segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

O incrível gosto dos franceses pela leitura


Estou há pouco mais de uma semana morando em Paris. Embora, até o final de fevereiro, fique num apartamento bem ruim (depois me mudo para um melhor e, curiosamente, mais barato), e não obstante a solidão e a saudade da família e do Brasil que batem por vezes, posso dizer que estou me acostumando bem à vie française. Também por isso, neste pouco tempo, já pude observar semelhanças e diferenças entre o modo de vida deles e o nosso. E um dos aspectos que mais me chamou a atenção (positivamente) por aqui (mas que deve se repetir em outras partes) foi o incrível gosto dos franceses pela leitura.

É surpreendente como eles usam qualquer tempo livre para ler. Seja na fila ou no metrô, numa praça ou na sala de cinema, esperando um filme começar. Qualquer hora é hora para um francês sacar um livro (ou um jornal, um tablet etc.) e começar a lê-lo – mesmo que seja pelo tempo que o trem leva de uma estação à seguinte. Para quem, como eu, adora livros, isso é naturalmente estimulante. Bonito de se ver. Mas, admito, eu mesmo tenho dificuldade em ler assim – especialmente livros mais técnicos, como os de filosofia. Mas, talvez, como percebo aqui, seja questão de hábito – ou de necessidade. Afinal, quem nunca aproveitou uma viagem no ônibus, ou um tempo antes de uma prova, para estudar aqueles detalhes finais? A diferença, é que eles fazem isso sem essa urgência; por prazer. Mais ainda, esse costume não é exclusivo de uma faixa etária, mas atravessa todas as gerações por igual. Isso explica as centenas de livrarias, para todos os gostos, que, literalmente, existem em todas as esquinas de Paris – e que, invariavelmente, estão sempre cheias.

Bem entendido, porém, não se trata de qualquer traço de “superioridade” do povo francês ou de uma “cultura mais avançada”. Trata-se, isso sim, de um belo hábito desenvolvido ao longo do tempo, e graças à construção de uma própria e riquíssima tradição literária e filosófica, que caminha de mãos dadas com a própria formação da identidade francesa – algo que, por exemplo, nosso passado colonial e escravista, e nossa constituição enquanto nação (sempre marcada pela submissão a outras) nos vedaram. Contudo, é sempre preciso lembrar, não se trata de um destino escrito para sempre em nossa essência. Muito pelo contrário, creio que uma política educacional e cultural permanente, largamente orientada nesse sentido, poderia, ao longo de décadas, modificar esse quadro: fortalecer e disseminar nossa rica, conquanto ainda relativamente nova, tradição literária, expandi-la para níveis ainda pouco explorados (como é o caso da própria filosofia e até mesmo do pensamento social brasileiro, embora este já esteja mais bem desenvolvido e consolidado), e fazer da leitura um hábito paulatinamente difundido entre todos. Isso, a meu ver, auxiliaria no fortalecimento de nossa cultura (pensada em sentido amplo), de nosso pensamento e na formatação de uma identidade nacional soberana, livre de ranços passados. E, vale dizer, o momento que o Brasil vive é extremamente favorável para começarmos a enfrentar esse desafio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário