Passada a comoção pelos atentados
de Paris na semana passada, e as contendas envolvidas no Je suis ou Je ne suis pas
Charlie, decidi rabiscar algumas
linhas que, sem acrescentar nada de propriamente novo ao que tem sido
largamente debatido nos últimos dias, visa apenas externar e reforçar uma
preocupação que, a meu ver, deve concentrar nossa atenção depois do ocorrido.
Primeiramente, convém dizer, sendo
absolutamente contrário a práticas terroristas (tanto por motivos éticos quanto
políticos), não cabe tergiversar acerca da condenação ao que ocorreu na redação
do Charlie Hebdo. Isso, importa
também esclarecer, não significa compactuar com tudo o que a revista publicou. Entendo
que, em mais de uma ocasião, as charges publicadas no semanário extrapolaram
aqueles que considero serem alguns limites essenciais da liberdade de expressão
(inclusive no que diz respeito a outras religiões que não o islamismo). Neste
momento, porém, entendo que essa discussão (que obviamente não se restringe à
revista em questão) torna-se menos relevante. É importante que a façamos, mas
em outro momento, livres das contaminações causadas pelo impacto dos
acontecimentos, o que permitirá um debate com maior fôlego e profundidade.
Por ora, me parece absolutamente
necessário condenar o ataque à Charlie
Hebdo com a mesma veemência que se deve condenar os ataques do Boko Haram
na Nigéria, ou do Estado Islâmico, na Ásia.
Contudo, como disse no início, o
objetivo dessas linhas é sublinhar uma preocupação que já me acomete há algum
tempo. Em algumas oportunidades, externei a encruzilhada que o fracasso do
governo socialista de François Hollande poderia criar. Eleito sob a égide da
mudança, mas adotando a linha de austeridade de seu antecessor, o direitista Nicolas
Sarkozy, Hollande, em quase três anos de governo, não foi capaz de reverter a
crise econômica que atinge seu país. Não surpreende, neste cenário, que um partido
de extrema-direita, com um discurso de “soluções fáceis”, fortemente baseadas
na xenofobia contra imigrantes de fé muçulmana, como o Front National, tenha conseguido ser o mais votado pelos franceses nas
eleições ao parlamento europeu de 2014 (leia o que escrevi à época aqui).
Ora, é evidente o discurso islamofobo
de Marine Le Pen, a principal líder do FN, ganhou uma base mais sólida desde
semana passada. Se por um lado, é verdade que a extrema-direita foi isolada na
marcha republicana que ocorreu em Paris no último domingo, por outro, me parece
inegável que a combinação de crise econômica e criação de um inimigo comum, ainda
que imaginário – neste caso, vale precisar, não os terroristas, mas os
muçulmanos que “declararam guerra à França”, nos dizeres de Le Pen – fornece um
solo ainda mais fértil para o revigoramento – já em curso – do fascismo naquele
país.
Assim, terrorismo e fascismo
parecem preparar uma perigosíssima solução retroalimentadora, na qual
cada lado, dependendo do outro para se fortalecer e disseminar sua influência,
instigará uma escalada irracional de provocações. Se este processo não for
interrompido, o resultado poderá ser desastroso, não apenas para os franceses,
mas, dada a importância deste país na geopolítica europeia e mundial, para todos
nós.
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