segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Terrorismo e fascismo

Passada a comoção pelos atentados de Paris na semana passada, e as contendas envolvidas no Je suis ou Je ne suis pas Charlie, decidi rabiscar algumas linhas que, sem acrescentar nada de propriamente novo ao que tem sido largamente debatido nos últimos dias, visa apenas externar e reforçar uma preocupação que, a meu ver, deve concentrar nossa atenção depois do ocorrido.

Primeiramente, convém dizer, sendo absolutamente contrário a práticas terroristas (tanto por motivos éticos quanto políticos), não cabe tergiversar acerca da condenação ao que ocorreu na redação do Charlie Hebdo. Isso, importa também esclarecer, não significa compactuar com tudo o que a revista publicou. Entendo que, em mais de uma ocasião, as charges publicadas no semanário extrapolaram aqueles que considero serem alguns limites essenciais da liberdade de expressão (inclusive no que diz respeito a outras religiões que não o islamismo). Neste momento, porém, entendo que essa discussão (que obviamente não se restringe à revista em questão) torna-se menos relevante. É importante que a façamos, mas em outro momento, livres das contaminações causadas pelo impacto dos acontecimentos, o que permitirá um debate com maior fôlego e profundidade.

Por ora, me parece absolutamente necessário condenar o ataque à Charlie Hebdo com a mesma veemência que se deve condenar os ataques do Boko Haram na Nigéria, ou do Estado Islâmico, na Ásia.

Contudo, como disse no início, o objetivo dessas linhas é sublinhar uma preocupação que já me acomete há algum tempo. Em algumas oportunidades, externei a encruzilhada que o fracasso do governo socialista de François Hollande poderia criar. Eleito sob a égide da mudança, mas adotando a linha de austeridade de seu antecessor, o direitista Nicolas Sarkozy, Hollande, em quase três anos de governo, não foi capaz de reverter a crise econômica que atinge seu país. Não surpreende, neste cenário, que um partido de extrema-direita, com um discurso de “soluções fáceis”, fortemente baseadas na xenofobia contra imigrantes de fé muçulmana, como o Front National, tenha conseguido ser o mais votado pelos franceses nas eleições ao parlamento europeu de 2014 (leia o que escrevi à época aqui).

Ora, é evidente o discurso islamofobo de Marine Le Pen, a principal líder do FN, ganhou uma base mais sólida desde semana passada. Se por um lado, é verdade que a extrema-direita foi isolada na marcha republicana que ocorreu em Paris no último domingo, por outro, me parece inegável que a combinação de crise econômica e criação de um inimigo comum, ainda que imaginário – neste caso, vale precisar, não os terroristas, mas os muçulmanos que “declararam guerra à França”, nos dizeres de Le Pen – fornece um solo ainda mais fértil para o revigoramento – já em curso – do fascismo naquele país.


Assim, terrorismo e fascismo parecem preparar uma perigosíssima solução retroalimentadora, na qual cada lado, dependendo do outro para se fortalecer e disseminar sua influência, instigará uma escalada irracional de provocações. Se este processo não for interrompido, o resultado poderá ser desastroso, não apenas para os franceses, mas, dada a importância deste país na geopolítica europeia e mundial, para todos nós. 

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