segunda-feira, 20 de junho de 2011

Notas sobre a Filosofia e a busca pela verdade

Uma das características essenciais do ser humano é a busca pela verdade. É essa busca, aliás, que motiva a existência de uma disciplina como a Filosofia, que tem na investigação da verdade seu maior valor. Conforme observa Marilena Chauí, afirmar esse valor da verdade significa que “o verdadeiro confere às coisas, aos seres humanos, ao mundo um sentido que não teriam se fossem considerados indiferentes à verdade e à falsidade”.

Esse desejo pela veracidade dos dados e dos fatos, por saber distinguir o verdadeiro do falso, surge logo cedo, ainda na infância e, diga-se de passagem, jamais nos abandona por completo. Somos essa busca permanente, essa angústia perpétua à procura de certezas. No entanto, como somos seres práticos, e precisamos de pontos fixos para poder agir, não poderíamos viver sem verdades estabelecidas, por assim dizer, a priori (isto é, as “verdades” transmitidas para nós pela sociedade, pela família, pela escola etc.). Por isso, tendemos, a princípio, a acreditar nas coisas, nas pessoas, no mundo tal qual é, tal qual se mostra para nós imediatamente. Essa “crença no mundo”, Husserl denominou atitude ou orientação natural e Merleau-Ponty, na mesma linha, fé perceptiva. Não obstante, mesmo no cotidiano, enfrentamos decepções, desilusões, dúvidas e perplexidades. Espantamo-nos com fatos ou atitudes novas ou inesperadas, o que nos leva (ou deveria levar) frequentemente a colocar em dúvida nossas certezas, aquilo que nos foi ensinado e que, até então, tomávamos como absolutamente verdadeiro. É precisamente o rompimento dessa crença que faz nascer a atitude crítica, isto é, a atitude filosófica propriamente dita. Nesse sentido, podemos entender a Filosofia como a consagração da busca pela verdade que motiva e caracteriza o ser humano.

Dentro da história da Filosofia, talvez seja com Descartes (ao menos a partir da Idade Moderna) que a ânsia pela verdade do mundo ganha uma de suas expressões mais contundentes. Pondo em xeque todo conhecimento que obtivera até então (primeiramente mediante os sentidos, que não raro podem nos enganar) o filósofo atesta que a necessária busca pela verdade só poderia ser empreendida a partir de um procedimento radical, que colocasse em suspenso toda forma de conhecimento previamente estabelecida, e reconstruísse o edifício das ciências a partir de seu alicerce, isto é, remodelando seus fundamentos: “Há já algum tempo eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões como verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei em princípios tão mal assegurados não podia ser senão mui duvidoso e incerto; de modo que me era necessário tentar seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões a que até então dera crédito, e começar tudo novamente desde os fundamentos, se quisesse estabelecer algo de firme e de constante nas ciências”.

A inquietação cartesiana, que o conduz ao famoso princípio do “penso, logo existo”, isto é, à consciência reflexiva ou ao sujeito como ponto de partida seguro e necessário para o conhecimento verdadeiro é, mutatis mutandis, compartilhado por nós em diversos momentos de nossa existência. Naturalmente, Descartes parte do pressuposto de que o conhecimento da verdade é perfeitamente possível – desde que se apliquem corretamente as orientações para “bem conduzir o espírito” nessa empreitada. No entanto, como se sabe, essa confiança jamais foi unânime, embora a possibilidade do conhecimento jamais tenha sido completamente negada (exceto no ceticismo absoluto). Um contemporâneo de Descartes, Blaise Pascal, diz em um de seus Pensamentos que “o silêncio eterno desses espaços infinitos me apavora”. O que Pascal indicava, aqui, era a consciência trágica de nossa insuficiência, cuja consequência mais dramática, segundo este filósofo, seria nossa incapacidade de conhecer todas as facetas da verdade (do universo, de nossa existência, de Deus), embora sempre almejemos a isso: “Ardemos no desejo de encontrar uma plataforma firme e uma base última e permanente para sobre ela construir uma torre que se erga até o infinito; mas os alicerces desmoronam e a terra se abre até o abismo”.

Ora, independentemente da confiança absoluta cartesiana nos ditames da razão, ou do ceticismo pascaliano, ou mesmo, para nos valermos ainda de outro autor, dos limites da Razão Pura estabelecidos por Kant, confinados à síntese dos dados da experiência sensível e das categorias do entendimento, o fato primeiro a se constatar é que a busca da verdade é um dos móveis da existência humana. O homem, diz Heidegger, é “vizinho do Ser”. É, com efeito, abertura ao Ser, ao que existe, à verdade do mundo e de si mesmo.

Claro, essa verdade, não é eterna; “a verdade não é uma moeda cunhada, pronta para ser entregue e embolsada sem mais”, sublinhou brilhantemente Hegel. Quer dizer, a verdade é histórica, é um devir ao qual somos lançados porque somos, nós mesmos, abertura ao Ser que se desvela para-nós. O conhecimento é possível e, não só, é a dimensão em que entramos em contato com o Ser, em que existência e essência se misturam, se imbricam mutuamente, no qual, ao conhecermos a verdade, a modificamos e modificamos a nós mesmos. Nesse sentido, a Filosofia é busca pela verdade, que não está escondida, mas que se mostra para nós, que depende de nós para se revelar – e que, nesse processo, acaba por nos transformar também. Por isso, a Filosofia, mais do que revelar alguma espécie de “segredo”, tem como papel nos auxiliar a desvelar essa verdade que já está aí, no mundo, em nossas vidas, em nossa história. Conforme sintetizou Foucault: “Há muito tempo que se sabe que o papel da filosofia não é descobrir o que está escondido, mas tornar visível o que justamente é visível, isto é, fazer aparecer o que é tão próximo, o que é tão imediato, o que é tão intimamente ligado a nós mesmos que, por isso mesmo, não o percebemos. Enquanto o papel da ciência é fazer conhecer o que não vemos, o papel da filosofia é fazer ver o que vemos”.


17 comentários:

  1. Gostei muito do modo que esse tema foi abordado, e da profundidade e riqueza do texto. Com certeza visitarei esta página mais vezes.
    Parabéns.

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  2. Ajudou muito para o meu trabalho na escola...
    Gostei... =)

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  3. Muito obrigado! Fico feliz em poder ter ajudado.

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  4. obriigado pela cola.
    ajudou muiito no meu texto.
    chokito

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  5. valeu homem ajudou bastante para um trabalho que tive que fazer .

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  6. Olá Vinícius, adorei o texto. Me ajudou muito na Facul... Você sabe me informar qual é o nome do livro que fala sobre esse assunto. Inclusive tem a mesma foto daquele olho.
    Se você puder me ajudar, me responda aqui por favor.

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  7. Olá, muito obrigado pelo elogio. Qualquer filósofo, de uma forma ou de outra, tratou do tema da verdade, é uma questão básica em filosofia. Mas, creio que um bom manual pode ser útil como introdução. Por exemplo, "Convite à filosofia", de Marilena Chauí. Abraço

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  8. Muito Obrigada! Você é muito gentil. Vou buscar este livro para ler certamente.
    Abraço!!!

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  9. quero um resumo pode sr a filosofia busca a verdade?

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  10. Desculpe-me, não compreendi sua pergunta.

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  11. tirei 10 no meu trabalho sobre ese asunto

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  12. Fico feliz em poder ter ajudado.

    Abraço

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    1. Poderia me fazer uma introdução para um trabalho com esse tema? Desde já agradeço.

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    2. Olá Thamyres,

      Este texto já é bastante introdutório. Inclusive, o primeiro parágrafo dele pode servir de inspiração para uma introdução. Peço apenas para que, caso o utilize, cite a devida referência.

      Abraços

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