17 de abril de 2016 marca, a meu ver, o fim da "Nova
República", iniciada em 1985. Nesse período desde a redemocratização assistimos, dentre outras
coisas, à estratégia hegemônica da esquerda, simbolizada pelo PT, de adentrar
ao sistema político formatado pelo centro liberal (o PMDB) e tentar modificá-lo
por dentro. Inicialmente rejeitado, o partido soube se transformar para “ser
aceito” e promover positivas mudanças gradativas em estruturas historicamente
carcomidas, mas com o compromisso tácito de jamais questionar seriamente as
regras do jogo. Contudo, exatamente por esse
compromisso, o programa de mudanças esbarrava frequentemente em barreiras de
inflexibilidade ímpar. Esses limites podem ser sintetizados na malfadada ideia de “governabilidade”, que, para ser respeitada, afastou setores importantes no âmbito social e ajudou a
enfraquecer e desmoralizar a própria esquerda, através de alianças esdrúxulas
que representaram sacrifícios programáticos importantes nas gestões petistas.
Não obstante essas concessões, neste domingo, em grande
parte pelo trabalho dos outrora “aliados”, se decidiu que o PT – e, com ele,
não nos enganemos, TODA a esquerda brasileira – não são mais aceitos no jogo.
Aproveitou-se um momento de fraqueza do governo petista, depois de anos de
bonança, para se restabelecer o status
quo ante (por isso a ideia de fim da Nova República). Basta ver que os partidos que apoiaram o governo hoje foram
essencialmente os mesmos que apoiaram a eleição de Lula em 2002, para se ter
uma ideia do cenário. Com isso, inaugurou-se uma nova etapa na vida pública
brasileira, cujo desenlace ainda não sabemos qual será. Apenas podemos ter a certeza
de que não deverá ser como antes. Por isso, não importa o que ocorra doravante,
e mesmo se Dilma, por milagre, não for destituída no Senado, a esquerda como um
todo (porque, insisto, toda ela será afetada), tem, a meu ver, um dever
inescapável: reinventar-se e, ao mesmo tempo, reinventar a luta por outro
sistema. Isso não significa abrir mão de disputar eleições, governar cidades,
estados etc. nas regras atuais. Significa, mais do que tudo, romper com a ilusão
de que por essa via exclusiva haveria possibilidade de construir um novo
projeto de nação. De que sacrificar-se por aliados ocasionais para abocanhar
minutos de TV ou votos no Congresso seria mais importante do que pensar um
projeto de médio e longo prazo.
Não é tarefa fácil e tampouco rápida. Pode levar anos, décadas até. Mas, em minha
modesta opinião, já a partir dessa semana, líderes de todos os partidos desse
campo, de Lula a Rui Costa Pimenta, os diversos movimentos sociais organizados,
intelectuais progressistas, cidadãs e cidadãos anônimos que se identificam com
a justiça social, a liberdade e a solidariedade, deveriam começar a construir pontes
e estabelecer um espaço de diálogo franco e imune a sectarismos de toda ordem. Recuperar
e revigorar a discussão teórica, bem como o trabalho de base. Pensar em
projetos, no papel da educação cidadã e da cultura na formação das futuras
gerações. Estabelecer pautas mínimas de ação, criar consensos e aprender a
processar as divergências sem que isso signifique ruptura definitiva. Fazer um
balanço da trajetória da esquerda brasileira até aqui, seus erros e acertos.
Falar e (em particular para o PT) ouvir. Afinal, quando a esquerda cai, as
colorações que separam os diversos grupos são anuladas pelo ódio de quem vê em
todos nós um inimigo comum.
O que vai sair disso? Um novo partido, uma frente
supra-partidária? Não sei. Mas, como disse um poeta, “o caminho se faz ao
caminhar”. Um primeiro passo poderia, por exemplo, ser uma luta unificada por
eleições gerais nesse ano, a partir da qual aquelas diretrizes poderiam começar
a ser postas em prática. De todo modo, no dia de ontem a esquerda viu que urge
construir seu próprio caminho. Ou amargará um longo período de ostracismo e,
pior ainda, de perseguição.
Portanto, à luta, que está no DNA de toda nossa tradição!
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