terça-feira, 18 de junho de 2013

Sobre as manifestações no Brasil e o papel da esquerda

Algumas considerações preliminares, ainda à distância, sobre os acontecimentos dos últimos dias no Brasil:

Antes de qualquer coisa, sendo a pauta que deu início à série de manifestações evidentemente progressista, não há como ser contra o movimento. Além disso, como tem sido sublinhado, os “R$ 0,20”, estopim imediato do levante em São Paulo, para além da esfera propriamente econômica, colocam em pauta uma questão das mais importantes atualmente, e com a qual os governos – municipais, estaduais ou federal – muitas vezes têm dificuldade de lidar: nosso modelo de transporte público e mobilidade urbana, e todas as suas consequências no cotidiano da população – especialmente o direito à cidade e à liberdade.

Claro que o fato de ter um caráter progressista não impede que setores conservadores, diante da proporção tomada pelas manifestações, tentem usurpar sua pauta. Até mesmo pelo caráter “horizontal”, “sem direção”, “apartidário” do movimento, que facilita a perda do foco inicial (a mudança de posição da mídia, de uma semana para cá, demonstra essa tentativa de manobrar, para seus próprios interesses, as revoltas que tomam conta das ruas brasileiras, apoiada nessa horizontalidade difusa em que, muitas vezes, cabe qualquer coisa). Estes elementos têm levado alguns militantes da esquerda, seja por conservadorismo tácito, seja até mesmo por covardia, a tentar desqualificar o movimento, seja minimizando-o, seja, por exemplo, questionando: “por que só agora?”. Ao invés de tentar compreendê-los, veem na indignação dos jovens uma grande orquestração que ameaçaria o governo e a ordem democrática, isto é, o prenúncio de um golpe. Como se toda manifestação sem liderança de um partido de esquerda, de uma central sindical, ou de um movimento de massa consolidado se igualasse à “Marcha da família com Deus”, que precedeu o golpe militar de 1964.

No entanto, me parece claro que, no campo da esquerda, a postura deve ser exatamente oposta! Justamente diante do inegável risco de uma transmutação das pautas do movimento – a meu ver, oriundo diretamente de sua estrutura “horizontal”, mas isso é discussão para outra oportunidade – é que é preciso que toda a esquerda entre “de cabeça” nas manifestações, tal como, por exemplo, conclamou a Juventude do PT paulista. De fato, é preciso disputar sua linha ideológica, ou melhor, é preciso garantir que seu caráter claramente positivo não seja desvirtuado. Isso só se faz “por dentro” do movimento, compreendendo-o, participando, dialogando, ouvindo e argumentando, e não observando – e frequentemente criticando – tudo à distância. Acertando ou errando, a esquerda não pode ter medo das ruas, não pode ter medo de manifestação popular!

Além disso, me parece que a amplitude das manifestações ocorridas, sobretudo no dia de ontem, demonstram uma insatisfação que, a meu ver, vai além da questão inicial do transporte. Se é inegável que, nos últimos 10 anos, houve uma nítida melhora nas condições de vida da população brasileira de modo geral, também é inegável que nossa democracia política não acompanhou, no mesmo passo, tais transformações. Há um déficit de representatividade latente, oriundo de um sistema político que frequentemente iguala os diferentes diante da coerção do poder econômico que impera nas campanhas eleitorais e, por conseguinte, influi diretamente em muitas das decisões governamentais. Com efeito, há nessa juventude, cujas condições de vida e perspectivas de futuro são melhores do que aquelas da geração anterior, e também por isso, uma vontade maior de participar, de interferir nos rumos do país, vontade essa que a estreiteza do atual modelo político, praticamente limitado à participação eleitoral bianual, não contempla. Isso ajuda a explicar, por exemplo, a aversão a partidos (tidos como “todos iguais”, justamente por conta desse sistema), a contradição de algumas das palavras de ordem que se ouve nos protestos, e mesmo a crítica direta (ainda que claramente minoritária) ao governo federal que, neste ponto, tem feito sua parte, ajudando na redução das tarifas com isenção de tributos. Na verdade, me parece que esses protestos abriram uma porta em que tudo o que sufoca precisaria passar. Agora, porém, é hora de canalizar essa indignação e dar-lhe um norte progressista.

Ora, curiosamente, isso ocorre no momento em que o PT busca forças na sociedade para realizar uma reforma política que vai justamente de encontro a anseios de possibilitar maior participação social, de ampliar a democracia, diminuindo a força do dinheiro sobre a vontade popular, e de mudar positivamente a relação entre o poder público e a sociedade civil. Cabe ao partido (e seus governos, inclusive o federal), portanto, sair definitivamente da inércia dos gabinetes, mostrar que é diferente, e chamar a juventude e nossos aliados para alterar a tão malfada “correlação de forças” na sociedade em nome da ampliação de direitos e de reformas estruturantes – no transporte, nos serviços públicos, no Estado. Se era preciso apoio popular para superar os parcos limites da “governabilidade”, a oportunidade apareceu. Há de se saber aproveitá-la.

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