terça-feira, 2 de maio de 2017

Belchior - Como nossos pais

Meu primeiro contato com a música de Belchior foi há quase 20 anos. Se a memória não me trai, através de um tio materno, que me introduziu ao cantor cearense ainda na pré-adolescência, através da simpaticíssima Medo de avião. Contudo, após certo interesse, acabei sendo levado pelo rock inicialmente de modo dogmático, a ponto de desprezar completamente aquilo que se convencionou chamar de MPB. Felizmente, essa fase durou pouco tempo, e já ao redor de meus 16 anos, me reconciliei com o estilo. 

E foi, justamente, através de Belchior que percebi que a pretensa oposição entre MPB e rock poderia ser superada. Com efeito, enxergava nele uma espécie de versão local de Bob Dylan. Mas, não só:  a partir dessa época, suas letras começaram a me tocar mais fundo. O cunho político-crítico, visceral e hiper-realista, mesclado com certa verve que hoje definiria como existencialista, faziam confluir interesses que, nos anos subsequentes, me encaminhariam para a vida acadêmica, para a filosofia, as ciências sociais, a esquerda política... Com o decorrer dos anos, em diversas ocasiões, Belchior acabou se tornando, para mim, uma espécie de alter-ego. Quando morei no exterior, por exemplo. Ou agora, em salvador, sempre me pego cantarolando Apenas um rapaz latino-americano. Tanto que, na epígrafe de algumas redes sociais – o que me rendeu até homenagem de alunos no semestre passado  utilizo os versos iniciais do refrão daquela canção como síntese poética de minha biografia e um ponto de apoio para momentos difíceis.

Por isso, a perda de Belchior foi um choque. E, mais ainda, me pegou desprevenido, justamente por ocorrer em um momento em que precisávamos tanto de sua arte, em uma tarefa que, segundo consta, ele estava disposto a enfrentar. Foi-se o homem, fica a obra. E que obra! Infelizmente, porém, não vejo como homenagear nosso Dylan nordestino sem realçar a atualidade de uma de suas principais composições, Como nossos pais. A música que, quando descobri Belchior, fazia referência a um tempo que parecia, cada vez mais, um quadro desbotado na parede da memória nacional, hoje se revela de uma atualidade assustadora. Mas, como o novo sempre vem, que possamos em breve superar esse triste momento, e não precisemos viver como nossos pais...


2 comentários:

  1. Uma bonita escrita esta sua elaboração neste momento de luto pela partida do seu ídolo Belchior, Vinicius!
    Aproveitando as palavras oportunas desse inesquecível poeta: "o novo sempre vem"(embora tenhamos também os eternos retornos, né?). A obra dele continuará nos favorecendo os novos encontros e eternos retornos que nos transmitem alentos principalmebtes em tempos tão difíceis e nostálgicos como este que vivemos.

    Para você, um afetuoso abraço!

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    1. Muito obrigado pelo comentário e pelo carinho de sempre, Jaciane! Um grande abraço!

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