O levante de manifestações ocorrido nas últimas semanas no
Brasil, dentre outras coisas, demonstrou um inegável esgotamento de nosso atual modelo
político. A insatisfação, especialmente entre os mais jovens, com a estreiteza de nossa democracia – praticamente
resumida ao voto bianual –, a ausência quase completa de mecanismos de participação
ativa da população nas decisões governamentais, a falta de representatividade
dos partidos políticos, são denominadores comuns que se podem extrair da geleia
que virou a pauta do “movimento” que ocupa as ruas brasileiras. Essa insatisfação mais ou menos generalizada ajuda, inclusive, a explicar como uma pauta da extrema-direita como o
anti-partidarismo (não confundir com apartidarismo ou suprapartidarismo) – condensado
na palavra de ordem tipicamente fascista “o povo unido não precisa de partido”
e na prática autoritária de rasgar bandeiras de partidos, entidades presentes
nas manifestações – pode sequestrar grande parte de um movimento inicialmente
de esquerda, a ponto de o próprio MPL paulista, que deu início a esse conjunto
de protestos, ter declarado que não pretendia convocar novos atos, a fim de não
dar espaço para o avanço de uma pauta conservadora e reacionária. Embora tenha
voltado atrás nessa decisão, o movimento, precavido, agora chama novas
manifestações na periferia de São Paulo e em conjunto com entidades de classe e
de esquerda.
Mas, para além da acusação de que há uma inegável tendência
conservadora de setores médios da população, que frequentemente flertam com o
autoritarismo da direita quando veem seus privilégios ameaçados – tendência que
justificaria por si só esses arroubos fascistas –, o fato é que nossa
democracia entrou numa encruzilhada, a qual é preciso oferecer alguma resposta. Afinal,
depois do abalo provocado por essas semanas de mobilização, parece pouco
provável que tudo continue como está, isto é, que nosso modelo político não
sofra alterações mais ou menos profundas. A questão é saber o teor dessas
mudanças.
Com efeito, diante desse quadro, vejo duas alternativas basilares
despontarem no horizonte: a primeira, trágica, seria a de um colapso de nosso
regime democrático, da República e do Estado de Direito. Desestabiliza-se o
país (propositalmente ampliando, ainda mais, a onda de violência e vandalismo
que tomou conta de vários protestos, com respectiva resposta violenta da polícia, por exemplo), para se criar condições de
um – hoje política e juridicamente insustentável – impeachment de Dilma Rousseff. O próximo passo, já defendido
abertamente por alguns manifestantes, seria conclamar uma “intervenção militar”
para recuperar a “ordem”. Em bom português, um golpe.
Contudo, há outra perspectiva, extremamente positiva, que
pode brotar de todo esse movimento: justamente aquela que possibilitaria uma
arregimentação de forças para a realização de uma ampla reforma política que, na linha do que a presidenta Dilma anunciou
em seu discurso televisivo da última sexta-feira, pudesse ampliar a
participação popular, a transparência do Estado e a democracia. Reforma que,
primeiramente, eliminasse a influência do poder econômico nas decisões
políticas, através do financiamento público exclusivo de campanhas, com total
transparência dos gastos, uma vez que o financiamento privado, tal como ocorre
hoje, é o principal motivador da
corrupção e do desvirtuamento das pautas políticas em nome de interesses
privados. Uma reforma que fortalecesse os partidos, elementos indispensáveis em qualquer democracia, através
do voto em lista, o que lhes permitiria a (re)construção de uma identidade
programática e ideológica maior, além de abrir um diálogo mais franco com os setores
por eles representados. Por fim, uma reforma que criasse amplos espaços de
participação popular, que desse voz ao conjunto da população para além do momento
do voto, que permitisse à sociedade civil organizada se representar ativamente
nos processos decisórios mais importantes, inaugurando uma nova relação entre o
Estado brasileiro e sua população.
Nesse sentido, o caminho mais viável para que essa reforma
pudesse sair do papel, a meu ver – e digo isso há bastante tempo – é a convocação de uma
Constituinte exclusiva sobre o tema, com representantes, eleitos pela
população, que não exercessem cargo público eletivo atualmente, tampouco
tivessem intenção de se candidatar no próximo ano. Assim, sem contar com a
participação dos interessados “diretos”, cujos interesses poderiam influenciar o
resultado final dessa reforma, a Constituinte teria total liberdade de formular
as novas diretrizes de nossa democracia política.
Parece-me razoavelmente claro supor que é essa a alternativa que
está em jogo. Mais do que isso: que esta é o principal fruto que pode sair dessas mobilizações (para além da solução a questões pontuais, como o plano de
mobilidade urbana anunciado pela presidenta Dilma). Pois, mais uma vez, insisto
que me soa pouquíssimo provável que o sistema político brasileiro fique igual
depois do abalo que o atingiu nos últimos dias. Até porque as movimentações, de
um lado e de outro, já começaram. A questão é de ver para que lado nossa
balança política se inclinará. As alternativas postas, toda a esquerda, junto
com a grande parcela da população que é consciente do perigo de uma alternativa
de viés autoritário e anti-democrático, têm uma tarefa histórica diante de si. Por
isso, é preciso lutar, junto com os movimentos que pululam em todo canto do
país, em nome da saída positiva, ou seja, pela radicalização de nossa democracia.
A reforma política, digo mais uma vez, é a resposta.
PS: desnecessário dizer que dou total apoio à proposta da presidenta Dilma, anunciada poucas horas após a redação deste texto, de convocar um plebiscito para aprovar a convocação de uma Constituinte exclusiva para a Reforma política. Já deu para perceber que a direita e a mídia estão contra. Portanto, a todos que querem "mudar o Brasil" positivamente, o recado é claro: é hora de começar a mobilização pela aprovação desse plebiscito!
PS: desnecessário dizer que dou total apoio à proposta da presidenta Dilma, anunciada poucas horas após a redação deste texto, de convocar um plebiscito para aprovar a convocação de uma Constituinte exclusiva para a Reforma política. Já deu para perceber que a direita e a mídia estão contra. Portanto, a todos que querem "mudar o Brasil" positivamente, o recado é claro: é hora de começar a mobilização pela aprovação desse plebiscito!
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