quarta-feira, 30 de setembro de 2015

John Lennon - Power to the people

Um recado do mestre, para esses dias estranhos na política... porque não há outra solução!

 

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Vitória da democracia

Há anos, neste blog e em outros espaços, venho batendo na tecla de que o avanço da democracia no Brasil depende forçosamente, dentre outros fatores, do bloqueio da influência do poder econômico na política, em particular nas eleições. Hoje, uma importante vitória foi conseguida nesse sentido: o STF ignorou a atuação patética de Gilmar Mendes na sessão de ontem e proibiu, por 8 votos a 3, as doações empresariais para campanhas eleitorais já a partir do próximo ano. É verdade que o Senado, através da confecção de uma PEC, pode ainda reverter essa decisão. Entretanto, não parece haver clima para tal manobra naquela Casa.

Por isso, vale o registro: neste 17 de setembro de 2015, a democracia brasileira começou a dar um enorme salto de qualidade. E, de mais a mais, em meio ao caos dos acontecimentos dos últimos tempos, essa novidade ainda serve de alento de que dias melhores virão.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Adorno, Horkheimer e a razão instrumental

Na abertura da Dialética do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer questionam: “por que a humanidade, em vez de entrar em um estado verdadeiramente humano, está em uma nova espécie de barbárie?”. De fato, esperava-se que, com a civilização científica e com o triunfo do pensamento esclarecido (Iluminismo), isto é, o pensamento livre dos mitos e superstições, a humanidade entraria em uma idade de ouro, livrando-se da barbárie própria de nossa vida natural. No entanto, nossa situação mostra que os sonhos do iluminismo eram apenas ilusões: atualmente, o pensamento crítico e emancipado encontra-se em regressão, convertido em pensamento único. Este fracasso pode ser lido como o fracasso do projeto moderno de articular a autonomia da razão e a conquista da felicidade, cujo ideal está na base da noção de ciência que emerge após a Renascença. Quais as suas razões?

Segundo os autores, a causa elementar é a ausência da capacidade de julgar e discutir nos cidadãos que vivem na sociedade tecnológica e bem “administrada”. A busca de conhecimento crítico é abandonada e usa-se a razão exclusivamente para criar instrumentos e meios que garantam a conservação da vida. Com efeito, o ideal de felicidade, inscrito nos primeiros sistemas filosófico-científicos da modernidade (Bacon, Descartes), foi transmutado em uma tentativa desesperada de auto-conservação. A modernidade iluminista criou a sociedade de massa e o pensamento massificado ou o pensamento único, “unidimensional”, como diria Hebert Marcuse. Ou seja, fez surgir uma sociedade na qual todos, para garantirem sua conservação, devem pensar de modo normatizado, de acordo com padrões de uma inteligência tecnológica, econômica e pragmática.

Essa uniformização do pensamento – na verdade, sua submissão aos ditames de uma lógica heterônoma, no limite, a reprodução do capital – encontra suas bases teóricas já naqueles primeiros filósofos modernos. Por exemplo, a unidade da razão em Descartes, que exportava o método da evidência matemática para todos os demais campos do saber, como a moral. Único método, único objeto. Essa unidade, porém – a história assim o demonstrou – prejudicaria a articulação necessária entre teoria e prática, entre ciência e a emancipação humana prometida, ao mesmo tempo em que seria a chave do progresso, ideal tão característico do período.

O progresso da razão esclarecida, de fato, criou dialeticamente sua própria antítese: a realização da autonomia da razão resultou no estabelecimento de um modelo único de racionalidade ao qual se subordina todo o conhecimento, e que se põe como requisito do próprio exercício da razão. O resultado é paradoxal: como explicado no ensaio O conceito do Iluminismo, que abre a Dialética do esclarecimento, a razão iluminista, que surge na modernidade com o intuito de emancipar o ser humano dos constrangimentos naturais, das superstições e dos mitos, recaiu em uma nova forma de mitologia.

O núcleo dessa nova mitologia se expressa na confusão entre racionalidade e dominação, típica da prática científica moderna. O indivíduo dominado pelo pensamento mítico, não esclarecido, deparava-se com impedimentos para celebrar o casamento entre entendimento e verdade. Bacon, na aurora de nossa época, havia nomeado estes empecilhos: credulidade, aversão à dúvida, temeridade no responder, vangloriar-se com o saber e ter conhecimentos parciais. A vitória sobre estes impedimentos residiria no saber, isto é, na capacidade racional humana. Ao utilizá-la, o ser humano vence a superstição, desencanta a natureza e a si mesmo, e transforma seu conhecimento em técnica. “Saber é poder”, dizia Bacon.

Nesse sentido, o esclarecimento é justamente o movimento da razão que pretende racionalizar o mundo, tornando-o manipulável pelo ser humano. No mundo mitológico, quando o sacerdote invocava as forças da natureza em benefício do ser humano, por exemplo, ele nada mais pretendia do que reverter o poder dominante destas forças, para que elas não concorressem na destruição do universo humano.  Já no caso da técnica, a supremacia, o poder e a possibilidade de domínio situam-se do lado do homem. “O esclarecimento comporta-se com as coisas como o ditador se comporta com os homens. Este os conhece na medida em que pode manipulá-los. O homem de ciência conhece as coisas na medida em que pode fazê-las”.

Portanto, na época moderna, o progresso do conhecimento é o progresso do domínio – da natureza e dos próprios homens. O Iluminismo, numa palavra, nada mais é do que a passagem do mito à razão esclarecida, à “maioridade”, como diria Kant. Não se trata, porém, de um movimento que não cobra uma pesada contrapartida: “o preço que os homens pagam pelo aumento de seu poder é a alienação daquilo sobre o que exercem o poder”. Nesse sentido, posta a identificação entre conhecimento e dominação, a instrumentação para o domínio recobriu a totalidade do que se entende como o próprio exercício da racionalidade. Uma das principais consequências é que, na sociedade esclarecida, o pensar se transforma em instrumento das ciências positivas. Tudo – inclusive o ser humano – se reduz a uma coisa, manipulável externamente. Com isso, porém, aquilo que era dinâmico e criativo perde sua autonomia e autoconsciência. O pensamento é reificado, transformado em coisa, em algo fixo, passivo e automático.

Por isso, Adorno e Horkheimer dizem que o pensamento esclarecido é um pensamento que não se pensa. É o indivíduo e a ciência que não refletem sobre os fins e as consequências de suas ações: “o esclarecimento pôs de lado a exigência clássica de pensar o pensamento porque ela desviaria do imperativo de comandar a práxis”. Mas, o que seria “pensar o pensamento”? Refletir criticamente sobre as condições do pensar em geral e sobre o conteúdo do que se pensa. A sociedade massificada recusa esta exigência e a classifica como delírio. Por exemplo, os produtos culturais da indústria da comunicação de massa não favorecem a reflexão, mas reproduzem o que é necessário à conservação do status quo. Também, o conhecimento científico não pensa as condições socio-históricas e lógicas de sua produção, bem como seus valores e usos. A meta da ciência praticamente se reduz a criar algo “útil”, economicamente viável. Tampouco o trabalhador assalariado pensa nas reais condições da economia mercantil e se dá conta do mecanismo social da alienação.

Em suma, na sociedade bem administrada, o ser humano não se pensa. A razão instrumental é cega, não se enxerga, não reflete. Por isso, converteu-se, de mecanismo promotor da emancipação, em uma nova – e poderosa – forma de barbárie, que só pode ser combatida dialeticamente pelo trabalho paciente do próprio pensamento. Esta é a tarefa que a teoria crítica se põe.