Algumas considerações preliminares, ainda à distância, sobre
os acontecimentos dos últimos dias no Brasil:
Antes de qualquer coisa, sendo a pauta que deu início à
série de manifestações evidentemente progressista,
não há como ser contra o movimento. Além disso, como tem sido sublinhado, os “R$ 0,20”, estopim imediato
do levante em São Paulo, para além da esfera propriamente econômica, colocam em
pauta uma questão das mais importantes atualmente, e com a qual os governos –
municipais, estaduais ou federal – muitas vezes têm dificuldade de lidar: nosso
modelo de transporte público e mobilidade urbana, e todas as suas consequências
no cotidiano da população – especialmente o direito à cidade e à liberdade.
Claro que o fato de ter um caráter progressista não impede
que setores conservadores, diante da proporção tomada pelas manifestações, tentem
usurpar sua pauta. Até mesmo pelo caráter “horizontal”, “sem direção”, “apartidário”
do movimento, que facilita a perda do foco inicial (a mudança de posição da
mídia, de uma semana para cá, demonstra essa tentativa de manobrar, para seus
próprios interesses, as revoltas que tomam conta das ruas brasileiras, apoiada
nessa horizontalidade difusa em que, muitas vezes, cabe qualquer coisa). Estes
elementos têm levado alguns militantes da esquerda, seja por conservadorismo
tácito, seja até mesmo por covardia, a tentar desqualificar o movimento, seja
minimizando-o, seja, por exemplo, questionando: “por que só agora?”. Ao invés
de tentar compreendê-los, veem na indignação dos jovens uma grande orquestração
que ameaçaria o governo e a ordem democrática, isto é, o prenúncio de um golpe.
Como se toda manifestação sem liderança de um partido de esquerda, de uma
central sindical, ou de um movimento de massa consolidado se igualasse à “Marcha
da família com Deus”, que precedeu o golpe militar de 1964.
No entanto, me parece claro que, no campo da esquerda, a
postura deve ser exatamente oposta! Justamente diante do inegável risco de uma
transmutação das pautas do movimento – a meu ver, oriundo diretamente de sua
estrutura “horizontal”, mas isso é discussão para outra oportunidade – é que é preciso
que toda a esquerda entre “de cabeça”
nas manifestações, tal como, por exemplo, conclamou a Juventude do PT paulista.
De fato, é preciso disputar sua linha ideológica, ou melhor, é preciso garantir
que seu caráter claramente positivo não seja desvirtuado. Isso só se faz “por
dentro” do movimento, compreendendo-o, participando, dialogando, ouvindo e
argumentando, e não observando – e frequentemente criticando – tudo à
distância. Acertando ou errando, a esquerda não pode ter medo das ruas, não
pode ter medo de manifestação popular!

Ora, curiosamente, isso ocorre no momento em que o PT busca
forças na sociedade para realizar uma reforma política que vai justamente de
encontro a anseios de possibilitar maior participação social, de ampliar a
democracia, diminuindo a força do dinheiro sobre a vontade popular, e de mudar
positivamente a relação entre o poder público e a sociedade civil. Cabe ao
partido (e seus governos, inclusive o federal), portanto, sair definitivamente
da inércia dos gabinetes, mostrar que é diferente, e chamar a juventude e nossos aliados para
alterar a tão malfada “correlação de forças” na sociedade em nome da ampliação de direitos e de reformas estruturantes
– no transporte, nos serviços públicos, no Estado. Se era preciso apoio popular
para superar os parcos limites da “governabilidade”, a oportunidade apareceu.
Há de se saber aproveitá-la.
PERFEITO
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