Costuma-se classificar como “Idealismo alemão” o período da filosofia germânica que se estende das últimas décadas do século XVIII até meados do século XIX, tendo como principais expoentes nomes como Kant, Fichte, Schelling e Hegel.
Em que pese a heterogeneidade entre esses filósofos, há uma série de motivações e questões comuns – da epistemologia à ontologia, passando pela estética, pela ética, a política e o direito, dentre outras – que permitem agrupá-los sob uma mesma rubrica. Uma delas é apontar para o vínculo indissolúvel que liga consciência e ser, o que permite enfatizar o papel ativo do sujeito na construção do mundo. É o que Marx, por exemplo, ao mesmo tempo herdeiro e crítico dessa tradição, apontará na sua primeira tese contra Feuerbach: a apreensão do real não é passiva, mas requer participação efetiva do ser humano.
Nesse sentido, o idealismo insurge-se contra a perspectiva empirista de que a mente humana é uma folha em branco na qual são gravadas impressões oriundas dos objetos sensíveis apreendidos perceptivamente. Do mesmo modo, ressalva feita em alguma medida a Hegel, nega que a consciência possa refletir o real de modo transparente, como se fosse um espelho.
De fato, na visão idealista, a consciência é Tätigkeit, ação, e Vermittlung, mediação. Ela constitui ativamente o objeto porque medeia a realidade – que, nesse caso, é sempre real-para-uma-consciência. É o mote da “revolução copernicana” anunciada por Kant na Crítica da razão pura: “Até hoje admitia-se que o nosso conhecimento se devia regular pelos objetos; porém, todas as tentativas para descobrir a priori, mediante conceitos, algo que ampliasse o nosso conhecimento, malogravam-se com este pressuposto. Tentemos, pois, uma vez, experimentar se não se resolverão melhor as tarefas da metafísica, admitindo que os objetos se deveriam regular pelo nosso conhecimento, o que assim já concorda melhor com o que desejamos, a saber, a possibilidade de um conhecimento a priori desses objetos, que estabeleça algo sobre eles antes de nos serem dados”.
Em Kant, este papel ativo remete à ideia das intuições puras da sensibilidade (espaço e tempo) e das categorias puras do entendimento (os conceitos), através das quais sintetizamos aquilo que nos é dado pelos sentidos. Isto é, ordenamos a experiência (Erfahrung), que nada mais é do que essa relação entre consciência e mundo, fora da qual nada podemos conhecer.
No filósofo de Königsberg, porém, o sujeito responsável por essa organização sintética da experiência não é um sujeito concreto, empírico, mas um sujeito transcendental. Trata-se, com efeito, de uma consciência meramente lógica, que estrutura os objetos dados através de formas independentes da própria experiência empírica. Isto é, pelas estruturas a priori presentes no próprio sujeito do conhecimento. Conhecer, assim, é operar a mediação entre as estruturas da razão – é dela, afinal, que se trata – e a multiplicidade de coisas fornecidas pelos sentidos. A consciência ou sujeito transcendental constitui seu objeto que, por sua vez, só existe para ela.
No desenrolar histórico do Idealismo Alemão, será buscada uma nova fonte unificadora da experiência – ou, no vocabulário idealista, um Absoluto –, que supere o caráter epistemológico do sujeito kantiano: em Fichte, será o Eu puro, eu concreto, sujeito cuja essência é um puro ato de pôr (setzen) o mundo como sua negação e possibilidade de superação. Em Schelling, e depois, especialmente em Hegel, este sujeito absoluto superará o plano exclusivo do indivíduo fichteano e remeterá ao Espírito Universal como fonte de sentido do real, do qual nossa consciência seria um veículo privilegiado.
O que é mais relevante, porém, para além de seus desdobramentos e divergências internas, é que, com o Idealismo Alemão, desaparece a ideia de que os indivíduos são meros espectadores do mundo. Portanto, de que o real, sobretudo o “mundo cultural”, seria um dado, uma fatalidade. Pelo contrário, no limite, o que chamamos de real nada mais é do que a concretização da obra humana.