O golpe contra o presidente
paraguaio Fernando Lugo, destituído de seu cargo num processo de impeachment levado
a cabo pelo Congresso paraguaio em tempo recorde, com duração de 24 horas,
ligou o sinal de alerta na América Latina. Não apenas porque se trata de uma
nova modalidade de golpe, como sugeriu Tarso Genro em recente artigo (leia aqui),
no qual se tenta, ao contrário do modelo clássico, dar uma roupagem “democrática”
à deposição (Honduras, em 2009, foi o primeiro ensaio dessa nova prática
golpista). Mas principalmente porque a democracia é um valor altamente efêmero no
contexto latino-americano, quase sempre dependente de alianças ideologicamente heterogêneas
e acordos passíveis de serem quebrados a qualquer momento.
Como se sabe, a democracia é
condição indispensável para o prosseguimento da construção de uma alternativa
pós-neoliberal, que se desenha há mais de uma década no nosso continente – e cujo
ciclo histórico ainda não se esgotou.Por isso, todo cuidado com a direita, com os
setores conservadores, e com o imperialismo norte-americano, isto é, com todos
aqueles que desejam reverter esse processo transformador em nome de seus
retrógrados interesses, é pouco. Mas, em todo o continente, tais setores podem ganhar
fôlego caso o golpe paraguaio triunfe definitivamente. A Bolívia começa a
sentir os primeiros impactos, com a infiltração de elementos desestabilizadores
do governo na greve de policiais que ocorre no país nessa semana. No Brasil,
José Carlos Aleluia, um dos nomes mais importantes do DEM, postou em seu perfil
do Twitter um sugestivo “se a moda pega”. Aliás, sempre é bom lembrar que no
Brasil, um país cuja democracia política é comparativamente mais sólida,
tentou-se algo semelhante em 2005, quando o escândalo do chamado “mensalão”
serviria de pretexto para uma possível destituição do então presidente Lula.
Lula não caiu por uma soma de fatores: as alianças que havia conseguido
estabelecer com setores de centro, para além daquelas com a esquerda e a
centro-esquerda; ter atrás de si um partido forte e socialmente arraigado; e contar
com o apoio de uma base social mais organizada. Esses fatores lhe permitiram
enfrentar o processo sem prejuízos diretos para si, embora nomes importantes do
governo, como o ex-ministro José Dirceu, tenham sido literalmente sacrificados.
Antes de Lula, em 2002, o presidente venezuelano Hugo Chávez sofreu tentativa
semelhante de impeachment, que se tivesse sido definitivamente exitosa (Chávez
ficou apenas três dias longe do poder), provavelmente teria impedido o ciclo
virtuoso que começaria poucos meses depois com a eleição de Lula. Lugo, com uma
base muito mais frágil e praticamente isolado, não teve a mesma sorte.
Por isso, é preciso dar todo
apoio às decisões da Unasul (União das Nações da América do Sul) e do Mercosul
(Mercado Comum do Cone Sul) de suspender o Paraguai dessas organizações, bem
como, principalmente, de não reconhecer o novo governo de Federico Franco. Além, claro, de reforçar a resistência do povo paraguaio, que está ao lado de Lugo. Afinal,
a defesa da democracia no Paraguai é a defesa da democracia na América Latina,
é a defesa do processo transformador que o continente vive desde os anos 2000.