Desde que apareceram para o
grande público, na esteira das manifestações de junho, os Black Blocs têm sido alvo de calorosos debates entre seus
defensores e seus opositores. Até aqui, não me atrevi a escrever nada
específico a respeito, por se tratar de um fenômeno novo, do qual não tinha
elementos suficientes para tecer uma análise com um mínimo de embasamento e
justiça. Mas, depois de ler considerações de um lado e de outro, e mesmo
daqueles que não são nem explicitamente contra, nem totalmente a favor, decidi
me arriscar a fazer algumas observações, centradas tão somente em dois eixos – primordiais,
a meu ver – de qualquer ação política: sua ideologia
e a consequente correlação entre tática
e estratégia que ela estabelece.
Comecemos pelo fator ideológico. A
princípio, os Black Blocs são um
grupo anarquista e, portanto, de esquerda, anti-capitalistas. Mas,
dentre seus adeptos, há aqueles que se consideram anarco-capitalistas. Ainda que esteja longe de ser uma amostra científica, uma rápida
olhada por perfis e postagens nas redes sociais é suficiente para ver que muitos
Black Blocs são contra o Estado, não
porque enxergam na dissolução do poder estatal o meio de dissolução de toda
forma de poder, de opressão e exploração, mas porque, em sua visão, o Estado
bloqueia a liberdade do indivíduo, ou seja, a liberdade de mercado. Parece-me se tratar de uma posição minoritária, mas, talvez seja realmente impossível responder com precisão qual a ideologia Black Block (em sentido amplo), uma vez que
estamos falando de um grupo propositalmente “desorganizado”, sem maior filtro em relação a seus adeptos. Eis aí uma
primeira complicação. A confusão ideológica, portanto, a falta de clareza em
relação a objetivos estratégicos, não costuma auxiliar no sucesso de uma ação
política.
Mas, partamos do pressuposto de
que se trata de um agrupamento anarquista de esquerda. Seu fim último é
derrubar o Estado e as relações capitalistas que o sustentam. Justo. Urgente. O problema,
a meu ver, está na tática utilizada para atingir este fim: a
generalização da violência e do ataque a bens e propriedades, público ou
privados, considerados símbolos da
dominação capitalista.
Ressalvo que estou longe de
defender na política, qualquer “purismo” ou “pacifismo” acrítico e reacionário. A revolta e a violência não são ruins em si. Muito pelo
contrário, são instrumentos políticos importantes, quando bem utilizados. A
questão, justamente, é saber quando e como utilizá-los. E, a meu ver, os Black Blocs não o sabem (ou não têm
sabido).

Do que vi até aqui, eu realmente
não consigo enxergar respostas afirmativas a essas questões nas ações dos Black Blocs. Não estou nem falando de
eventuais exageros que possam ser cometidos, inclusive por terceiros que se
apropriem do nome do grupo, o que seria desonesto. Há exageros e usurpações em
todo o espectro político. Estou me referindo tão somente à tática padrão do
grupo, a “estética” das chamadas “ações diretas”. Revoltar-se contra o
Estado burguês, a militarização e a truculência da polícia, a opressão e a
exploração do capital, insisto, não é apenas legítimo e justo, como necessário.
Mas, há formas e formas de canalizar e expressar essa revolta. Creio que as
melhores são aquelas que, a cada momento e em cada situação particular, respondam positivamente às questões elencadas no
parágrafo anterior. Assim, não acho, sinceramente, que botar fogo num ônibus ou
depredar um telefone público, por exemplo, contribua para acumular forças ou
despertar a consciência das pessoas para nossos problemas sociais. Exceto em
casos excepcionais, jamais como regra. Afinal, são ações que, em grande medida,
prejudicam principalmente os mais pobres, que precisam daqueles ônibus e orelhões. Portanto, que tendem a afastar aqueles que deveriam ser agregados. Até mesmo
no caso dos bancos, um dos maiores cânceres da sociedade contemporânea, o fato
é que, numa análise fria, percebemos que a tendência se mantém: se uma agência qualquer
deixa de funcionar, não é a elite – que faz todas as suas movimentações financeiras
pela internet ou direto com seu gerente – que será prejudicada, mas o restante
da população, que ou terá de esperar para fazer suas operações bancárias, ou
terá de se deslocar até outra agência, o que, tanto num caso quanto no outro,
nem sempre é possível. Os exemplos poderiam se multiplicar. Em geral, as ações
dos Black Blocs, têm baixo nível
de adesão popular, a meu ver (e para além da evidente influência que a grande
mídia, contrária a tudo que coloque em risco a "ordem", exerce sobre a opinião das pessoas), justamente porque, apesar de suas
intenções, são incapazes de dialogar,
seja com outros setores, seja com seus próprios pares – por exemplo, com outras
camadas da juventude e dos trabalhadores (mal este que, no entanto, está
longe de ser exclusivo dos Black Blocs).
Contudo, seria equivocado definir
esse tipo de ação violenta (real ou simbolicamente), em si mesma, como “fascista”. Nem mesmo como puro "vandalismo". Na verdade, vejo os Black Blocs primeiramente
como o resultado extremo de um justificável desencanto pela política brasileira
– que há muito tem perdido aquela dimensão utópica que mobiliza especialmente a
juventude – adensado por uma reação à violência desmedida exercida cotidianamente pelos
aparelhos repressivos do Estado, sobretudo com os jovens (negros) da periferia. Não por
acaso, portanto, sua tática se concentra em revidar, ao seu modo, essa violência, em especial
contra a PM, ao mesmo tempo em que opera como uma negação da política em duplo
sentido: tanto da política existente (Estado, governos, partidos, instituições
e organizações atuais), quanto da política tal
como definida anteriormente, isto é, como acúmulo e conflito de forças para se atingir
determinado fim. Ocorre que, para mudar a primeira, é preciso se valer da segunda
– o que os Black Blocs recusam, pois,
a meu ver, confundem ambas de maneira equivocada e perigosa. A primeira consequência dessa confusão,
como mencionado acima, é que seu “apoliticismo” os leva ao exercício
generalizado de ações (ou “performances”) que, na maioria das vezes, se
encerram em si mesmas, ou seja, são estéreis, sem transcendência. Ações que, da
forma com que são executadas, sem organização ou sem se ligarem a uma tática de
maior amplitude, terminam tão somente por separar seus adeptos da massa,
isolando-os daqueles com quem deveriam dialogar
(o que, diga-se de passagem, tende a se agravar com o uso das máscaras).
Portanto, os exclui da disputa política propriamente dita – seja aquela
que se dá pela via institucional, seja aquela que se dá através dos diversos
movimentos sociais organizados ou no convívio cotidiano –, mesmo quando suas
reivindicações são justas e quando suas manifestações têm alvos acertados, como ao erguerem suas vozes contra a repressão policial em morros e favelas.
Mas, o efeito mais grave neste
caso é que, não obstante os intentos de seus simpatizantes, ou a justeza de
suas reclamações, a intensificação dessa posição “apolítica”, combinada às performances violentas que não parecem capazes de aglutinar apoio, ao invés de
despertar o potencial transformador da luta popular, pode, na verdade, apenas aguçar
os ânimos conservadores e dar margem a uma forte reação destes setores. Neste caso, o erro tático pode dar margem a um movimento muito mais temerário. Mas,
isto é uma discussão maior, que fica para outra oportunidade.
Vinícius, seus textos são ótimos!! Achei realmente interessante e gostaria de lhe parabenizar, pela escrita clara e nada superficial e principalmente por se posicionar... Realmente, posicionar-se, com embasamento, estabelecendo uma lógica é algo que falta a muitos ultimamente... Parabéns pelas considerações e principalmente por sempre se posicionar...
ResponderExcluirMuitíssimo obrigado Chris! Sempre bom ouvir esse tipo de elogio!
ExcluirAcho que é importante mesmo se posicionar, ainda mais para quem, de alguma forma, se formou para isso, como no meu caso. Nem sempre dá para passar nossas impressões e opiniões para o papel de forma clara e, naturalmente, é impossível ter opinião sobre tudo, mas me esforço para estar antenado com os acontecimentos mais importantes e refletir sobre eles. Nesse sentido, o blog tem sido um ótimo exercício, e elogios como os seus dão ainda mais ânimo e vontade de continuar.
Grande abraço.