
Kant, lembremos, estabelecia como
critério da moralidade de uma ação a possibilidade de sua máxima, “o princípio
subjetivo do querer”, isto é, a forma do ato, poder ser universalizada sem
contradição, servindo como “lei universal”. Assim, diz Kant, em certos casos, temos
apenas que imaginar que a máxima tenha aplicação geral para ver que ela implica
contradição – por exemplo, o suicídio. Em outros, porém, podemos imaginar a
máxima tendo aplicação geral, mas não podemos desejar, consistentemente, que a
tenha – como no caso da falsa promessa.
Destarte, uma máxima que não se mostre apta a reger as
ações de todos os agentes que se encontram nas mesmas circunstâncias gerais, ou
que não se pode desejar, consistentemente, que tenha aplicação geral, é
desqualificada por não poder servir como lei moral, ou seja, por não poder ter
a universalidade que constitui a característica formal da lei. Sendo assim, a prova da universalidade é essencialmente
negativa: quando aplicada com correção, ela mostra o que não se deve fazer, mas
se cala a respeito daquilo que, positivamente, poderíamos fazer.

Cumpre esclarecer que a “vida ética”, ou eticidade, ou
moralidade objetiva (Sittlichkeit), representa
o momento conclusivo do percurso dialético do espírito objetivo que tem como
início o direito abstrato e adquire consciência na interioridade subjetiva do
ponto de vista moral (Moralität). De
fato, a moralidade subjetiva é encarada por Hegel como uma mediação, um momento
de passagem para o domínio da externalização objetiva da consciência moral na
forma de instituições sociais, leis, governos etc.. Em outros termos, a
moralidade, segundo o uso que Hegel faz do termo, é um conceito unilateral, no
qual o Espírito não poderia se deter em seu processo de auto-reconhecimento. Por
isso, é preciso mostrar que o conceito puramente formal da moralidade é
inadequado, bem como tratar a moral formalista kantiana como fixação nesse
momento – unilateral – do desenvolvimento dialético da consciência plenamente
realizada, isto é, na Moralität.
Mas, a crítica hegeliana não se resume a este primeiro
aspecto. Na verdade, segundo o filósofo de Jena, a prova kantiana não seria
eficaz nem mesmo quando considerada como puramente negativa. De acordo com
Hegel, por si mesma, ela nada pode descartar nada, servindo, ato contínuo, como
justificativa para qualquer conduta. “A ausência de propriedade contém em si
tão pouca contradição quanto a não existência dessa ou daquela nação, família,
etc., ou a morte de toda a raça humana. Mas já foi estabelecido, em outras
bases, que a propriedade e a vida humana devem existir e ser respeitadas, pois
é de fato uma contradição cometer roubo ou assassinato. Uma contradição deve
ser contradição de uma coisa, e de algum conteúdo pressuposto desde o começo
como um princípio firme. É apenas a um princípio desse tipo, portanto, que uma
ação pode ser relacionada em termos de correspondência ou de contradição”.

Kant tem razão ao dizer que, nessas circunstâncias, toda a
instituição de fazer e aceitar promessas desapareceria. Contudo, alertados por
Hegel, seria legítimo perguntar: “e daí?”. Afinal, disso não parece seguir-se
necessariamente que um mundo sem promessas seja forçosamente um mundo
moralmente degradado. Na verdade, seguindo o raciocínio hegeliano, Kant
demonstraria apenas o fato de não se poder aceitar a instituição de cumprir
promessas e rejeitar, ao mesmo tempo, algo que ela necessariamente implica, a
saber, que uma pessoa que fez uma promessa tente realmente cumpri-la.
Hegel, nesse sentido, identifica a existência de um
pressuposto na argumentação kantiana: o fato de que seria correto cumprir as
promessas, ou mesmo que devem existir promessas. Ora, essa conclusão deveria, a
confiar no espírito da filosofia de Kant, ser justificada pela prova da
universalidade – o que ela não é. Assim, completa Hegel: “A proposição: ‘age
como se a máxima de tua ação pudesse ser fixada como um princípio universal’
seria admirável se já tivéssemos princípios de conduta determinados. Dado o
conteúdo, então certamente a aplicação do princípio seria um assunto simples.
No caso de Kant, entretanto, o próprio princípio não está disponível, e seu
critério de não contradição não produz coisa alguma, pois onde nada há,
tampouco pode haver contradição”;

Essa discussão, naturalmente, está longe de esgotar o
diálogo crítico entre ambos os autores. Há ainda outros elementos que opõem suas
concepções – como a relação de afastamento da natureza, pressuposta pela
moralidade kantiana e criticada por Hegel na Fenomenologia do espírito – que, em outra oportunidade, poderemos
retomar.
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