
Nesse sentido, um preâmbulo acerca de algumas
daquelas experiências pode ajudar a situar o fio condutor dessa discussão. Desde
a adolescência, ora em maior, ora em menor intensidade, me questiono sobre aquilo que poderia se definir como “a posição humana diante do universo” – ou, para tomar como referência o cabeçalho deste post,
a relação entre finito e infinito. Em certo sentido, poderia dizer que esta é a
questão de fundo das preocupações que me conduzem pela seara filosófica,
inclusive no tratamento de temas sociais ou políticos, como tentarei mostrar
mais adiante.
Tendo, já a partir daquele período, lançado dúvidas
sobre a coerência das explicações religiosas tradicionais – identificando contradições nas hipóteses da criação divina
ex nihilo do mundo, e da observância e
proteção dos seres humanos, por esse mesmo Deus, em sua lida cotidiana – me
encaminhei para leituras relativas ao funcionamento do universo de um ponto de
vista estritamente científico, procurando auxílio para pavimentar algum outro caminho. Por exemplo, já durante minha graduação, em paralelo às leituras
obrigatórias de Ciências Sociais e aquelas que empreendia no sentido de
transitar rumo à Filosofia (mais especificamente, ao existencialismo de
Sartre), estudei com certo afinco os trabalhos de divulgação científica de alguns
autores de mais fácil acesso para um iniciante – Stephen Hawking, Carl Sagan,
Timothy Ferris e Isaac Asimov foram os principais.
Infelizmente, meus parcos
conhecimentos em ciências exatas e naturais me impediam de avançar em demasia
em suas teorias. Ainda assim, essas leituras foram extremamente proveitosas, já
à época (estamos falando de meados dos anos 2000), para consolidar, agora
razoavelmente amparado na ciência, certas intuições acerca do problema que viso
tratar. Em especial, fornecia uma comprovação material da existência de uma
relação intrínseca entre nós e o restante do universo, que me propiciou um
ponto de apoio diferente daquele sugerido pelo cristianismo, por exemplo, para pensar a relação entre o finito e o infinito. Afinal, como
Sagan sublinhava, toda a matéria que nos compõe é, basicamente, fruto da morte de antigas
estrelas – o fenômeno chamado de “supernova”. Somos, literalmente, poeira
estelar que, um dia, poderá servir de fonte para o início de um novo ciclo
cósmico. “Todo novo começo vem do fim de outro começo”, disse, em outro contexto, o filósofo romano
Sêneca. Desde aquele momento, porém, suspeito que essa afirmação seja válida tanto no ciclo existencial, quanto no vital, além do cósmico.

Sendo assim, tratar da relação ser humano/universo
envolve se deparar com uma questão espinhosa para todos nós: a da morte. E, com
ela, ato contínuo, a da vida – e de seu sentido.
Confesso que, embora me dedicando ao estudo de filosofias da existência, o
problema da morte, especialmente, como ela nos coloca de frente com o problema
da vida, estava submerso há alguns anos. Não obstante, em 2013, morando na
França, recebi a notícia da morte de minha avó materna, com quem tinha grande
ligação. Desde então, essas questões voltaram a se fazer mais presentes e,
admito, há tempos tenho tentado escrever algo a respeito. Não porque me vejo
próximo do fim – espero que não! – mas porque, no final das contas, essa é
provavelmente a questão humana por
excelência. Questão profícua, portanto, para alguém que tenta se ocupar com reflexões filosóficas.

Ali, dizia que, para Espinosa,
Deus é “um ser imanente ao próprio
universo. Quer dizer, Deus é o
próprio universo, sua causa imanente, a substância absoluta que – forçosamente
infinita (se fosse finita, teríamos de admitir a existência de uma outra
substância que a limitasse), se exprime de infinitos modos. Deus sive Natura, Deus ou Natureza: não
há distinção entre ambos, mas a própria Natureza é Deus na medida em que é a expressão (também temporalmente
infinita) de Seus infinitos atributos. Por conseguinte, não há relação de
servidão entre o homem e Deus, pois não há criação,
no sentido teológico do termo. Cada um de nós é resultado do processo de
autoprodução de Deus: exprimimos seu Ser e Ele existe através de nós”.
Essa concepção soa perfeitamente articulável com a
perspectiva científica de uma ligação material entre todos os seres mencionada
anteriormente. Em minha opinião, Espinosa, ao propor a tese de uma relação
imanente entre o finito e o infinito, entre o particular e o universal, entre o
ser humano e a totalidade do universo (ou Deus, no vocabulário da Ética), forneceu uma fonte extremamente
fecunda para balizar a discussão filosófica sobre o divino para além das
propostas religiosas tradicionais. Se aceitamos a hipótese de um Deus
transcendente, acolhemos, no mesmo gesto, a ideia de criação, bem como uma
relação servil entre criatura e criador. A hipótese imanentista rompe essa
lógica. Inclusive, permite assimilar algo como o “divino” ao Todo (e não a cada
parte isolada, como em uma hipótese panteísta em sentido estrito, que par muitos é o caso de Espinosa).

Em consonância com este horizonte (aqui
propositalmente esboçado de modo simplificado ao extremo), alguns fatos
cotidianos, típicos do já findo período de férias, me instigaram a finalmente escrever
essas linhas. Por exemplo, alguns filmes e séries que vi (ou revi) ente o final
do ano passado e o início deste ano, e que, em alguma medida, permitem um
diálogo com as preocupações filosóficas supracitadas.
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Star wars |
É verdade que, inspirado no ateísmo militante de Carl Sagan, alguém poderia retrucar dizendo que essa força – “emocionalmente frustrante”, como ele definia – poderia
ser assimilada à gravitação universal. É a gravidade, afinal, que mantém o
universo em funcionamento, definindo a órbita dos corpos celestes, a formatação
das estrelas, a produção dos elementos químicos etc. Com isso,
perderíamos o lado “místico” que, para conservar a analogia, a “Força” de Star Wars carrega (expressa, por
exemplo, na profecia do “escolhido”). Destarte,
tudo se reduziria a uma força física, facilmente explicada em termos
matemáticos? Não sou convicto do acerto dessa posição extrema, conquanto reconheça sua
legitimidade. De qualquer modo, a ideia da existência
de uma “força” que rege o universo, mas que não se confunde com o conceito
típico de Deus e sua necessária transcendência (Substância espinosana? Espírito
hegeliano? Gravitação?) me soa assaz provocante...
No próximo post, tentarei desenrolar um pouco essa
trama em direção à questão da vida e da morte de uma perspectiva mais
“existencial”.
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