terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Feliz 2016!

E mais um ano vai chegando ao fim. Ano particularmente difícil para o país e, pessoalmente, com algumas decepções. Até no futebol, o ano do São Paulo foi um desastre! Não obstante, meu 2015 também teve seu lado positivo: mais um ano como professor na Unesp de Franca, mais um ano com a Angelica, um ano passado com saúde e de oportunidade de conhecer um pouco mais do Brasil. No blog, este ano foi o menos produtivo, ao menos em termos quantitativos: as ocupações diárias e a dinâmica inacreditável do noticiário impediram uma atualização mais frequente. Ainda assim, foi mantida uma média razoável de atualizações, e alguns textos, sobretudo de Filosofia, que foram prazerosos de publicar. Ademais, o número de visitantes e de curtidas na página do Filosofia e coisas da vida no Facebook cresceu de modo notório, o que me deixa particularmente honrado.

Enfim, para 2016, espero que todos tenhamos um ano menos atribulado e com importantes realizações – pessoais e coletivas. Como ocorre todo ano, o blog dá uma parada de algumas semanas e, a menos que algo de extraordinário mereça algum registro, voltará a ser atualizado ao final de janeiro.

Muito obrigado a todos os leitores e leitoras deste espaço e um ótimo 2016 para todos nós!

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Aspectos da crítica de Hegel à ética kantiana

Como se sabe, a filosofia hegeliana é fortemente influenciada pelo pensamento kantiano. Entretanto, uma série de divergências separam radicalmente ambos os filósofos. Por exemplo, no que diz respeito ao entendimento da ética. Hegel, é verdade, concorda com Kant em relação à objetividade da lei moral. Para ambos, esta se impõe aos agentes independentemente de seus desejos pessoais. Com efeito, o conteúdo da lei está determinado por princípios racionais e pode ser, consequentemente, apreendido pela razão. Entretanto, para além dessas convergências, há, em Hegel, uma forte crítica ao “formalismo” da ética kantiana, crítica essa reveladora não apenas dos eventuais limites dessa última, como também das linhas de força de seu próprio pensamento.

Kant, lembremos, estabelecia como critério da moralidade de uma ação a possibilidade de sua máxima, “o princípio subjetivo do querer”, isto é, a forma do ato, poder ser universalizada sem contradição, servindo como “lei universal”. Assim, diz Kant, em certos casos, temos apenas que imaginar que a máxima tenha aplicação geral para ver que ela implica contradição – por exemplo, o suicídio. Em outros, porém, podemos imaginar a máxima tendo aplicação geral, mas não podemos desejar, consistentemente, que a tenha – como no caso da falsa promessa.

Destarte, uma máxima que não se mostre apta a reger as ações de todos os agentes que se encontram nas mesmas circunstâncias gerais, ou que não se pode desejar, consistentemente, que tenha aplicação geral, é desqualificada por não poder servir como lei moral, ou seja, por não poder ter a universalidade que constitui a característica formal da lei. Sendo assim, a prova da universalidade é essencialmente negativa: quando aplicada com correção, ela mostra o que não se deve fazer, mas se cala a respeito daquilo que, positivamente, poderíamos fazer.

É a partir dessa leitura que Hegel dirige suas críticas elementares ao sistema ético kantiano. No §135 da Filosofia do Direito, o filósofo assinala que a perspectiva de Kant bloqueia “qualquer doutrina imanente de deveres”, e acrescenta: “Fixar-se na posição puramente moral (como faria Kant), sem fazer a transição para a concepção da vida ética, é reduzir esse ganho (a ênfase kantiana na infinita autonomia da vontade) a um formalismo vazio, e a ciência da moral à pregação do dever pelo dever... Se a definição do dever fica sendo a ausência de contradição, a correspondência formal consigo mesmo (o que não é senão a indeterminidade abstrata estabilizada), não é possível qualquer transição para a especificação de deveres particulares. Tampouco, se um conteúdo particular para a ação entrar em consideração, não há qualquer critério naquele princípio para decidir se se trata ou não de um dever”.

Cumpre esclarecer que a “vida ética”, ou eticidade, ou moralidade objetiva (Sittlichkeit), representa o momento conclusivo do percurso dialético do espírito objetivo que tem como início o direito abstrato e adquire consciência na interioridade subjetiva do ponto de vista moral (Moralität). De fato, a moralidade subjetiva é encarada por Hegel como uma mediação, um momento de passagem para o domínio da externalização objetiva da consciência moral na forma de instituições sociais, leis, governos etc.. Em outros termos, a moralidade, segundo o uso que Hegel faz do termo, é um conceito unilateral, no qual o Espírito não poderia se deter em seu processo de auto-reconhecimento. Por isso, é preciso mostrar que o conceito puramente formal da moralidade é inadequado, bem como tratar a moral formalista kantiana como fixação nesse momento – unilateral – do desenvolvimento dialético da consciência plenamente realizada, isto é, na Moralität.

Mas, a crítica hegeliana não se resume a este primeiro aspecto. Na verdade, segundo o filósofo de Jena, a prova kantiana não seria eficaz nem mesmo quando considerada como puramente negativa. De acordo com Hegel, por si mesma, ela nada pode descartar nada, servindo, ato contínuo, como justificativa para qualquer conduta. “A ausência de propriedade contém em si tão pouca contradição quanto a não existência dessa ou daquela nação, família, etc., ou a morte de toda a raça humana. Mas já foi estabelecido, em outras bases, que a propriedade e a vida humana devem existir e ser respeitadas, pois é de fato uma contradição cometer roubo ou assassinato. Uma contradição deve ser contradição de uma coisa, e de algum conteúdo pressuposto desde o começo como um princípio firme. É apenas a um princípio desse tipo, portanto, que uma ação pode ser relacionada em termos de correspondência ou de contradição”.

Tomemos um exemplo do próprio Kant, presente na Crítica da razão prática, mas cujo espírito se fazia presente já na Fundamentação da metafísica dos costumes: “A máxima ‘quando julgo estar em apuros de dinheiro, vou pedi-lo emprestado e prometo pagá-lo, embora saiba que tal nunca sucederá’ não poderia nunca valer como lei universal da natureza e concordar consigo mesma. Pelo contrário, ela se contradiria necessariamente. Pois a universalidade de uma lei que permitisse, a cada homem, que se julgasse em apuros, prometer o que lhe viesse à ideia com intenção de o não cumprir, tornaria impossível a própria promessa e a finalidade que com ela pudesse ter em vista; ninguém acreditaria em qualquer coisa que lhe prometessem e rir-se-ia apenas de tais declarações como de vãos enganos”;

Kant tem razão ao dizer que, nessas circunstâncias, toda a instituição de fazer e aceitar promessas desapareceria. Contudo, alertados por Hegel, seria legítimo perguntar: “e daí?”. Afinal, disso não parece seguir-se necessariamente que um mundo sem promessas seja forçosamente um mundo moralmente degradado. Na verdade, seguindo o raciocínio hegeliano, Kant demonstraria apenas o fato de não se poder aceitar a instituição de cumprir promessas e rejeitar, ao mesmo tempo, algo que ela necessariamente implica, a saber, que uma pessoa que fez uma promessa tente realmente cumpri-la.

Hegel, nesse sentido, identifica a existência de um pressuposto na argumentação kantiana: o fato de que seria correto cumprir as promessas, ou mesmo que devem existir promessas. Ora, essa conclusão deveria, a confiar no espírito da filosofia de Kant, ser justificada pela prova da universalidade – o que ela não é. Assim, completa Hegel: “A proposição: ‘age como se a máxima de tua ação pudesse ser fixada como um princípio universal’ seria admirável se já tivéssemos princípios de conduta determinados. Dado o conteúdo, então certamente a aplicação do princípio seria um assunto simples. No caso de Kant, entretanto, o próprio princípio não está disponível, e seu critério de não contradição não produz coisa alguma, pois onde nada há, tampouco pode haver contradição”;

Dessa forma, a prova da universalidade, ou da ausência de contradições, teria valor apenas nas circunstâncias em que o agente moral já estivesse comprometido com um princípio moral. Mas, como fixar este princípio prévio – enquanto conceito racional universal – na interioridade absoluta da moralidade subjetiva? Impossível. Logo, o que Hegel sinaliza é que não se pode dar um conteúdo definido à moralidade no nível da pura interioridade. Para fazê-lo, seria preciso superá-la (como aufhebung dialética) em direção à ideia da sociedade organizada (cf. §137), isto é, à “vida ética”, Sittlichkeit, a etapa dialeticamente superior do Espírito objetivo.

Essa discussão, naturalmente, está longe de esgotar o diálogo crítico entre ambos os autores. Há ainda outros elementos que opõem suas concepções – como a relação de afastamento da natureza, pressuposta pela moralidade kantiana e criticada por Hegel na Fenomenologia do espírito – que, em outra oportunidade, poderemos retomar.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Não vai ter golpe!

Diante da aceitação do pedido de impeachment por parte do nefasto e chantagista presidente da Câmara dos Deputados, é preciso tentar esclarecer algumas coisas:

1-) O segundo mandato de Dilma está sendo desastroso? Sim;
2-) Dilma foi eleita com base em um programa e governa com seu oposto? Sim;
3-) Dilma deu uma banana para sua base de apoio, para os movimentos sociais, e para a esquerda em geral, e preferiu governar com/para os de cima? Sim;
4-) As perspectivas econômicas e sociais para os próximos anos, diante da política de corte liberal que patrocina o ajuste fiscal, são ruins? Sim;
5-) Algum desses itens justifica legalmente um processo de impeachment? Não. Simples assim.


Por isso: não vai ter golpe!