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quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Sociabilidade, ódio e fascismo

Um dos inúmeros problemas de nossa sociedade, cujo eixo único se restringe cada vez mais a reproduzir capital e hierarquizar os indivíduos para este fim, é nos constranger de tal modo a mecanismos cegos de sociabilidade, que qualquer possibilidade de construção de um sentido humano para nossa existência torna-se praticamente impossível. Não é casual que a depressão sejas o “mal do século”. Ou que, cada vez mais, as pessoas sintam-se em um estado de insatisfação permanente. De fato, talvez nunca a questão “qual o sentido de uma vida baseada em trabalhar para sobreviver” seja mais patente do que numa era em que é claramente possível realizar outros modos de vida.

Uma das consequências mais devastadoras de nossa forma de sociabilidade, que nos aliena da possibilidade de uma humanização efetiva, “na qual o mundo das coisas se valoriza em proporção direta à desvalorização do mundo humano”, é permitir aflorar formas distintas e recorrentes de niilismo e de ódio – a tentativa de eliminar completamente a existência do outro – como “respostas” de um indivíduo cuja ipseidade (o ser si-mesmo e dar um sentido à própria vida) é mutilada, e se enxerga impotente diante do vazio de sua existência, estranho a si e aos outros.

Se essa explicação tem alguma validade, ela pode ajudar a entender um pouco a expressão política mais extrema desse cenário de negação do outro, a saber, o fascismo contemporâneo, cujo recrudescimento, não casualmente, se atrela ao movimento histórico de aprofundamento da reprodução capitalista e da alienação que a acompanha, no período chamado “neoliberal”. 

As recentes manifestações de intolerância que pululam em todo o país, nesse sentido, talvez nada mais sejam do que o sintoma de um mal-estar generalizado, cujas raízes não dizem respeito apenas a escolhas e processos individuais, mas se assenta no modo de vida exigido pela formação social contemporânea. Se for assim, toda forma de resistência e luta passa necessariamente pela consciência de sua amplitude. Ou seja, não há como vencer o ódio e o fascismo enquanto sua forma política sem eliminar as bases que semeiam sua reprodução.

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Bento Prado Júnior, 80 anos

Se estivesse entre nós, o filósofo brasileiro Bento Prado Júnior completaria 80 anos nesse 21 de agosto. Tive a honra e o prazer de poder absorver um mínimo da riqueza filosófica e humana de Bento, ainda que por pouco tempo, como aluno e como orientando. Bento era um mestre, de generosidade intelectual ímpar, e um filósofo no sentido estrito da palavra. Alguém cuja vida inteira foi devotada à reflexão. E, para ele, a reflexão tinha um sentido não apenas epistemológico, mas existencial. Logo, não se confundia com a tecnicidade acadêmica, ao “trash império do paper”, à especialização e seu consequente empobrecimento que marcam o trabalho filosófico e científico contemporâneo.

Nesse sentido, no vídeo que reproduz abaixo, uma de suas últimas apresentações públicas, Bento ilumina o papel da filosofia neste início de século, marcado pelo triunfo do capitalismo global – “dar luz à razão” em uma era regressiva em termos econômicos, políticos e culturais. Voltando-se contra aquilo que ele chama de “uma consciência alienada, que nega os conflitos que, no entanto, se aprofundam” – ou seja, o caráter nefastamente ideológico do assim chamado “fim da história” – Bento exprime aí aquele que, no fundo, é seu projeto de vida: fazer da filosofia uma forma de consciência atenta à vida real, isto é, a vida dos conflitos, das contradições, mas também da experiência estética, do gozo, do desejo, da liberdade...

Mas, essa filosofia atenta ao “concreto”, para usar um termo sartriano que Bento certamente aprovaria, infelizmente não é, via de regra, a filosofia profissional praticada na universidade. “Hoje há professores de filosofia, há técnicos em problemas filosóficos. Não há propriamente filósofos”, diz Bento, ao final do vídeo, já durante as respostas aos felizardos participantes dessa conferência. Isso porque, segundo o pensador, a tecnização do pensamento filosófico, fruto da cultura da era da globalização, sufoca o espaço desse tipo reflexão.

“A filosofia se aproxima mais de um bate papo do que do cálculo”. Bento lutou até o fim da vida por e para este ensinamento. E, em uma era em que cada vez mais a qualidade filosófica de um autor se mede em termos quantitativos, pelo número de publicações em seu Lattes, ouvir isso daquele que foi o maior dos filósofos brasileiros, soa, ao mesmo tempo, e de modo paradoxal, nostalgicamente anacrônico e docemente alentador.

quarta-feira, 15 de março de 2017

Uma lição de Espinosa sobre a democracia

No longínquo ano de 1670, o holandês Baruch de Espinosa, primeiro grande filósofo moderno a defender abertamente a democracia como melhor forma de governo, dizia o seguinte em sua obra derradeira, o Tratado político: “Os homens estão necessariamente submetidos a emoções. (...). A Razão pode bem conter e governar as emoções, mas (...) o caminho ensinado pela Razão é muito difícil; aqueles que, por isso, se persuadem ser possível levar a multidão, ou os homens ocupados com os negócios públicos, a viver segundo os preceitos da Razão, sonham com a idade de ouro dos poetas, isto é, comprazem-se na ficção. Um Estado cuja salvação depende da lealdade de algumas pessoas e cujos negócios, para serem bem dirigidos, exigem que aqueles que o conduzem queiram agir lealmente, não terá qualquer estabilidade. Para poder subsistir será necessário ordenar as coisas de tal modo que os que administram o Estado, quer sejam guiados pela Razão ou movidos por uma paixão, não possam ser levados a agir de forma desleal ou contrária ao interesse geral. E pouco importa à segurança do Estado que motivo interior têm os homens para bem administrar os negócios, se de fato administrarem bem”.

Há mais de uma década, mais precisamente desde 2005, tenta-se vender a tese (com sucesso, diga-se) de que, no Brasil, o mal, a corrupção, o “agir de forma desleal ou contrária ao interesse geral”, se concentraria principalmente em meia dúzia de líderes de um determinado partido político, cuja engenhosidade transgressora teria, inclusive, corrompido outros partidos e cidadãos, irresistivelmente arrastados nas engrenagens do “projeto criminoso de poder” daquele bando delinquente. Ou seja, quase três séculos e meio depois das palavras de Espinosa, ainda há quem se deixe levar – ou seja quase que forçado a acreditar – por aquela ficção, que ao confundir as esferas pública e privada, rezava ser possível garantir a boa administração do Estado apenas pela boa vontade de seres que, surdos às suas paixões, seriam qualquer coisa, menos humanos. Anjos, talvez, como diria Kant, mais tarde. E, claro, se um dos lados é o mal, aqueles que o denunciam seriam a encarnação do próprio bem. Os anjos da boa vontade. Ou, numa linguagem mais afeita aos nossos tempos, os “gestores”.

Digo tudo isso porque, se há algo de positivo no circo armado pela Lava Jato, mais particularmente nas tais listas de denunciados do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, independentemente do desfecho que terão (e não há porque não crer que os desfechos não serão equânimes, mas sopesados pela coloração partidária do acusado), é a de mais uma vez ilustrar que vícios e virtudes não são monopólio de pessoas ou grupos específicos. Também é a de tornar ainda mais patente que, não é o auto-declarado caráter virtuoso de alguns iluminados – “mitos” ou empresários “a-políticos” – mas, apenas uma profunda reforma de todo o sistema político, a partir da qual o Estado seja ordenado “de tal modo que os que o administram não possam ser levados a agir de forma desleal ou contrária ao interesse geral” independentemente de suas motivações pessoais, como hoje ocorre, que pode garantir a efetivação da democracia, isto é, o triunfo da vontade pública sobre o poder dos interesses privados. E, por fim, mas não menos importante: que todo o processo que culminou na deposição de Dilma Rousseff, e hoje se intensifica com o ataque frontal a direitos adquiridos, supostamente insustentáveis diante do também suposto desmantelamento do orçamento federal por conta da corrupção, não passou de uma gigantesca farsa.

sexta-feira, 3 de março de 2017

A perda da alteridade e as redes sociais

Um dos pontos altos da filosofia de Hegel é a forma pela qual ele estabelece um vínculo ontológico entre a ipseidade – o ser-si-mesmo – e a alteridade – o outro-que-não-eu. Particularmente em sua Fenomenologia do Espírito, o filósofo sublinha a sina dolorosa da consciência que, para superar a pobreza de seu estado natural em direção ao saber, lida a todo instante com sua própria negação. Segundo Hegel, todo progresso é dialético porque inevitavelmente marcado com o sinal do negativo: não há conhecimento possível sem que experimentemos o outro, o diferente.

Assim, o trajeto da consciência hegeliana se caracteriza por um permanente arrancar-se de si mesmo, que só é possível pela intervenção da alteridade. Sem contato com o outro, ou, mais precisamente, sem a experiência do outro (no duplo sentido do genitivo, isto é, como “experienciar” o outro e sem aquilo que o outro traz a mim), nada haveria, senão uma consciência ensimesmada e, por definição, estanque.

O advento da globalização neoliberal insinuava, dentre outras coisas (ao menos, de acordo com seus ideólogos), a construção de um “mundo sem fronteiras”, “multicultural” e no qual, portanto, a alteridade seria vivenciada em seu mais profundo sentido. Passadas algumas décadas desse fenômeno, porém, o que se vê é exatamente o oposto: a solidificação de grupos cada vez mais autocentrados, sem qualquer abertura a uma experiência real – naqueles termos consagrados por Hegel – do outro. Esse fenômeno, cujas consequências políticas são visíveis no recrudescimento de discursos ultranacionalistas, xenófobos etc., se deixa transparecer cotidianamente nas “redes sociais”.

Quando surgiram, novamente, havia a expectativa de que tais ferramentas pudessem se materializar como uma via de acesso ao outro, ao diferente, à opinião contrária, aos valores e formas de vida com os quais não estamos acostumados. Em pouco tempo, porém, o que se nota é que as redes criaram bolhas, dentro das quais nos movemos em segurança e que, por sua configuração, bloqueiam qualquer traço de alteridade. Com efeito, o aparecimento da divergência, inevitável no fluxo contínuo de informações digitais, não é motivo de crescimento ou progresso, de diálogo, de abertura ao novo. Antes, é principalmente motivo de reafirmação de uma identidade fechada. Não por acaso, a forma mais comum de tratar o outro, neste cenário, é pela via de sua exclusão, real ou simbólica. Isto é, pelo desejo de seu extermínio físico ou enquanto voz ativa. É o triunfo do ódio, ou seja, aquele desejo de eliminar completamente o outro – isto é, todos os outros, como diria Sartre.

Feito esse brevíssimo diagnóstico, resta estabelecer suas causas. Nos limites desse espaço, contudo, apenas uma indicação de um dos possíveis caminhos a seguir seria exequível. Aliás, ela já foi avançada em um texto que tive a oportunidade de publicar na “Coluna ANPOF” no ano passado, e reproduzido aqui no blog (leia aqui), e de cujo aprofundamento pretendo me ocupar no próximo período.

Trata-se do processo de ultrassubjetivação, delineado, dentre outros, por Pierre Dardot e Christian Laval, além de Franck Fischbach, que acompanha a afirmação da racionalidade neoliberal, deslocando a lógica da competição empresarial também para o âmbito da vida privada e da subjetivação. De um lado, esse processo visa reforçar o desligamento do indivíduo de qualquer vínculo efetivo com o mundo, em nome de sua constante mobilidade, mas, contraditoriamente afrouxando a construção de sua própria identidade. De outro, face à impossibilidade de se sustentar esse desligamento radical – na medida em que impede qualquer processo de subjetivação efetiva –, se fortalece aquilo que Immanuel Wallerstein denominou de “grupismo”. Ou seja, a resposta para o avanço de um individualismo radical – fruto da exacerbação daquela racionalidade competitiva, típica do meio empresarial – é a busca por um ponto de apoio que freie a instabilidade promovida pela ultrassubjetivação: este apoio é encontrado na formação de grupos que, por definição, constroem sua identidade a partir de uma resoluta oposição com seu outro.

Nesse sentido, as redes sociais favorecem o estabelecimento desse nexo interindividual, que surge como um amparo diante da extrema fluidez do mundo contemporâneo e sua lógica competitiva. Ao mesmo tempo, se essa hipótese é válida, a interiorização dessa racionalidade hiper-individualista, que inclusive precisa rejeitar qualquer traço de dor e sofrimento em nome da celebração da felicidade permanente (o “sucesso”), torna o “grupismo” um forte antídoto ao medo que inevitavelmente acompanha a experiência da alteridade. Assim, as redes apenas dão vazão a um temor cuja origem, antes de ser exclusivamente psicológica, é causada pela própria dinâmica social que põe os indivíduos em competição permanente contra todos (na impossibilidade de universalização do sucesso, o outro tende sempre a aparecer como uma ameaça potencial) e contra si (a ideologia do crescimento pessoal – este entendido como melhor adaptação às exigências do mercado – e consequente sucesso/felicidade).

O brilhante Umberto Eco, pouco antes de morrer, disse que as redes sociais deram voz a milhões de idiotas. Corroborando a tese do escritor italiano, pode-se acrescentar que o idiota da rede social o é, primeiramente, no sentido original do vocábulo: a pessoa fechada sobre si mesma, típica de nossa era. Enfim, o bloqueio à experiência da alteridade aparece como sintoma do desconforto causado pela exigência impraticável de uma competição radical, no qual os indivíduos se relacionam entre si enquanto inimigos. Seu resultado mais devastador é um esvanecimento da ipseidade em uma perda completa de qualquer sentido de empatia, solidariedade e humanidade. Um Eu que nunca é Nós, parafraseando Hegel, porque sequer chega a ser Eu.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Nota sobre o papel ativo do sujeito na filosofia do Idealismo Alemão

Costuma-se classificar como “Idealismo alemão” o período da filosofia germânica que se estende das últimas décadas do século XVIII até meados do século XIX, tendo como principais expoentes nomes como Kant, Fichte, Schelling e Hegel. Em que pese a heterogeneidade entre esses filósofos, há uma série de motivações e questões comuns – da epistemologia à ontologia, passando pela estética, pela ética, a política e o direito, dentre outras – que permitem agrupá-los sob uma mesma rubrica. Uma delas é apontar para o vínculo indissolúvel que liga consciência e ser, o que permite enfatizar o papel ativo do sujeito na construção do mundo. É o que Marx, por exemplo, ao mesmo tempo herdeiro e crítico dessa tradição, apontará na sua primeira tese contra Feuerbach: a apreensão do real não é passiva, mas requer participação efetiva do ser humano.

Nesse sentido, o idealismo insurge-se contra a perspectiva empirista de que a mente humana é uma folha em branco na qual são gravadas impressões oriundas dos objetos sensíveis apreendidos perceptivamente. Do mesmo modo, ressalva feita em alguma medida a Hegel, nega que a consciência possa refletir o real de modo transparente, como se fosse um espelho.

De fato, na visão idealista, a consciência é Tätigkeit, ação, e Vermittlung, mediação. Ela constitui ativamente o objeto porque medeia a realidade – que, nesse caso, é sempre real-para-uma-consciência. É o mote da “revolução copernicana” anunciada por Kant na Crítica da razão pura: “Até hoje admitia-se que o nosso conhecimento se devia regular pelos objetos; porém, todas as tentativas para descobrir a priori, mediante conceitos, algo que ampliasse o nosso conhecimento, malogravam-se com este pressuposto. Tentemos, pois, uma vez, experimentar se não se resolverão melhor as tarefas da metafísica, admitindo que os objetos se deveriam regular pelo nosso conhecimento, o que assim já concorda melhor com o que desejamos, a saber, a possibilidade de um conhecimento a priori desses objetos, que estabeleça algo sobre eles antes de nos serem dados”.

Em Kant, este papel ativo remete à ideia das intuições puras da sensibilidade (espaço e tempo) e das categorias puras do entendimento (os conceitos), através das quais sintetizamos aquilo que nos é dado pelos sentidos. Isto é, ordenamos a experiência (Erfahrung), que nada mais é do que essa relação entre consciência e mundo, fora da qual nada podemos conhecer.

No filósofo de Königsberg, porém, o sujeito responsável por essa organização sintética da experiência não é um sujeito concreto, empírico, mas um sujeito transcendental. Trata-se, com efeito, de uma consciência meramente lógica, que estrutura os objetos dados através de formas independentes da própria experiência empírica. Isto é, pelas estruturas a priori presentes no próprio sujeito do conhecimento. Conhecer, assim, é operar a mediação entre as estruturas da razão – é dela, afinal, que se trata – e a multiplicidade de coisas fornecidas pelos sentidos. A consciência ou sujeito transcendental constitui seu objeto que, por sua vez, só existe para ela.

No desenrolar histórico do Idealismo Alemão, será buscada uma nova fonte unificadora da experiência – ou, no vocabulário idealista, um Absoluto –, que supere o caráter epistemológico do sujeito kantiano: em Fichte, será o Eu puro, eu concreto, sujeito cuja essência é um puro ato de pôr (setzen) o mundo como sua negação e possibilidade de superação. Em Schelling, e depois, especialmente em Hegel, este sujeito absoluto superará o plano exclusivo do indivíduo fichteano e remeterá ao Espírito Universal como fonte de sentido do real, do qual nossa consciência seria um veículo privilegiado.

O que é mais relevante, porém, para além de seus desdobramentos e divergências internas, é que, com o Idealismo Alemão, desaparece a ideia de que os indivíduos são meros espectadores do mundo. Portanto, de que o real, sobretudo o “mundo cultural”, seria um dado, uma fatalidade. Pelo contrário, no limite, o que chamamos de real nada mais é do que a concretização da obra humana.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

A morte e a ausência de Deus: "O sétimo selo" de Bergman à luz da filosofia de Sartre

Motivado por uma atividade na UFBA, resolvi escrever este post esboçando uma interpretação do filme O sétimo selo, do diretor sueco Ingmar Bergman, à luz da filosofia de Sartre. Mais particularmente, de um eixo temático comum a ambos: a ligação entre a existência de Deus e a morte.

O enredo do filme – cujo título remete a uma passagem do Apocalipse, na Bíblia – é relativamente simples: no final da Idade Média, um cavaleiro e seu ajudante retornam das Cruzadas e se deparam com uma população avassalada pela Peste. O cavaleiro, Antonius Block recebe a visita da Morte e, a fim de estender sua vida, convida-a para um jogo de xadrez. Se perdesse, partiria com ela. Enquanto o jogo não terminasse, permaneceria vivo, em busca de um sinal da existência de Deus e de que sua vida não teria sido em vão. A Morte, que nunca fora derrotada, aceita o desafio.

A partir daí, o filme retrata a jornada de Block em busca das respostas à suas aflições existenciais em um mundo fortemente marcado pela religiosidade e pelo medo. Neste contexto, dois temas tipicamente afeitos ao pensamento de Sartre brotam ao longo da película. O primeiro é precisamente a busca por um sentido transcendente, uma justificativa para a vida, que atravessaria o próprio ser do homem, mas cuja resposta seria impossível, dada a ausência de Deus. Por exemplo: em dado momento, Block se desespera porque quer abandonar tudo, se entregar ao seu inevitável destino, mas, ao mesmo tempo, sente-se incapaz dessa resignação, porque não consegue se desvencilhar da dúvida, da inquietação por saber se sua vida, integralmente dedicada a Deus, teria tido algum sentido. Com efeito, Bergman elabora uma a permanente tensão que perpassa toda a jornada de Block: a tensão entre sua crença, isto é, o desejo de que Deus forneça algum sinal de que a vida – a sua em particular, mas também a de todos acometidos pela tragédia, que não abandonam a fé – e a ausência de qualquer resposta concreta. O fracasso, a paixão inútil do ser humano, diria Sartre.

Nesse sentido, quase como um Sancho Pança do célebre romance de Cervantes, o ajudante de Block, Jöns, funciona no filme como uma espécie de “voz da razão”. Cético, em toda oportunidade aponta para a gratuidade do existir – a contingência do ser, para usar outro conceito de Sartre. Isso fica claro, por exemplo, no momento em que uma mulher acusada de “bruxaria” – por conseguinte, culpada pela disseminação do castigo da Peste – será crucificada e queimada. Observando seu olhar aterrorizado e sem direção nos instantes que precedem a sua terrível execução, Block se pergunta o que ela estaria vendo. Jöns, sem rodeios, simplesmente responde: “O vazio”. Em outros termos, ela estaria percebendo, à beira da morte, que não há nada: nem além, nem salvação...

Mas, a cena mais emblemática do filme talvez seja aquela em que Block vai a um confessionário e ali expõe sua angústia. O diálogo denso, típico da obra de Bergman, sintetiza as questões filosóficas de O sétimo selo. E igualmente ilustra a inevitabilidade do fim. Isso porque Block pensa estar conversando com um padre, quando, na verdade, é a própria Morte quem está no confessionário. Enganado, acaba entregando uma jogada que faria na partida de xadrez e que, a seu ver, resultaria em vitória. A Morte está sempre um passo a frente. Seu triunfo ante a vida é inexorável.

Aqui, no entanto, convém fazer uma ressalva no que diz respeito à aproximação de O sétimo selo com Sartre. É que, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o pensamento sartriano em nenhum momento abraça o niilismo – como o longa pode eventualmente respaldar. Não haver sentido a priori para a existência humana, não haver justificativa para estarmos aqui, não haver Deus, enfim, não representa, para o filósofo, a simples celebração da gratuidade. Pelo contrário, Sartre entende que todos esses elementos convergem para a afirmação da absoluta liberdade (e, consequentemente, responsabilidade) do ser humano diante de si, de outrem, do mundo. Têm, portanto, um caráter antes positivo do que negativo. Não se trata de ceder ao desespero diante do desamparo da solidão existencial, mas de tomar a contingência como ponto de partida para a criação de sentido. 

Finalmente, nessa linha, a última tomada do filme permite reaproximar Bergman e Sartre – ao menos, o Sartre dos anos 1930, 1940, francamente empenhado em uma literatura engajada, e uma interpretação não niilista do filme. A ciranda da Morte leva todos os personagens do filme, exceto um casal de artistas com seu bebê. De certo modo, pode-se afirmar que a arte aparece, para o diretor sueco, como fonte de salvação: provisória, pode-se replicar. Ainda assim, no entanto, como salvação. Com Sartre, se poderia complementar: não como salvação para o além, mas como meio de conferir algum sentido no aqui e agora da vida diante da absoluta gratuidade do real – o que também, de certo modo, é um “salvar-se”. Aliás, é essa conclusão a que chega Antoine Roquentin, protagonista do romance sartriano A náusea. Ou, para usar uma feliz definição do recém-falecido Ferreira Gullar: “a arte existe porque a vida não basta”. Bergman e Sartre certamente ratificariam as palavras do poeta brasileiro.

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Neoliberalismo, subjetividade e crise da democracia

A eleição de Donald Trump à presidência dos EUA acendeu um alerta global. Particularmente, porque parece desnudar algumas das mais agudas contradições das “democracias ocidentais” contemporâneas. Com efeito, não por acaso, a questão que atravessou a cena política desde o último dia 09/11 pode ser resumida do seguinte modo: como teria sido possível que, em uma democracia consolidada como a norte-americana, um fenômeno de viés proto-fascista, como a candidatura de Trump, pudesse prosperar?

Este texto propõe uma resposta a essa indagação que não se pretende exclusiva, mas que, dentro dos limites que o espaço impõe, visa realçar aquilo que entendemos ser a causa subterrânea desse acontecimento. O que sugerimos aqui é que o significado dessa vitória se assenta, ainda que de modo aparentemente remoto, nos pilares do modelo de globalização dominante desde os anos 1980, comumente denominada “neoliberalismo”. Ou, para ser exato, em seu fracasso. Em linhas gerais, adotamos a perspectiva de que a fissura aberta na hegemonia neoliberal pela crise econômica de 2008 ganhou agora (somada ao Brexit, sobretudo) uma notável – e preocupante – complementação ético-política.

Nesse sentido, importa inicialmente destacar que, a nosso ver, uma das principais consequências da emergência da nova era de acumulação capitalista foi a correspondente formatação de um novo tipo de subjetividade. Trata-se da dissolução quase completa da antiga identidade baseada na articulação entre indivíduo e trabalho social – que, como Hegel bem observara, presidiu a constituição da subjetividade moderna –, em nome daquilo que Pierre Dardot & Christian Laval bem classificaram como uma “hiper-subjetividade”: o sujeito “desobjetivado”, ensimesmado, constrangido ao novo, à mudança, porque sem possibilidade de estabelecer laços efetivos com o mundo (materiais ou espirituais, geográficas ou jurídicas). Não que o vínculo entre sujeito e trabalho tenha desaparecido, ou que este último tenha perdido sua centralidade. Ocorre que, dada sua mútua imbricação, as mudanças profundas sofridas no mundo laboral não poderiam deixar de impactar na própria constituição e expectativas dos sujeitos contemporâneos.

Aqui, por mudanças profundas entenda-se, não apenas as revoluções tecnológicas inquestionáveis, mas, sobretudo: o esforço permanente de desregulamentação e precarização da mão de obra assalariada, a desindustrialização, a ameaça constante a direitos adquiridos etc. Ora, não apenas, do ponto de vista material, este cenário consolidou uma nova forma de proletarização – os trabalhadores “precarizados”, mais sujeitos às vicissitudes e à instabilidade da reprodução do capital, sem empregos fixos, sem direitos, com um acesso cada vez mais restrito à esfera do consumo –, mas, do ponto de vista ético, dissolveu a base dos antigos mecanismos de subjetivação, baseados na hegemonia das formas clássicas de trabalho e de seus processos de socialização correlatos.

Como era de se esperar, porém, essa dissolução agora cobra seu preço. Do novo “mundo do trabalho” seguiu-se a formação de uma massa de indivíduos sem identidade, fragmentados, abandonados à própria sorte, permanentemente ameaçados de serem lançados às margens de um sistema que, com a mesma velocidade, promete e retira suas perspectivas de futuro. Se o mundo globalizado, como explica David Harvey, caracteriza-se pelo imperativo da mudança permanente, pelo rápido giro temporal exigido pelos novos padrões de acumulação capitalista, o temor e a insegurança daqueles – a maioria – que não podem usufruir das eventuais benesses desse novo modo de vida, ou que se tornaram vítimas em potencial de sua volubilidade intrínseca, torna-se inevitável. Tanto quanto são inevitáveis suas repercussões éticas.

Com efeito, o cenário rapidamente descrito proporciona, dentre outras coisas, o surgimento daquilo que, há quase duas décadas, Immanuel Wallerstein alertava como sendo “a era do grupismo”. Ao afrouxamento do tradicional processo de subjetivação calcado na articulação sujeito-trabalho – logo, em determinada relação de pertencimento do indivíduo à sociedade –, surgiam tentativas múltiplas, difusas, frequentemente contraditórias, da sempre necessária constituição de subjetividade e socialização, a partir do atrelamento individual a um grupo qualquer que transmita algum sentido de pertencimento – uma comunidade religiosa, uma torcida organizada, uma gangue etc. Ocorre que, nesse momento de fragmentação absoluta, o “grupismo” exige, como condição de funcionamento, a construção de seu outro, a partir do qual o grupo, ente fechado em torno de seus membros, pode se reconhecer enquanto tal, garantindo sua unidade e coesão. Em outros termos, a identidade particular do grupo se forma pela oposição com seu exterior – o diferente, o adversário, o inimigo, o infiel.

O que se insinua aqui é que este quadro global complexo, em que elementos materiais, políticos e éticos se entrelaçam, permite a um outsider como Trump atacar um problema real – a crescente (ameaça de) penúria material provocada pelos processos econômicos e políticos de precarização do trabalho, com suas consequências objetivas e subjetivas – através de fórmulas simplistas, mas de fácil assimilação, porque seu eixo não se volta para o futuro, fatalmente incerto – e, portanto, indesejável diante da instabilidade corrente daquela massa –, mas se dirige à fixidez do passado (real ou imaginário, pouco importa). Numa palavra, promete restabelecer a “segurança” de um suposto tempo “glorioso”, “puro”, desde que tudo aquilo que se interpõe à concretização desse ideal – ou seja, todos aqueles “outros” que seriam responsáveis pelas transformações que culminaram no presente – seja removido. Desse modo, o magnata forneceu para seu eleitorado, acima de tudo, uma identidade grupal sólida (de cunho extremamente nacionalista, proto-fascista), capaz de transmitir àqueles que se sentem ameaçados pelos dissabores econômicos, e abandonados pela “política tradicional” – isto é, que sentem a falência da democracia guiada pelos políticos do establishment –, uma nova forma de integração e de subjetivação, calcada em um conflito permanente contra seu “outro”, mas no qual, aqueles que “nada têm a perder”, mostram-se dispostos a se engajar.

O desfecho desse cenário, evidentemente, é trágico: se a política é, por essência, democrática, e demanda uma ética de respeito e diálogo com o outro, como sugeria Hannah Arendt, o que se tem aqui é o triunfo da anti-política, de uma ética às avessas, por assim dizer. Ambas costuradas sobre o tecido da crise da sociedade capitalista neoliberal, mas que, como se nota, passam longe de resolvê-la.

Ademais, para além da importância que a eleição norte-americana tem para o mundo, é preciso notar que algo semelhante se passa, dentro de nossas idiossincrasias, no Brasil. Com efeito, na esteira do contexto de criminalização da esquerda (em sentido bastante amplo) que teve como ápice o recente processo de impeachment, o crescente apoio a discursos extremistas, o fortalecimento do poder das igrejas evangélicas, os projetos que visam suprimir o pensamento crítico-formativo das escolas etc., são sinais da construção progressiva de uma práxis política anti-democrática, de uma ética da beligerância típica do proto-fascismo que encontrou em Trump um porta-voz global. O que resta é saber se aqui, como lá, o desfecho será o mesmo.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Heidegger e a "destruição" da metafísica

Via de regra, os estudiosos de Heidegger dividem seu pensamento em duas grandes fases. Uma primeira até o final da década de 1920, sintetizada em sua obra magna, Ser e tempo, e outra, que se inicia com a preleção O que é metafísica, de 1929, e se estende até sua morte, em 1976. Em comum, ambas têm como pano de fundo aquela que Heidegger considera ser a questão fundamental a filosofia: a questão sobre o sentido do ser.

A questão do ser, die Seinsfrage, é pensada por Heidegger à luz de uma “destruição” (Destruktion) ou “desconstrução” (Abbauen) de todo o pensamento metafísico ocidental. Para compreendê-la, é preciso inicialmente distinguir duas acepções do termo ser. Há o verbo ser, empregado no sentido de existir (ser vermelho, ser mesa, ser mulher, se etc.), e o substantivo (um ser vivo, um ser humano, um ser divino etc.). Heidegger emprega o vocábulo ente (Seiende, no alemão) para esta última acepção, e deixa a palavra ser (Sein) exclusivamente para a primeira. Todo ente é, está presente, existe. Mas, todo ente tem um ser: o ser da mesa, o ser da cadeira, o ser do homem etc. Heidegger denomina diferença ontológica essa distinção entre ser e ente.

À luz dessa tese, Heidegger observa que o pensamento filosófico consolidado após Platão e Aristóteles, progressivamente desrespeitou essa diferença, “esqueceu o Ser”, tratando-o como ente, objetificando-o. Por exemplo, se me pergunto “o que é essa mesa?”, posso fazer um inventário de todos os seus predicados: é retangular, é de madeira, é marrom etc. Contudo, a soma desses predicados não é capaz de dar conta do que é esse “é” da mesa. O ser da mesa ultrapassa essa soma e, ao mesmo tempo, não é nenhum desses predicados. Por isso, Heidegger vale-se da construção alemã Es gibt  para indicar o Ser. No português corrente, traduzimos essa expressão por “há”. Es gibt etwas hier, por exemplo: “há algo aqui”. Mas, a rigor, a expressão alemã indica um “dá-se” (es é um pronome pessoal indefinido, análogo ao it inglês, e gibt é a conjugação da terceira pessoal do singular verbo geben, “dar”). Literalmente, portanto, es gibt significa: “algo se dá”. Assim, es gibt einen Tische, é, em português corrente, traduzido como “há uma mesa”. Mas, seguindo a indicação de Heidegger, seria preciso traduzir como “algo se dá uma mesa”. E o que seria esse algo? O Ser. O Ser dá-se uma mesa, isto é, torna-a presente, aqui, diante de mim, ao lado da parede etc. Pelo pensamento, eu acolho esse “dar-se” do ser.

Contudo, convém sublinhar: o ser heideggeriano não é a “coisa em si” inapreensível de Kant, o “Espírito” hegeliano, ou a “vontade de poder” de Nietzsche. Todas essas construções, para Heidegger, são indicativas da tentativa de tornar o ser um ente. As coisas não “escondem” nada atrás de suas aparições, como observa o mestre intelectual de Heidegger, Husserl, pai da fenomenologia. As coisas são o que são em sua aparição. O Ser é aquilo que torna as coisas presentes e se revela por essas coisas – é ser do ente –, ao mesmo tempo em que não se confunde com elas. Nesse sentido, o Ser não é, é Nada (Nichts).

Ora, é esse paradoxo que, na visão de Heidegger, os primeiros filósofos (os pré-socráticos, sobretudo, Parmênides e Heráclito) observaram e tentaram expressar em suas filosofias. Entretanto, a confusão oriunda da ambiguidade do termo ser (como verbo e como substantivo, como indicado no início), resultou no esquecimento do Ser. Assim, a distinção socrático-platônica entre o mundo sensível e o inteligível, a cadeia aristotélica de ser que culminava no “Primeiro motor”, o Deus tomista ou de Descartes, todas essas construções são indicativas daquele esquecimento, pois, nelas, o que se fez foi tomar o Ser como um objeto que servisse de Grund, solo, fundamento, ponto fixo a partir do qual o pensamento poderia se mover. Por isso, diz Heidegger, é preciso “destruir” toda a metafísica para recuperar o verdadeiro sentido do Ser.

Em grandes linhas, é esse agenciamento que ocupará o conjunto da reflexão heideggeriana. Nesse sentido, o que fundamentalmente distingue as duas grandes fases de seu pensamento é que, na primeira, o filósofo busca desvendar o sentido do ser por meio de uma investigação analítica do ente cujo modo de ser é, nele mesmo, uma indagação sobre o sentido do ser – o ser humano – ao passo que, na segunda, a reflexão é deslocada para a tentativa de desvelamento do Ser nele mesmo.

Expliquemos. Em Ser e tempo (Sein und Zeit), Heidegger assinala que o ser humano o único ente que pode questionar o ser. Para indicá-lo, porém, o autor rejeita o uso dos conceitos antropológicos tradicionais, bem como aqueles usualmente empregados pela tradição: eu, mente, espírito, alma etc. O ente que se coloca a questão sobre o Ser é Dasein, traduzido literalmente como “ser-aí”. Apenas Dasein pode compreender o Ser, indagar seu sentido. Como? Encontramo-nos no mundo cercados de coisas (isto é, de entes) que nos aparecem como estando “à nossa mão”. Dasein é o ente para o qual a totalidade dos entes aparece, para o qual um mundo. Dasein é ser-no-mundo (In-der-Welt-sein). Ao relacionarmo-nos com essas coisas, nos ocuparmos desse mundo e estabelecemos nossos possíveis. Através deles, isto é, da tentativa de realizá-los, podemos compreender nossa existência e, por conseguinte, o Ser. Por isso, a relação com o mundo é relação consigo mesmo e vice-versa. Para explicar essa relação, Heidegger a define como cuidado (Sorge). Nossa relação, a relação de Dasein com o mundo (e aí incluso si mesmo e os outros) é uma relação de cuidado.

Sem adentrar na “analítica existencial” de Ser e tempo (isto é, a explicitação das categorias através das quais é possível compreender Dasein) e seus temas palpitantes, como a angústia, a alienação e a morte, o que mais interessa aqui é demarcar uma segunda distinção capital, desta vez no plano dos entes (plano que Heidegger denomina ôntico). Todo ente, toda coisa, é. Apenas Dasein, o ser humano, existe. Existir é se fazer presente, em cada momento, “aí”, no mundo, em uma determinada situação. Heidegger nota que “existir” vem de ec-sistire, a partícula “ec” sinalizando um lançar-se no mundo, para frente, ser-fora-de-si-mesmo. Eis porque, para Dasein, fala-se em possibilidade – algo que não existe para os objetos em geral, que são o que são. Contudo, nem tudo é possível para a realidade humana. Ao existir, deparamo-nos, cada um de nós, com aquilo que Heidegger denomina de facticidade. Esta nada mais é do que o conjunto de circunstâncias que permite a cada indivíduo fazer determinadas projeções em detrimento de outras, alcançar certas realizações e não outras etc. Assim, como não é um dado inerte, a existência, para Heidegger, só pode ser pensada como uma interrogação permanente em torno dessa facticidade, desse lançar-se no mundo em busca de concretizar suas possibilidades. Portanto, Dasein ec-siste no tempo.

Por isso, o filósofo por vezes trata sua filosofia inicial como uma “fenomenologia hermenêutica”. Mas, diferentemente do emprego antigo do termo, a hermenêutica aqui não diz respeito à interpretação de textos, mas interpretação da própria existência e, através dela, do sentido do ser. O Ser, diz Heidegger, é aquilo que se revela em seu encobrir-se, aquilo que se encobre ao revelar-se. É abertura. Como a abertura entre as árvores numa floresta, que não é nem uma árvore em particular, nem seu conjunto, nem o solo, nem o céu etc., mas é aquilo pelo qual a floresta se apresenta. O ser é ele mesmo. Ser ele mesmo, é ser essa abertura, é Es gibt mencionado no início, e, portanto, é ser Nada. O Nada pelo qual as coisas positivamente podem ser, existir. O “dar-se” do ser é, enfim, temporal. Quer dizer, o tempo é a condição sem a qual não existe o ser, desde que este seja entendido a partir do ser do ente que se pergunta sobre o ser, isto é, a partir de Dasein, da realidade humana. Só no tempo é que Dasein se projeta, se ocupa e cuida do mundo e, com isso, pode trazer à luz esse mistério do Ser.

Na segunda fase de seu pensamento, Heidegger desloca sua atenção para apreender a “Verdade do Ser”. O ser, como dito, é um processo de ocultar-se e revelar-se. Por isso, sua verdade não pode ser pensada ao modo tradicional, como “convergência do pensamento e da coisa”, típico da metafísica a ser combatida. Afinal, o Ser não é coisa. Com efeito, a “verdade do Ser” é aletheia, termo grego que, em sentido literal, significa “não-esquecido” ou “descoberto”. A verdade do ser é anunciada pelo Ser. Por isso, o Ser é linguagem, e o ser humano é o guardião da verdade do Ser, o responsável por atender seu apelo e explicitá-la. É pela linguagem, não obstante suas limitações intrínsecas, sobretudo a poesia, que o Ser revela-se em seu próprio ocultamento.

Para além da tecnicidade do vocabulário heideggeriano, e de certo misticismo nele e nesse modo de tratar o Ser, há um desdobramento ético-político dos mais interessantes (nada a ver, sublinhe-se, com as relações do autor com o nazismo, o que é outra história) no modo como Heidegger lê a história da filosofia – ou seja, a formação da própria racionalidade ocidental – enquanto “esquecimento do ser”. Ele se encontra presente no entrecruzamento da “objetificação” do ser com o domínio da técnica na modernidade, o que conduz, no entender do filósofo, a uma existência alienada, inautêntica, típica de nossa era, e que tem importantes pontos de convergência com a tematização da alienação em Marx. Contudo, dada sua extensão, em breve tentarei dedicar outro post exclusivamente a essa questão.

domingo, 29 de maio de 2016

Vivemos um "estado de exceção"? Considerações a partir de Agamben

Uma das pautas que se impõe atualmente na política brasileira, intensificada após o afastamento da presidenta Dilma, é a de que estaríamos vivendo em um “estado de exceção”, no qual direitos e garantias constitucionais estariam sendo aplicados (ou não) de forma discriminatória. Para ajudar nessa discussão, é útil recuperar a tematização proposta pelo filósofo italiano Giorgio Agamben, que deu novo fôlego na contemporaneidade no tratamento da exceção.

Publicado em 2003, na esteira das primeiras movimentações do governo norte-americano após 11 de setembro, Estado de exceção se inscreve na perspectiva do projeto  de setembro, Homo sacer, iniciado na década de 1990, no qual se trata de rediscutir a biopolítica de Michel Foucault através de um cruzamento original dos pensamentos de Hannah Arendt e da Escola de Frankfurt (notadamente, Walter Benjamin). Como ponto de partida, Agamben adota a ideia do Direito como mecanismo que defende e ameaça a vida concomitantemente. Em Estado de exceção, particularmente, trata-se de reconstruir o conceito jurídico-político que dá título à obra, definindo o estado de exceção como uma zona de indistinção que está simultaneamente dentro e fora do direito. A vida humana, neste caso, é capturada como mera “vida nua”. Ou seja, na suspensão do direito, a vida fica desprotegida como pura vida natural, não pertencendo mais às pessoas, mas à vontade, ao arbítrio do soberano, que tem o poder de suspender os direitos e, como consequência, a ordem jurídica.

Aqui, Agamben recupera um debate conceitual entre Carl Schmitt, jurista alemão partidário do nazismo, e Walter Benjamin – cuja morte se deveu exatamente à perseguição nazista aos judeus. Para Schmitt é o soberano quem decide sobre o estado de exceção, na medida em que se encontra incluído no direito a sua própria suspensão. Ou seja, o estado de exceção se inscreve no contexto jurídico, conquanto sua efetivação implique na “suspensão de toda ordem jurídica”. Nas palavras de Schmitt, “o estado de exceção é sempre algo diferente da anarquia e do caos e, no sentido jurídico, nele ainda existe uma ordem, mesmo não sendo uma ordem jurídica”.

Benjamin, por seu turno, inverte a concepção de Schmitt. Não se trata de uma decisão do soberano aplicá-lo, mas evitá-lo, pois, segundo o autor, “quem reina já está desde o início destinado a exercer poderes ditatoriais num estado de exceção, quando este é provocado por guerras, revoltas ou outras catástrofes”. Nesse sentido, cumpre relembrar a VIII tese sobre a história, escrita em 1940 – que será importante para o entendimento de Agamben – na qual Benjamin proclama: “A tradição dos oprimidos nos ensina que o ‘estado de exceção’ em que vivemos é na verdade a regra geral. Precisamos construir um conceito de história que corresponda a essa verdade. Nesse momento, perceberemos que nossa tarefa é originar um verdadeiro estado de exceção; com isso nossa posição ficará mais forte na luta contra o fascismo. Este se beneficia da circunstância de que seus adversários o enfrentam em nome do progresso, considerando como uma norma histórica. O assombro com o fato de que os episódios que vivemos no século XX ‘ainda’ sejam possíveis, não é um assombro filosófico. Ele não gera nenhum conhecimento, a não ser o conhecimento de que a concepção de história da qual emana semelhante assombro é insustentável”.

Para Agamben, o estado de exceção é uma zona de indistinção, ou seja, não é nem exterior, nem interior ao ordenamento jurídico. Assim, o problema de sua definição encontra-se, justamente, em uma esfera de indiferença em que dentro e fora não se excluem, mas se indeterminam. Destarte, suspender a norma não implica em sua anulação, ao passo que a zona de anomia, indeterminação, não é destituída de relação com a ordem jurídica.

Com efeito, o estado de exceção é um vazio de direito porque é um “espaço anômico onde o que está em jogo é uma força-de-lei sem lei”, portanto, força-de-lei. Trata-se, segundo Agamben, de “um estado da lei em que, de um lado, a norma está em vigor, mas não se aplica (não tem força) e, em que de outro lado, atos que não têm valor de lei adquirem sua força é essa indefinibilidade e a esse não-lugar que responde a ideia de uma força-de-lei. [...] a força-de-lei, separada da lei, o imperium flutuante, a vigência sem aplicação e a ideia de uma espécie de ‘grau zero’, são algumas das tantas ficções por meio das quais o direito tenta incluir em si sua própria ausência e apropriar-se do estado de exceção, ou, no mínimo, assegurar-se uma relação com ele Assim, consequentemente, o estado de exceção se configura como um espaço de indistinção que conjuga o vazio de direito no espaço anômico, como um vazio e uma interrupção do direito. O estado de exceção é uma zona de indiferença entre o caos e o estado da normalidade, uma zona de indiferença capturada pela norma, de modo que não é a exceção que se subtrai à norma, mas ela que, suspendendo-se, dá lugar à exceção”.

Em outras palavras, o estado de exceção é “a abertura de um espaço em que aplicação e norma mostram sua separação e em que uma pura força-de-lei (isto é, aplica desaplicando) uma norma cuja aplicação foi suspensa. Desse modo, a união impossível entre norma e realidade, e a consequente constituição do âmbito da norma, é operada sob a forma da exceção, isto é, pelo pressuposto de sua relação. Isso significa que, para aplicar uma norma, é necessário, em última análise, suspender sua aplicação, produzir uma exceção. Em todos os casos, o estado de exceção marca um patamar onde lógica e práxis se indeterminam e onde uma pura violência sem logos pretende realizar um enunciado sem nenhuma referencia real”.

Recuperando a intuição de Walter Benjamin, Agamben defende que o estado de exceção, enquanto paradigma de governo, tem se tornado regra nas instituições políticas contemporâneas. Nesse sentido, o filósofo assinala o paradoxo da soberania (a exceção como regra), o investimento na vida pelo poder (o biopoder), e a falsa universalidade do projeto moderno (principalmente com relação aos diretos humanos e à liberdade). A partir dessas considerações, Agamben visa entender o movimento que leva a excepcionalidade como um mecanismo de suspensão da ordem jurídica tornar-se um paradigma de governo eminentemente presente na política contemporânea – inclusive nas democracias mais avançadas.

Assim, diante da necessidade de responder a uma situação de emergência qualquer (política, militar, econômica), os governos (mesmo os democráticos) adotam uma série de medidas de cunho totalitário, sob a justificativa de que tais medidas serviriam para proteger o Estado e suas instituições. Por conseguinte, estes argumentos confeririam caráter jurídico às situações não contempladas ou sequer previstas pela normalidade constitucional.

À luz dessas considerações, é possível afirmar que o Brasil vive um estado de exceção? Creio que a resposta seja: parcialmente, sim. Afinal, se não vivemos um momento de suspensão completa do direito, das garantias individuais etc., há em curso um processo que, a meu ver, atesta a legitimidade daquela hipótese.

É preciso esclarecer: para além de quaisquer julgamentos acerca da política econômica ou outras decisões tomadas pelo governo Dilma, houve, nos últimos anos, um fator de desestabilização da ordem política brasileira, a Operação Lava Jato, a partir da qual aquele estado de exceção começou a se desenhar. Ora, como os áudios divulgados nos últimos dias reforçam, essa tem sido a grande preocupação da classe política nacional, de um espectro a outro. Mas, vale lembrar que, inicialmente, a Lava Jato estava claramente destinada a enfraquecer ou mesmo extinguir um grupo político específico – basta ver sua circunscrição aos governos petistas, quando se sabe tratar-se de um problema muito mais antigo, o que já é um prenúncio de um estado de exceção. Contudo, a partir de certa altura, ela parece ter saído do controle, exigindo uma intervenção direta do centro do poder para sua detenção. Diante da recusa de Dilma em participar – ao menos, no grau esperado – desse conluio, a solução foi aplicar a ela o processo de impeachment, sob qualquer pretexto minimamente contemplado no texto constitucional (exatamente para que não se configurasse a ideia de golpe e, portanto, de excepcionalidade). A partir desse momento, o que se tem é a propagação de ideias e movimentos destinados a criar um contexto de insegurança jurídica e intensificação de perseguições (especialmente pelo mau uso do mecanismo de delação premiada), com o intuito de reverter os estragos políticos das investigações em curso, redimensionando-as à esfera previamente estabelecida, isto é, o governo Dilma, Lula e o PT.

Diante disso, cabe indagar: será possível retornar a esse status quo ante? Pessoalmente, duvido. A percepção de que o desenrolar do presente nos encaminha  para um estado de exceção pleno – no qual o arbítrio extrapole ainda mais os atuais limites, ainda que sob roupagem “democrática” – é cada vez mais nítida. E a própria dinâmica da realidade parece se opor – e se impor – àqueles que desejavam apenas “acabar com a raça da esquerda”.


domingo, 27 de março de 2016

Sobre "2 pesos e 2 medidas" - ou como tentar fugir dele

Em um momento de profunda polarização política como o que vivemos, no qual, de lado a lado, as pessoas tendem cada vez mais a se agarrar a verdades prontas, não raro assumidas muito mais por sentimentos do que por argumentos racionais, é bastante frequente observar contradições e incongruências nos discursos quando se trata de defender um “aliado” ou atacar um “adversário”. E isso não apenas por parte dos envolvidos diretamente, mas também de todos nós que, com maior ou menor atenção, acompanhamos o desenrolar dos fatos políticos em curso. Ora, é desnecessário dizer o quanto isso é prejudicial para o debate que se coloca. 

Nesse sentido, um exercício cotidiano interessante para quem ainda se dispõe ao diálogo e deseja escapar da injustiça dos “2 pesos e 2 medidas” que o atual cenário tem fomentado (e do qual, como se sabe, nem mesmo os operadores do Direito estão imunes), enriquecendo o debate para além das posições de “torcida”, poderia ser o de estabelecer um critério de julgamento ético-político razoavelmente fixo e universalizante.

Sabe-se, desde os impasses advindos com a ética de Kant, que todo critério universal para medir a moralidade de uma ação é problemático. Ainda assim, diante de turbulência atual, e do infindável conflito de versões que ela tem provocado, pode ser útil adotar um parâmetro desse tipo. Se não de modo exclusivista, porque há sempre uma série de nuances a se considerar em casa caso, ao menos como ponto de apoio inicial.

Na prática, isso poderia se materializar, por exemplo, pelo hábito de nos questionarmos honestamente, antes da emissão de qualquer juízo, sobre como procederíamos se a situação fosse inversa àquela que se apresenta. Algumas ilustrações:

- Ajo do mesmo modo, isto é, com a mesma indignação ou condescendência, quando determinado argumento é usado por um adversário ou por um aliado? Por exemplo, para se livrar de alguma denúncia?
- Condeno a conduta imputada a alguém de quem não gosto com a mesma veemência com que a condenaria (se é que condenaria) no caso de a mesma conduta ser imputada a alguém com quem me identifico política e/ou pessoalmente?
- Aprovaria certa fala vinda de alguém que esteja “do meu lado” se esta fosse usada por alguém do “outro lado”?

Como se percebe, respostas divergentes a essas questões (e outras que se pode formular na mesma linha) podem ser um sintoma da adoção de um julgamento que não prima pela justiça e pela coerência. Contudo, não se trata de um diagnóstico definitivo. Pois, como alertei acima, todo critério de julgamento ético universal tende a criar embaraços, justamente porque as situações de sua aplicação mudam, e também precisam ser avaliadas em suas particularidades. Além disso, no caso das questões políticas, frequentemente não há simetria entre os lados em disputa. Por isso, essa sugestão é insuficiente se adotada de modo exclusivo. No entanto, poderia servir pelo menos como uma baliza inicial para racionalizar um pouco esse turbilhão de juízos que inundam as redes sociais, e evitar incoerências que acabam por dirimir a legitimidade dos discursos e insuflar ainda mais os ânimos.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Escassez, economia e vida social em Sartre e Marx


A noção de escassez (rareté), estabelecida na Crítica da razão dialética, é, sem dúvida, das mais controversas do universo teórico de Sartre. Segundo o filósofo, o que marcaria o início de nossa História não seria apenas o fato de o homem buscar satisfazer suas necessidades, como Marx sugeria, mas a impossibilidade de satisfazê-las plenamente. De fato, haveria um descompasso entre os recursos naturais/materiais forçosamente finitos e as necessidades humanas tendencialmente infinitas. Embora não seja necessária (poderia haver um planeta sem escassez, diz Sartre), a escassez seria, na prática, universal. Em nossa sociedade, a escassez demarca o limite externo da ação prática dos homens no mundo. Na visão de Sartre, os indivíduos, organismos “primeiramente separados”, se unem para lutar contra a escassez. Criam objetos, ferramentas etc. com o intuito de dominar a natureza e minimizar a penúria originária, relaxando a pressão por ela exercida. Criam, por conseguinte, as condições materiais de sua reprodução. Numa palavra, fazem história.

A escassez fundamental promove uma unidade negativa de todos enquanto incompletude, efetiva “impossibilidade de viver”. O resultado é dramático, na medida em que a própria coexistência, que a princípio serviria para minimizá-la ou superá-la, com o passar do tempo devém igualmente impraticável. Sob a égide da escassez, explica Sartre, o ser humano se torna um excesso para cada outro, um consumidor em potencial de algo que não existe para todos, que não poderá ser consumido mais tarde etc. Cada um passa, assim, a ser Outro-que-não-eu, um ser inumano, alienígena; um perigo para mim na exata medida em que sou um perigo para o outro. Onde a reciprocidade é alterada pela escassez cria-se o anti-homem: o outro é visto como um excesso, redundante, de trop.

Cumpre ressalvar que não se trata de estabelecer uma essência humana ou de afirmar que o homem seja, naturalmente, “lobo do próprio homem”, como Hobbes acreditava. Na verdade, diz Sartre, “é preciso compreender ao mesmo tempo que a inumanidade do homem não vem de sua natureza, que, longe de excluir sua humanidade, só pode ser compreendida por esta, mas que, enquanto o reino da escassez não tiver chegado ao termo, haverá em cada homem e em todos uma estrutura inerte de inumanidade, que, em suma, nada mais é do que a negação material enquanto ela é interiorizada”.

Assim, em um quadro de escassez, o homem “é objetivamente constituído como inumano e essa inumanidade se traduz na práxis pela apreensão do mal como estrutura do Outro”. Em um segundo momento, a negação externa da natureza em relação ao ser humano é internalizada por cada um, dando origem a todas as formas de luta e violência. A violência, segundo Sartre, é a escassez interiorizada. Logo, até um eventual fim do reino de carências insatisfeitas, apenas ela poderia fundamentar nossa ética.

Diante dessas considerações tecidas duas observações se impõem. Em primeiro lugar, chama a atenção o fato de Sartre, visando se acomodar nas coordenadas do materialismo histórico (este é o sentido último da Crítica da razão dialética), utilizar uma categoria consagrada pela economia política clássica (“burguesa”) para impulsionar sua dialética. Afinal de contas, é justamente a ideia de uma inadequação a priori entre meios e fins, a finitude de todos os recursos diante das necessidades humanas potencialmente infinitas que, na leitura daqueles economistas, justificaria a organização social a partir de uma economia do tipo mercantil, a única supostamente orientada de modo racional, pelo princípio do “uso eficiente dos recursos escassos”. Ora, o que o marxismo demonstra é que essa inadequação, que rege os princípios mercadológicos, longe de ser causa de uma determinada organização econômica, é, na verdade, sua irremediável consequência: a forma que assume essa relação entre fins e meios em uma dada sociedade, a partir da realidade de suas forças produtivas e de suas relações de produção.

Deste excêntrico alinhamento decorre, em segundo lugar, uma universalização da escassez que não encontra respaldo em certas formações econômico-sociais. O antropólogo Marshall Sahlins, por exemplo, demonstra, em Stone Age Economics, que, ao contrário do que a antropologia econômica apregoava, a sociedade dos antigos caçadores-coletores não era uma sociedade marcada pela falta, mas pela afluência. Conforme explica Sahlins, a economia das sociedades paleolíticas não poderia ser definida como uma economia de subsistência. Pelo contrário: analisando dados etnográficos e pesquisas de campo feitas com diversas tribos ao redor do globo, Sahlins conclui que, trabalhando pouco (três a quatro horas por dia), os nômades caçadores-coletores viveriam, antes, em uma economia de abundância.

Isso não significa que não houvesse momentos de penúria e privação; ocorre que estes momentos eram contingentes, acidentais. É verdade que o “modo de produção doméstico”, típico do período, se caracteriza por uma sub-produção, quer dizer, pelo não-uso de toda a capacidade produtiva disponível (esta mesma muito baixa). Mas isso se adequaria, segundo Sahlins, com o modo de vida extremamente ascético dos membros dessa sociedade (chamada de “via Zen”), o que a tornaria, de fato, afluente. Dito de outro modo, as necessidades de todos podiam ser facilmente satisfeitas porque suas necessidades eram extremamente limitadas. Mas essa prodigalidade nada teria a ver com o medo de alguma forma de escassez natural. Como observa Sahlins, essas sociedades estavam longe de conhecer estruturas como o “mercado”, em que a escassez se torna uma preocupação real. Tampouco ecoa o asceticismo burguês do início do capitalismo. Diz Sahlins: “Adotando a estratégia Zen, uma pessoa pode gozar de uma plenitude material sem paralelo – com um baixo padrão de vida. Isso, acredito, descreve os caçadores. E ajuda a explicar alguns de seus mais curiosos comportamentos econômicos: sua ‘prodigalidade’, por exemplo – a inclinação para consumir de uma vez todos os estoques disponíveis, como se eles o tivessem produzido. Libertos da obsessão do mercado pela escassez, as propensões econômicas dos caçadores podem ser mais consistentemente predicadas pela abundância do que as nossas próprias”.

Essas observações, de fato, não autorizam a estender a escassez como um dado presente em toda e qualquer sociedade humana, especialmente do modo trágico operado por Sartre. Curiosamente, Marx e Engels já o tinham notado, inclusive através da análise parcial do assim chamado “comunismo primitivo”, sendo criticados pelo filósofo francês justamente por minimizarem o papel da escassez na conformação da vida social, em especial desses povos.

A escassez – com a violência dela decorrente – não é, para Marx, uma determinação natural intrínseca à vida material, mas uma construção social, ligada ao grau de desenvolvimento das forças produtivas, em consonância com as relações de propriedade estabelecidas numa determinada sociedade. É verdade que poderia ser alegado, contra Marx e a favor de Sartre, que a escassez como um dado natural tem se verificado recentemente, depois de séculos de depredação capitalista, através de pesquisas que demonstram a humanidade prestes a atingir os limites da “sustentabilidade” do planeta. Marx, sem dúvida impregnado pelo espírito de sua época, jamais pautou seriamente a questão das limitações intrínsecas de nossos recursos naturais, confiando no aumento crescente e aparentemente ilimitado das forças produtivas que forneceriam o pré-requisito material da passagem do capitalismo ao comunismo. Ora, uma vez descartada essa possibilidade, um crítico poderia concluir que o projeto comunista marxiano não encontraria mais lugar diante da realidade do século XXI. Há, aliás, quem se baseie nessa tese para argumentar que o planeta não comportaria um padrão de vida minimamente decente para todos, uma vez que, para isso, a produção deveria aumentar a tal ponto que terminaria por esgotar rapidamente com todos os recursos terrestres.

Não obstante, convém fazer algumas ressalvas, que podem ajudar a situar melhor o problema: em primeiro lugar, que o desenvolvimento crescente das forças produtivas, para Marx, seria positivo na medida em que possibilitasse aos homens tomarem para si o controle do processo de produção, isto é, superassem a alienação. Provavelmente, Marx hoje não objetaria que o desenvolvimento contínuo das forças produtivas sob a égide do capital – portanto, sob o controle de uma lei cega, encerrada em si mesma – potencialmente coloca a vida humana em risco diante dos limites evidentes do planeta. Em segundo lugar, Marx é um dos primeiros teóricos do capitalismo a observar que, neste regime, a ciência foi definitivamente incorporada ao processo produtivo. Sabe-se que o desenvolvimento científico possibilita, atualmente, uma utilização e uma reutilização muito mais eficiente dos recursos naturais do que, por exemplo, em décadas passadas. Neste caso, não parece equivocado supor que a ciência poderia criar formas de harmonização entre o requisito do desenvolvimento das forças produtivas e os limites dos recursos planetários – o que, em alguma medida (isto é, na medida em que interessa à reprodução capitalista), já acontece, mas que poderia ser exponencialmente aprofundada se a ciência pudesse se desamarrar da lógica do mercado.

Ademais, é preciso lembrar que, para Marx, produção, distribuição e consumo formam uma totalidade. A produção, diz o filósofo nos Grundrisse, “cria os consumidores. (...). [Ela] não apenas fornece à necessidade um material, mas também uma necessidade ao material”. Assim, é plausível supor que uma produção planejada, racional e democraticamente orientada, poderia dar ensejo a uma dinâmica de consumo diferente da contemporânea (aquela que, no linguajar cotidiano, se costuma chamar de “consumismo”) – o que os críticos de direita do marxismo não conseguem supor, uma vez que associam “o homem”, com suas necessidades e desejos “inatos”, ao homo economicus (neo)liberal. De fato, essa nova forma de produção poderia, inclusive, prescindir da lógica do aumento contínuo da produção que rege a economia capitalista, tendo em vista que nosso atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas (em nível global) poderia garantir, já hoje, ao menos a satisfação das necessidades básicas de todos os habitantes do planeta, caso a distribuição de bens, recursos e tecnologias fosse pautada por uma lógica internacionalmente mais igualitária. Assim, mesmo diante dessa realidade que nem Sartre, e muito menos Marx, conheceram, não parece adequado classificar a escassez em si como um problema, como depreendemos da Crítica da razão dialética. Tampouco como um impedimento a priori de se pensar uma nova forma superior, mais justa e equilibrada de organização social. Com efeito, a escassez de parte dos recursos terrestres torna-se efetivamente problemática – e fonte de violência, conflitos, guerras etc. – na medida em que ela é originada pela lógica inumana do capital e, ao mesmo tempo, serve à sua perpetuação.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

O finito e o infinito: considerações sobre Deus, a morte e o sentido da vida - parte II

Cena do filme O sétimo selo
Como dito na primeira parte deste post, pensar em nós como uma simples parte produzida (e destruída) pelo universo em nome de seu próprio processo de existência conduz aos problemas da morte e da vida humanas. E, aqui, poderia invocar dois outros longas-metragens, ambos do diretor sueco Ingmar Bergman, que ilustram bem algumas hipóteses oriundas daquela perspectiva: Morangos Silvestres e O sétimo selo.

Com efeito, do prisma que tento adotar, os dois filmes se complementam: no primeiro, o professor de medicina Isak Borg, em viagem para receber um prêmio pelos cinquenta anos de carreira, revive momentos marcantes de sua vida, ao mesmo tempo em que é atormentado pela iminente da morte. No segundo, um cavaleiro medieval, voltando das Cruzadas, em plena época da Peste, se depara com a Morte (encarnada). Na esperança de encontrar um sentido para sua existência e compreender Deus, o cavaleiro propõe um jogo de xadrez com a Morte que, enquanto durasse, prolongaria sua vida, permitindo-lhe uma última chance de realizar aquela procura. O que é possível depreender de uma conjunção dos filmes de Bergman, dentre outras coisas, é a articulação entre a inexistência de um sentido a priori para a vida (a vida de Borg poderia ter sido outra, e ao relembrá-la, ele não parece tão contente com o rumo que ela tomou, especialmente em termos amorosos) com a inevitabilidade da morte (que faz questão de ressaltar que nunca perdeu, nem perderá, uma partida de xadrez); logo, que não haveria sentido em questionar o porquê de tudo – porque, efetivamente, não haveria qualquer sentido (e por que deveria haver?).

Em paralelo, remeto o leitor à série de TV norte-americana House M.D., terminada em 2012, mas integralmente disponível no Netflix. Ao tentar – e frequentemente conseguir – desvendar mistérios médicos através de diagnósticos diferenciais, o misantropo Dr. House, ao mesmo tempo em que se vê frequentemente afrontado pela morte em seu aspecto mais vertiginoso (“espiritual”, poderia se dizer), obriga sua equipe a tratar os pacientes de modo estritamente objetivo, a ponto de reduzi-los a uma série de reações físico-químicas cientificamente explicáveis – e que House tenta, a todo custo, prolongar. Essas duas situações concorrentes, que causam uma série de conflitos entre House e seu staff, ilustram certo modo de abordar o problema da relação de nosso “interior”, (consciência, alma, espírito etc.) e nosso “exterior” (o corpo). Conceitualmente, essa abordagem se encontra referenciada na perspectiva dualista (alma e corpo como duas substâncias antagônicas), que tantas linhas custou à Filosofia desde Descartes, mas que, não por acaso, já havia sido tematizada, séculos antes, por Santo Agostinho. Não por acaso porque, da perspectiva cristã, afirmar aquele dualismo é imprescindível. Alma e corpo devem ser dois elementos distintos, pois, enquanto a alma é a fonte de uma possível salvação, o corpo é um obstáculo à comunhão com Deus, sendo a fonte primordial de todos os pecados. Assim, a transcendência divina se comunica exclusivamente com a alma. O corpo físico está destinado a desaparecer, mas o espírito, se salvo, seria agraciado com uma vida eterna.

No entanto, se recusarmos a hipótese de um Deus transcendente (logo, não havendo nada a que imputar o “pecado” ou a “salvar”) esse dualismo também perde sua função. Isso, porém, não obrigaria a optar entre as alternativas de que somos seres exclusivamente materiais ou exclusivamente corporais. Na verdade, poderíamos considerar que somos ambos ao mesmo tempo, isto é, que consciência e corpo coexistem em uma relação de reciprocidade mútua, sem privilégio ao polo interior, como defendem as filosofias pós-cartesianas ou as religiões monoteístas. Quer dizer, talvez sequer seja possível, como Merleau-Ponty insinuava, separar, ainda que analiticamente, consciência e corpo...

Mas, ainda que se recuse a opção cartesiana de uma separação absoluta entre aquelas duas substâncias que comporiam o ser humano, me parece inegável que ela ilustra uma dificuldade prática. Com efeito, entendo que, se estivéssemos certos daquela separação, isto é, da possibilidade de salvação da parte mais importante de nós, talvez fossemos mais dispostos a pensar no sentido da vida e tivéssemos menos receio de abordar a morte. Contudo, como se trata de uma questão de fé, tão logo começamos a meditar sobre estes assuntos, sentimos certo incômodo. Não é casual, me parece, que a maioria das pessoas, consciente ou inconscientemente, fuja desse tipo de reflexão, considerando-a estéril (o que, dentre outros motivos, pode ajudar a explicar a impopularidade da Filosofia...).

Assim, poderíamos supor que essa imbricação mútua de alma e corpo, matéria e consciência, é o que ao mesmo tempo motiva e dificulta abordar as questões sobre e vida e morte que, por exemplo, este texto trata. Com efeito, para a ciência, não há dúvida de que compartilhamos a matéria, inclusive em nossos corpos, com todo o restante do universo. Somos, como disse no post anterior, poeira estelar, tendo, ipso facto, uma relação umbilical com tudo que nos cerca. Ao mesmo tempo, porém, essa relação se mostra desoladora. Pois, o fato de sermos conscientes de nossa pequenez, sugere que pudéssemos ser algo mais do que “caniços pensantes”, como definia Blaise Pascal.

É claro que, por termos consciência dessa insignificância, procuramos contorná-la. Via de regra, utilizando nossa imaginação (mitos, religiões, lendas e crendices em geral). O próprio pensador francês valia-se deste paradoxo para justificar sua “aposta” na fé cristã. Entendo se tratar de um movimento quase natural, espontâneo: seria necessário que tudo isso, a vida, a morte, a dor e o sofrimento, fizessem algum sentido! Raramente paramos para pensar que talvez o faça, mas apenas do ponto do vista do Todo, como sugeria Hegel. No século XX, a física quântica ensinou que a supressão de um único átomo destruiria, de imediato, todo o espaço-tempo universal. Por isso, como já havia observado Lavoisier, “na natureza nada se perde, tudo se transforma”. Entretanto, incomoda-nos pensar que somos apenas parte de uma engrenagem muito maior, e que nosso desaparecimento é mesmo um ponto final em nossa existência tal como a concebemos. Ou seja, que a morte de nosso corpo servirá para dar nascimento a outro e assim sucessivamente, sem privilégios, sem cerimônias e, sobretudo, sem vida em outro plano. E que isso, afinal, seria a fria letra da lei de tudo. Ou, novamente parafraseando Hegel: pensar que o particular, o finito, simplesmente é dissolvido no universal, no infinito, o único que realmente é. Esta seria sua perfeição.

Para a maioria, essa tese é inaceitável. Confesso que, diante da morte de minha avó, mencionada no início, gostaria de refutá-la também. Pois, o que me fez mais sofrer neste caso, menos do que seu falecimento (que, obviamente, doeu bastante, e doeria em qualquer circunstância, dada nossa proximidade afetiva), foi a impossibilidade de dizer um adeus. Será possível que nunca mais voltarei a vê-la? Essa é a pergunta que todos fazemos quando alguém querido nos deixa. E, confesso, é triste pensar que a resposta pode ser afirmativa – eventualmente insuportável. De fato, não há como negar o conforto que traz a fé em uma vida futura, especialmente nos momentos de perda, bem como na da companhia divina, sobretudo quando estamos em dificuldades. Contudo, essa resposta, inicialmente frustrante, poderia positivamente nos abrir a vivenciar o mundo, a nossa existência, nossa relação com os outros e com nosso único e conhecido destino (a morte), de outro modo – um modo, talvez, menos servil e mais saudável para nós mesmos.

Em outros termos, seria preciso verificar o que ganhar fazendo um percurso no sentido contrário do habitual. Ou seja, supondo que a vida nesse pale blue dot (como Carl Sagan definia o planeta Terra) seja tão somente uma manifestação mínima da grandiosidade de um universo espaço-temporalmente infinito. Vivemos em um pequeno planeta, que orbita ao redor de uma pequena estrela, em uma pequena galáxia, em um ponto qualquer de um cosmos mais vasto do que qualquer mente é capaz de supor. E, mesmo neste planeta, somos apenas uma das milhões de espécies que existem ou existiram por aqui (não apenas animais, mas também vegetais, minerais etc...). Fazendo um parêntese pessoal, lembro-me, aqui, de uma frase de minha esposa, no alto da Torre Eiffel, em Paris, ao olhar para os transeuntes lá embaixo: “olha como daqui de cima as pessoas são pequenas, todo mundo fica tão insignificante. Como pode, por exemplo, essas pessoas insignificantes acabarem com nosso dia?...” Se a alguns metros do solo já temos essa percepção – quer dizer, em minha opinião, essa verdade –, imaginem diante da imensidão do universo! Literalmente, para parafrasear Sartre, não somos nada, ainda que muitos pensem o contrário...

Nesse sentido, aceitar a morte como parte da Vida (em maiúsculo, porque não se trata apenas da nossa vida, mas da “vida” do próprio universo enquanto força que tudo rege), aceitar que somos uma ínfima parte de um todo, que estamos intimamente vinculados a tudo o que existe e que, portanto, não somos seres privilegiados, e que tampouco nossa existência estaria sendo guiada por alguma vontade transcendente que um dia viria definitivamente em nosso socorro, poderia nos liberar para experimentar essa conexão imanente entre nós e o todo, para desapegarmo-nos das coisas inúteis (preocupações com dinheiro, objetos, títulos etc.), e vivermos a vida em sua plenitude, enquanto temos essa unica oportunidade. Lembro mais uma vez de Sêneca: “não temos uma vida breve, mas fazemos com que seja assim”. Isto é, perdemos tempo de vida para ganhar coisas que nos tiram a vida. Paradoxal, não?

Talvez seja por isso, pensando numa analogia lúdica, exclusivamente pessoal, é que o lema “rock and roll all night and party every day”, da banda de rock KISS, me tocou desde a primeira vez que o ouvi. Independentemente de seu sentido literal, o que ela (me) sempre me transmitiu é a ideia fundamental de que é preciso aproveitar a vida! Isso, vale dizer, não implica necessariamente em abraçar o puro e simples hedonismo (ou a completa resignação ou niilismo). Acima de tudo, significa assumir a brevidade de nossa existência não como algo a se lamentar, mas como motivo para não desperdiçá-la ou não hipotecá-la em nome de uma vida futura completamente intangível (Dr. House mais uma vez me vem à mente).

Ao mesmo tempo, porém, como seres conscientes, é imperativo notar que nossa atual condição socio-histórica bloqueia ou dificulta para a maioria aproveitar a vida naqueles termos. Também por isso que, para mim, o comunismo, superação do “reino da necessidade” e instauração do “reino da liberdade humana”, sempre fez tanto sentido enquanto modo de organizar nossa vida social. É que, segundo o interpreto, Marx visava, acima de tudo, demonstrar a existência de condições (materiais, históricas, “espirituais”) de nos livrarmos de um modo de existir que privilegia entidades abstratas que nos dominam (o dinheiro, o capital, a propriedade privada etc.), e vivermos de modo a valorizar aquilo que há de mais importante: a própria vida, nossa e de outrem – e repito, sem a expectativa de que ela continuaria em algum momento futuro em outra dimensão. Se não há criação, transcendência, salvação post mortem, o único sentido da existência humana seria aquele que nos damos aqui e agora, como frequentemente sublinhava Sartre. Numa palavra, tornamo-nos livres; logo, igualmente responsáveis por tudo o que fazemos.

Ao fim e ao cabo, se o que foi tramado nestes dois posts tem alguma validade, todos os elementos se inter-relacionariam positivamente. Um novo modo de pensar e encarar a vida – consequentemente, de encarar a morte –, uma nova forma de interagirmos enquanto seres sociais, uma nova relação entre finito e infinito, ser humano e universo (ou Deus, se o leitor desejar manter a denominação religiosa)...

Não nego que esta tese pode provocar dificuldades. Acima de tudo, certo desamparo existencial. Mas, quem sabe, esse desconsolo não resulta apenas de uma expectativa que, criada para resolver um problema, promove outros? Enfim, como alertei desde o início, tratava-se apenas de uma meditação livre, uma divagação. Espero, em outras oportunidades, conseguir desenvolver algumas “pontas” deste texto para além desta epifania – como a questão ética que ele implica, a política, ou mesmo, me aprofundar um pouco mais nesse agenciamento entre o finito e o infinito. Por ora, apenas espero que este texto possa despertar alguma reflexão em quem o acompanhou até aqui.