Um dos inúmeros problemas de nossa
sociedade, cujo eixo único se restringe cada vez mais a reproduzir capital e
hierarquizar os indivíduos para este fim, é nos constranger de tal modo a
mecanismos cegos de sociabilidade, que qualquer possibilidade de construção de
um sentido humano para nossa existência torna-se praticamente impossível. Não é
casual que a depressão sejas o “mal do século”. Ou que, cada vez mais, as
pessoas sintam-se em um estado de insatisfação permanente. De fato, talvez
nunca a questão “qual o sentido de uma vida baseada em trabalhar para
sobreviver” seja mais patente do que numa era em que é claramente
possível realizar outros modos de vida.
Uma
das consequências mais devastadoras de nossa forma de sociabilidade, que nos
aliena da possibilidade de uma humanização efetiva, “na qual o mundo das coisas
se valoriza em proporção direta à desvalorização do mundo humano”,
é permitir aflorar formas distintas e recorrentes de niilismo e de ódio – a tentativa de eliminar
completamente a existência do outro – como “respostas” de um indivíduo cuja
ipseidade (o ser si-mesmo e dar um sentido à própria vida) é mutilada, e se
enxerga impotente diante do vazio de sua existência, estranho a si e aos
outros.
Se
essa explicação tem alguma validade, ela pode ajudar a entender um pouco a
expressão política mais extrema desse cenário de negação do outro, a saber, o fascismo
contemporâneo, cujo recrudescimento, não casualmente, se atrela ao movimento
histórico de aprofundamento da reprodução capitalista e da alienação que a
acompanha, no período chamado “neoliberal”.
As
recentes manifestações de intolerância que pululam em todo o país, nesse
sentido, talvez nada mais sejam do que o sintoma de um mal-estar generalizado,
cujas raízes não dizem respeito apenas a escolhas e processos individuais, mas
se assenta no modo de vida exigido pela formação social contemporânea. Se for
assim, toda forma de resistência e luta passa necessariamente pela consciência
de sua amplitude. Ou seja, não há como vencer o ódio e o fascismo enquanto sua forma política sem eliminar
as bases que semeiam sua reprodução.
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