segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Uma esquizofrênica contradição

Muita coisa se passou no Brasil e no mundo desde a última postagem deste blog, em meados de dezembro passado. Destaco o restabelecimento das relações diplomáticas entre Cuba e os EUA; a nomeação do novo – e polêmico – ministério de Dilma; e o anúncio de medidas acerca de direitos previdenciários e trabalhistas que, no mínimo, exigem alguma consideração crítica (sobretudo o caso das pensões por morte, que é absurdo).

Neste primeiro texto de 2015, gostaria de traçar algumas linhas sobre o segundo ponto, pois, a meu ver, ele sinaliza a contradição que deverá permear o segundo mandato de Dilma (ao menos, em um primeiro momento). Não que ela já não existisse desde a chegada do PT ao comando do governo federal. Mas, me parece que agora ela ganha contornos mais nítidos, ou mesmo, mais dramáticos, tendo em vista o ambiente político do país.

De fato, diante da margem estreita com que ganhou as eleições, e em face de um Congresso altamente hostil que terá de enfrentar, Dilma aparentemente entende que só poderá governar o país se equilibrando entre dois polos: o de esquerda, que lhe deu sustentação e permitiu sua vitória no segundo turno das eleições, e que urge por reformas estruturais (refletido em seu discurso de posse, inclusive no lema “Brasil: pátria educadora”, adotado pelo governo); e o dos setores dominantes, da grande mídia e da oposição derrotada, que, sem negar seu viés neoliberal, clamam por uma política “austera” de cortes orçamentários e equilíbrio fiscal para "retomar o crescimento". Entendo que a escolha do ministério traduz essa incômoda, diria esquizofrênica contradição. De um lado, as intragáveis e negativamente simbólicas presenças de Kassab e Kátia Abreu, além do Chicago boy Joaquim Levy; do outro, Berzoini nas Comunicações, Juca Ferreira na Cultura, ou Patrus Ananias no Desenvolvimento Agrário.

Contudo, ainda é cedo para definir para qual lado a balança vai pender, isto é, se esta contradição será resolvida ou se perdurará indefinidamente. Isso vai depender, como de praxe, da capacidade de disputa e mobilização de ambos os polos. A luta, como se vê, apenas começou. Mas, vale adiantar, se Dilma acredita que, assumindo parte do programa derrotado, e colocando pessoas “confiáveis” ao mercado, a determinados setores da economia, ou a determinados partidos, ela terá estabilidade, arrisco dizer que ela se equivoca profundamente. Na verdade, entendo que só haverá “governabilidade” se a presidenta e seu governo se dispuserem a romper essa camisa de força na qual estão se prendendo, e derem ao menos um passo à esquerda, propondo medidas efetivas para resolver problemas crônicos da população brasileira – e, assim, responder concretamente às expectativas de quem a elegeu. Começando pela “mãe de todas as reformas” (palavras da própria presidenta), a reforma política.

Este, me parece, é o único caminho para superar a esquizofrenia latente deste momento político e garantir sustentação real ao governo, criando um contraponto ao conservadorismo do Congresso. Do contrário, imobilizada por aquela contradição (para não falar do desempenho não tão bom da economia...), o segundo governo Dilma pode ser fácil e definitivamente capturado pelos poderosos setores que, neste momento, talvez ainda acuada, ela tenta agradar – mas cujo projeto, nunca é demais lembrar, foi rejeitado pela quarta vez seguida em outubro passado.

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