa”, amorfa, sem rosto e sem expressão própria.
Ainda segundo Arendt – e esta era uma de suas preocupações centrais –, é este
fenômeno, a criação das chamadas “sociedades de massa”, típicas da modernidade,
que criaria o solo fértil para a emergência dos fenômenos de totalitarismo
(nazismo, fascismo, stalinismo) que marcaram a política no século XX.
Ora, aceitando a tese arendtiana assinalada no início, pode-se dizer que temos hoje uma série cada vez mais extensa
de “sonâmbulos”. Uma rápida olhada nas redes sociais, por exemplo, revela como,
cada vez mais, as pessoas têm uma incrível dificuldade de pensar.
Não pensar nesta ou naquela direção específica, mas apenas pensar: refletir,
conjecturar, ponderar... Mesmo em assuntos supostamente politizados ou de maior
profundidade – na verdade, ainda mais nestes – esse traço dramático se faz
notar de modo mais nítido: não há exame consciente, reflexão, contestação,
nada. Há apenas reprodução acrítica de “fatos” e ideias que, na maior parte das
vezes, são inverídicos (os primeiros) ou completamente descoladas da realidade
(as últimas) –isso para dizer o mínimo. E ainda, bem entendido, não se trata de defender que a
internet ou as redes criaram este fenômeno. Elas apenas lhe deram uma
vazão inédita.
Diante deste quadro, se solução há para este
problema, ela naturalmente passaria pela formação de
indivíduos críticos, autônomos, isto é, sujeitos dispostos a pensar por si
mesmos. E, claro, para que isso pudesse ser concretizado, a escola e a
universidade (mas não só elas, é verdade) deveriam desempenhar um papel
elementar. Se é assim, no entanto, é forçoso notar que o cenário
atual brasileiro e, consequentemente, as perspectivas para um futuro próximo,
não são nada animadoras. Afinal, temos assistido ataques crescentes e de
diferentes ordens à educação pública e ao bom funcionamento das instituições de
ensino no país. Seja por parte de governos estaduais, que agridem, de diversos
modos, professores que reivindicam legitimamente melhores condições de
trabalho; seja através destes mesmos governos, infelizmente com ressonâncias
cada vez maiores no plano federal (não dá para negar que o slogan “pátria
educadora”, até aqui, é mais uma peça de marketing do que qualquer outra coisa,
dada a política de austeridade adota por Dilma neste segundo mandato), cortando
gastos que afetam a qualidade do ensino público superior e de seus
indispensáveis complementos: a pesquisa e a extensão.
Nesse sentido, vale lembrar o que disse certa vez
um dos maiores pensadores sobre a educação no Brasil, Darcy Ribeiro: a crise de
nossa educação não é crise, mas um projeto. Uma estratégia de nossas elites
para manter a alienação da grande maioria. Infelizmente, sem esquecer alguns
importantes avanços neste quesito ocorridos nos últimos anos (a partir das
ações do governo federal, é bom frisar), parece incontestável a correção da
tese de Darcy e como aquela estratégia ainda tem funcionado bem. Pior: parece
que assim o continuará, ao menos no próximo período, causando danos irreparáveis
naqueles que, sem perceber, estão condenados a desperdiçar suas vidas como os “homens-sonâmbulos”
de Arendt – andando a esmo, sem pensamento.
Parabéns pelo post, me fez refletir.
ResponderExcluirMuito obrigado! É a intenção do material que publico aqui!
ExcluirExcelente texto. É triste que na era da informação o nosso maior problema é o pensamento... É triste pensar que nosso problema (social) é sistêmico e não há algo determinante que possa alterar o ciclo das coisas...
ResponderExcluirObrigado pelo elogio. De fato, parece que continuamos num beco sem saída.
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