Todo mundo já experimentou essa sensação: torcemos para que logo cheguem nossas férias, ou um período de descanso prolongado, e entrar naquela rotina da música do Tim Maia (“O que eu quero? Sossego!”), mas, bastam alguns dias em casa, e já não aguentamos mais “ficar sem fazer nada” e vamos atrás de algo que nos ocupe (confesso a vocês que, em parte, foi isso que me fez criar esse blog, durante minhas férias). Mas, pouco tempo depois, lá estamos nós lamentando o fato de não termos descansado o suficiente. Essa busca incessante por algo a fazer, por um objetivo, está relacionada diretamente à nossa incompletude: o homem é um ser incompleto. De uma forma ou de outra, vários filósofos já abordaram esse tema. Perseguimos um fim impossível, nunca nos sentimos plenamente realizados, a existência nada mais sendo, afinal, que esse movimento de busca, que só cessa com a morte. Igualmente, muitos filósofos trataram da dificuldade que temos em conviver com essa lacuna, com essa carência. Ora tentamos preenchê-la, ora buscamos meios de nos esquecermos dela. Vejam Pascal, por exemplo.
Para este filósofo, há uma “infelicidade natural de nossa condição fraca e mortal”. Não suportamos a experiência de ficarmos quietos num canto. É que, quando isso acontece, começamos a pensar em nós mesmos, em nossa situação – o que nos entedia, nos angustia, nos mostra o quão fracos somos. Por isso, criamos formas de evitar esse contato íntimo e acabar com o tédio. Por exemplo, pelas ocupações que nos impomos, ou pelo divertimento. Diz o filósofo: “Sobrecarregamos os homens, desde a infância, com o cuidado de sua honra, de sua riqueza, de seus amigos, e ainda com o cuidado da riqueza e da honra desses amigos. Cansamos os homens com negócios, com o estudo de línguas e exercícios, e fazemos, e fazemos com que sintam não poder ser felizes sem que sua saúde, honra e fortuna, e as de seus amigos, estejam em ordem, e que basta faltar uma dessas coisas para que se tornem infelizes. E lhes impomos encargos e negócios que os atormentam desde que o dia amanhece. Aí está, direis, uma estranha maneira de torna-los felizes! Que haveria de melhor para torna-los infelizes? – Como! Que haveria de melhor? Bastaria tirar-lhes todas essas ocupações; então se veriam a si mesmos, pensariam no que são, de onde vêm e para onde vão. Nunca será demais, assim, ocupa-los, nem jamais os distrairemos muito. E é por isso que, depois de sobrecarregá-los de negócios, caso ainda lhes sobre tempo para o descanso, nós os aconselharemos a empregá-lo em divertimentos e no jogo, e a permanecer, sempre, totalmente ocupados”.
Notem a sagacidade de Pascal. No fundo, isso não se passa conosco também? Não sei se esse blog é fruto de uma tentativa de me afastar da apreensão de minha condição humana. Mas, de qualquer maneira, é fato que inquietamo-nos quando não temos o que fazer, quando não temos metas a cumprir, quando não temos planos. Somos, com efeito, seres sempre lançados para frente, sempre precisamos inventar algo, traçar metas, bolar ocupações e distrações. Mas, diferente da visão pascaliana, vejo nisso um aspecto extremamente positivo: é justamente por estarmos sempre insatisfeitos, que podemos avançar, progredir, criar coisas novas, criar o mundo, bem como nossa própria existência.
Para Pascal, essa insuficiência, que jamais se esgota, porquanto é impossível alterarmos a natureza humana (apenas Deus poderia fazê-lo) acomete a todos. “Faça-se a experiência: deixe-se um rei sozinho refletir com serenidade em si, sem nenhuma satisfação dos sentidos, sem nenhum cuidado no espírito, sem companhia, e ver-se-á que um rei sem divertimento é um homem cheio de miséria”.
De fato, assim como não vivemos sem apontar para o futuro, também não vivemos sem diversão, sem algo que nos entretenha, que nos faça, inclusive, esquecer, ainda que momentaneamente, alguns de nossos problemas (até mesmo aquele que considero o maior de todos para um homem, a saber, conseguir dar sentido à sua própria existência). Pascal, porém, é um pouco mais ácido quanto a este fato: “Esse homem tão abatido com a morte de sua mulher e de seu único filho e sujeito ao tormento de tão grande dor, por que não está triste neste instante, e o vemos tão desprovido de tais pensamentos dolorosos e inquietantes? Não há porque estranhar: acabam de entregar-lhe uma bola e cabe-lhe atirá-la a seu companheiro, e ei-lo a pega-la de modo a marcar um ponto. Como pretendeis que medite sobre seus tormentos quando tão nobre assunto o preocupa”?
Pascal, adepto do jansenismo (uma das tendências do cristianismo de sua época), via na apreensão de nossa miséria o caminho para atingirmos a redenção e a salvação divinas. Boa parte de sua obra é uma apologia da religião cristã. Mas, sem entrar nesse terreno (ou justamente por isso), não creio, ao contrário de Pascal, que essa espécie de fuga seja necessariamente negativa, indigna do homem. Quer dizer, dentro de certos limites, acredito se tratar de uma dimensão necessária de nossa vida. É uma das saídas que temos para suportar o peso de nossa existência, de nossa responsabilidade. Também é preciso se divertir! O problema está, a meu ver, quando esse tipo de “alienação provisória” transforma-se em um estado quase permanente. Enfrentamos esse problema atualmente: o capitalismo tenta transformar a imperiosa necessidade do divertimento – e, por conseguinte, aquilo que nos traz divertimento – em mecanismo de alienação e controle social (vejam, por exemplo, que a maioria dos jogos, dos programas de TV, etc. são voltados às classes mais populares). No fundo, temos uma reedição bem mais sofisticada do velho “pão e circo” romano.
No entanto, este último tópico mereceria uma análise um pouco mais aprofundada. Mas, se me permitem, isso fica para outra oportunidade. Now, it´s time to have some fun! rsrs
Para quem se interessar no tema:
PASCAL, B. Pensamentos (várias edições), sobretudo os seguintes fragmentos (numeração da edição estabelecida por Brunschivicg, que está, por exemplo, na coleção Os pensadores): 135, 139, 140, 142, 143, 146, 164, 171.