sexta-feira, 30 de julho de 2010

Sobre o tempo

Ah, o tempo. Sempre achei muito curiosa a dissonância entre nossa percepção, nossa vivência do tempo, de nosso tempo, e o tempo objetivo, aquele dos relógios, aquele ao qual estamos completamente submetidos no cotidiano. Na filosofia, há muitas explicações para o fenômeno do tempo, e para esse desacordo entre a forma que a física calcula o tempo e a forma em que o experimentamos. A física fala de um tempo homogêneo, dividido em partes sempre iguais (horas, minutos, segundos, etc.). Mas, sabidamente, a forma como apreendemos o tempo não é homogênea. Dando um exemplo banal: duas horas no cinema, assistindo a um bom filme, não são vividas por nós da mesma forma que duas horas de trabalho. Por quê?

Não, não tenho a pretensão de responder essa pergunta. Posso apenas indicar algumas pistas, que a filosofia nos traz. O tempo é um escoamento. Ele flui continuamente, produzindo dentro de si mesmo diferenças. Quer dizer, ele é um movimento incessante de contratação e dilatação de si mesmo; é um juntar-se a si mesmo (a lembrança), um expandir-se a si mesmo e consigo mesmo (a esperança). Esse movimento, sou eu mesmo enquanto ser temporalizante. Não se trata, assim, de pensar o tempo como uma linha de “agoras” sucessivos, de antes e depois. Trata-se, sobretudo, de pensar o tempo como o movimento dos seres para reunirem-se consigo mesmos. O presente não é um instante. Ele é o centro que se abre para o passado, como aquilo-que-não-é-mais e para o futuro, como aquilo-que-ainda-não-é. Somos seres temporais (não estou no tempo, mas sou temporal), nossa existência presente é fuga do nosso passado em direção ao nosso futuro. Para a filosofia, não se trata, portanto, de um tempo homogêneo, mas de apreender a própria dinâmica de temporalização. Por isso, o tempo da existência, nossa duração, não é o tempo dos relógios. Em outras palavras, duas horas do cinema são diferentes das duas horas no serviço. É que, se objetivamente, há a mesma medida de tempo (medida que é sempre convencional), subjetivamente, digamos, nossa apreensão é qualitativamente diferente.

Bem, não quero me estender muito. Talvez, tenha feito essa pequena introdução ao tempo porque o tenho sentido passar depressa demais. Quem sabe, falando do tempo, eu queira, no fundo, é fazê-lo parar um pouco (nada melhor que num fim de tarde de sexta, né? rsrs). Em geral, dizem que essa sensação de ver o tempo escoando por entre os dedos, é fruto de nossas inúmeras ocupações diárias, que nos ocupam boa parte do tal do tempo. Talvez. Pode ser uma reação também às mudanças que vivemos. O poeta romano Ovídio, em suas Metamorfoses, dizia: “Não há coisa alguma que persista em todo o Universo. Tudo flui, e tudo só apresenta uma imagem passageira. (...). O que foi antes já não é, o que não tinha sido é, e todo instante é uma coisa nova”. Acho que, ultimamente (pelo menos para mim) as coisas têm fluído rápido demais. Ainda não me acostumei, por exemplo, com o fato de dizer que sou “mestre” em Filosofia, que estou fazendo doutorado. Essa semana, precisei dizer isso para uma pessoa, e me soou tão estranho! Mas, não era ontem que eu queria ser guitarrista de rock? Ou que assistia os super-heróis japoneses, sonhando ter seus super-poderes? É, de fato, o tempo passa. E, insisto, não há relógio capaz de medir o nosso tempo.

Enfim, depois dessa reflexão meio conturbada, é preciso dizer que há muito que falar sobre o tempo: a relação dele com a existência, com a memória, com a esperança, com a morte. E, provavelmente, voltarei mais vezes ao tema. Nos próximos dias, tratarei dele, em um post sobre algumas observações filosóficas a respeito da morte. Por enquanto, deixo vocês com um poema de minha autoria, que, em alguma medida, fala sobre isso. E, no post abaixo, uma música que também trata dessa questão. Bom fim de semana a todos!

***



Há tempos *
 (por Vinícius dos Santos)

Há tempos me indago sobre o tempo,
há tanto tempo que tento que nem me lembro mais

Há tempos tive um mau pressentimento:
o tempo passou como vento e me deixou para trás

Ah, se em algum tempo houvesse um momento
em que o correr do tempo não fosse capaz

Mas, movimento, o tempo não vê meu tormento,
não perde seu tempo nem me deixa em paz.
 
* Poema originalmente publicado em: Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos - 53. Rio de Janeiro: Câmara Brasileira de Jovens Escritores, 2009.

2 comentários:

  1. Olá Vinicius,
    estou passeando por seus posts sobre filosofia. ; )
    Gostei muito da passagem, acima, que fala do tempo como 'um juntar-se a si mesmo (a lembrança), um expandir-se a si mesmo e consigo mesmo (a esperança)'.
    Algum livro que vc possa me indicar que trate dessa idéia?
    Obrigada. ; )
    Chloe

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  2. Olá Chloe,

    Olha, se não me engano, eu trouxe essa passagem a partir de uma ideia da Marilena Chauí, mas não me lembro o livro. Talvez seja aquele "Convite à Filosofia". Essa ideia é basicamente minha interpretação da temporalidade de um ponto de vista fenomenológico com pitada de bergsonismo.

    Abraço

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