segunda-feira, 24 de junho de 2013

Reforma política é a resposta

O levante de manifestações ocorrido nas últimas semanas no Brasil, dentre outras coisas, demonstrou um inegável esgotamento de nosso atual modelo político. A insatisfação, especialmente entre os mais jovens, com a estreiteza de nossa democracia – praticamente resumida ao voto bianual –, a ausência quase completa de mecanismos de participação ativa da população nas decisões governamentais, a falta de representatividade dos partidos políticos, são denominadores comuns que se podem extrair da geleia que virou a pauta do “movimento” que ocupa as ruas brasileiras. Essa insatisfação  mais ou menos generalizada ajuda, inclusive, a explicar como uma pauta da extrema-direita como o anti-partidarismo (não confundir com apartidarismo ou suprapartidarismo) – condensado na palavra de ordem tipicamente fascista “o povo unido não precisa de partido” e na prática autoritária de rasgar bandeiras de partidos, entidades presentes nas manifestações – pode sequestrar grande parte de um movimento inicialmente de esquerda, a ponto de o próprio MPL paulista, que deu início a esse conjunto de protestos, ter declarado que não pretendia convocar novos atos, a fim de não dar espaço para o avanço de uma pauta conservadora e reacionária. Embora tenha voltado atrás nessa decisão, o movimento, precavido, agora chama novas manifestações na periferia de São Paulo e em conjunto com entidades de classe e de esquerda.

Mas, para além da acusação de que há uma inegável tendência conservadora de setores médios da população, que frequentemente flertam com o autoritarismo da direita quando veem seus privilégios ameaçados – tendência que justificaria por si só esses arroubos fascistas –, o fato é que nossa democracia entrou numa encruzilhada, a qual é preciso oferecer alguma resposta. Afinal, depois do abalo provocado por essas semanas de mobilização, parece pouco provável que tudo continue como está, isto é, que nosso modelo político não sofra alterações mais ou menos profundas. A questão é saber o teor dessas mudanças.

Com efeito, diante desse quadro, vejo duas alternativas basilares despontarem no horizonte: a primeira, trágica, seria a de um colapso de nosso regime democrático, da República e do Estado de Direito. Desestabiliza-se o país (propositalmente ampliando, ainda mais, a onda de violência e vandalismo que tomou conta de vários protestos, com respectiva resposta violenta da polícia, por exemplo), para se criar condições de um – hoje política e juridicamente insustentável – impeachment de Dilma Rousseff. O próximo passo, já defendido abertamente por alguns manifestantes, seria conclamar uma “intervenção militar” para recuperar a “ordem”. Em bom português, um golpe.

Contudo, há outra perspectiva, extremamente positiva, que pode brotar de todo esse movimento: justamente aquela que possibilitaria uma arregimentação de forças para a realização de uma ampla reforma política que, na linha do que a presidenta Dilma anunciou em seu discurso televisivo da última sexta-feira, pudesse ampliar a participação popular, a transparência do Estado e a democracia. Reforma que, primeiramente, eliminasse a influência do poder econômico nas decisões políticas, através do financiamento público exclusivo de campanhas, com total transparência dos gastos, uma vez que o financiamento privado, tal como ocorre hoje, é o principal motivador da corrupção e do desvirtuamento das pautas políticas em nome de interesses privados. Uma reforma que fortalecesse os partidos, elementos indispensáveis em qualquer democracia, através do voto em lista, o que lhes permitiria a (re)construção de uma identidade programática e ideológica maior, além de abrir um diálogo mais franco com os setores por eles representados. Por fim, uma reforma que criasse amplos espaços de participação popular, que desse voz ao conjunto da população para além do momento do voto, que permitisse à sociedade civil organizada se representar ativamente nos processos decisórios mais importantes, inaugurando uma nova relação entre o Estado brasileiro e sua população.

Nesse sentido, o caminho mais viável para que essa reforma pudesse sair do papel, a meu ver – e digo isso há bastante tempo – é a convocação de uma Constituinte exclusiva sobre o tema, com representantes, eleitos pela população, que não exercessem cargo público eletivo atualmente, tampouco tivessem intenção de se candidatar no próximo ano. Assim, sem contar com a participação dos interessados “diretos”, cujos interesses poderiam influenciar o resultado final dessa reforma, a Constituinte teria total liberdade de formular as novas diretrizes de nossa democracia política.

Parece-me razoavelmente claro supor que é essa a alternativa que está em jogo. Mais do que isso: que esta é o principal fruto que pode sair dessas mobilizações (para além da solução a questões pontuais, como o plano de mobilidade urbana anunciado pela presidenta Dilma). Pois, mais uma vez, insisto que me soa pouquíssimo provável que o sistema político brasileiro fique igual depois do abalo que o atingiu nos últimos dias. Até porque as movimentações, de um lado e de outro, já começaram. A questão é de ver para que lado nossa balança política se inclinará. As alternativas postas, toda a esquerda, junto com a grande parcela da população que é consciente do perigo de uma alternativa de viés autoritário e anti-democrático, têm uma tarefa histórica diante de si. Por isso, é preciso lutar, junto com os movimentos que pululam em todo canto do país, em nome da saída positiva, ou seja, pela radicalização de nossa democracia. A reforma política, digo mais uma vez, é a resposta.

PS: desnecessário dizer que dou total apoio à proposta da presidenta Dilma, anunciada poucas horas após a redação deste texto, de convocar um plebiscito para aprovar a convocação de uma Constituinte exclusiva para a Reforma política. Já deu para perceber que a direita e a mídia estão contra. Portanto, a todos que querem "mudar o Brasil" positivamente, o recado é claro: é hora de começar a mobilização pela aprovação desse plebiscito!

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