sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Algumas considerações sobre os "Black Blocs"

Desde que apareceram para o grande público, na esteira das manifestações de junho, os Black Blocs têm sido alvo de calorosos debates entre seus defensores e seus opositores. Até aqui, não me atrevi a escrever nada específico a respeito, por se tratar de um fenômeno novo, do qual não tinha elementos suficientes para tecer uma análise com um mínimo de embasamento e justiça. Mas, depois de ler considerações de um lado e de outro, e mesmo daqueles que não são nem explicitamente contra, nem totalmente a favor, decidi me arriscar a fazer algumas observações, centradas tão somente em dois eixos – primordiais, a meu ver – de qualquer ação política: sua ideologia e a consequente correlação entre tática e estratégia que ela estabelece.

Comecemos pelo fator ideológico. A princípio, os Black Blocs  são um grupo anarquista e, portanto, de esquerda, anti-capitalistas. Mas, dentre seus adeptos, há aqueles que se consideram anarco-capitalistas. Ainda que esteja longe de ser uma amostra científica, uma rápida olhada por perfis e postagens nas redes sociais é suficiente para ver que muitos Black Blocs são contra o Estado, não porque enxergam na dissolução do poder estatal o meio de dissolução de toda forma de poder, de opressão e exploração, mas porque, em sua visão, o Estado bloqueia a liberdade do indivíduo, ou seja, a liberdade de mercado. Parece-me se tratar de uma posição minoritária, mas, talvez seja realmente impossível responder com precisão qual a ideologia Black Block (em sentido amplo), uma vez que estamos falando de um grupo propositalmente “desorganizado”, sem maior filtro em relação a seus adeptos. Eis aí uma primeira complicação. A confusão ideológica, portanto, a falta de clareza em relação a objetivos estratégicos, não costuma auxiliar no sucesso de uma ação política.

Mas, partamos do pressuposto de que se trata de um agrupamento anarquista de esquerda. Seu fim último é derrubar o Estado e as relações capitalistas que o sustentam. Justo. Urgente. O problema, a meu ver, está na tática utilizada para atingir este fim: a generalização da violência e do ataque a bens e propriedades, público ou privados, considerados símbolos da dominação capitalista.

Ressalvo que estou longe de defender na política, qualquer “purismo” ou “pacifismo” acrítico e reacionário. A revolta e a violência não são ruins em si. Muito pelo contrário, são instrumentos políticos importantes, quando bem utilizados. A questão, justamente, é saber quando e como utilizá-los. E, a meu ver, os Black Blocs não o sabem (ou não têm sabido).

Política é disputa de forças para se atingir determinado fim. Naturalmente, aqueles que visam conservar a ordem têm a sua disposição quase todos os mecanismos necessários à preservação do status quo. Aos que se opõem, resta um único caminho: aglutinar, por todos os meios possíveis, uma força maior, capaz de se sobrepor à primeira. Isso, claro, não se faz da noite para o dia. Ao menos, não em um regime minimamente democrático. É um trabalho árduo: saber analisar concretamente a realidade, mensurar com exatidão o poder das forças que estão em jogo, saber dialogar, possuir clareza de objetivos e, porque não, saber o momento de recuar ou de fazer concessões. Para isso, é preciso um mínimo de organização. Isso vale para a política institucional, tanto quanto para um movimento social; para um governo, tanto quanto para uma categoria em greve; na disputa partidária ou naquela que travamos, muitas vezes sem perceber, em nosso meio de convívio cotidiano. Sendo assim, toda ação política (de esquerda) deve, a meu ver, se orientar pelas seguintes questões: esta ação, tomada neste momento, neste cenário, ajuda a acumular forças em torno de nosso objetivo maior? Ajuda a elevar o nível de consciência das pessoas acerca de nossa realidade social? Aumenta nosso poder de intervenção nessa realidade?

Do que vi até aqui, eu realmente não consigo enxergar respostas afirmativas a essas questões nas ações dos Black Blocs. Não estou nem falando de eventuais exageros que possam ser cometidos, inclusive por terceiros que se apropriem do nome do grupo, o que seria desonesto. Há exageros e usurpações em todo o espectro político. Estou me referindo tão somente à tática padrão do grupo, a “estética” das chamadas “ações diretas”. Revoltar-se contra o Estado burguês, a militarização e a truculência da polícia, a opressão e a exploração do capital, insisto, não é apenas legítimo e justo, como necessário. Mas, há formas e formas de canalizar e expressar essa revolta. Creio que as melhores são aquelas que, a cada momento e em cada situação particular, respondam positivamente às questões elencadas no parágrafo anterior. Assim, não acho, sinceramente, que botar fogo num ônibus ou depredar um telefone público, por exemplo, contribua para acumular forças ou despertar a consciência das pessoas para nossos problemas sociais. Exceto em casos excepcionais, jamais como regra. Afinal, são ações que, em grande medida, prejudicam principalmente os mais pobres, que precisam daqueles ônibus e orelhões. Portanto, que tendem a afastar aqueles que deveriam ser agregados. Até mesmo no caso dos bancos, um dos maiores cânceres da sociedade contemporânea, o fato é que, numa análise fria, percebemos que a tendência se mantém: se uma agência qualquer deixa de funcionar, não é a elite – que faz todas as suas movimentações financeiras pela internet ou direto com seu gerente – que será prejudicada, mas o restante da população, que ou terá de esperar para fazer suas operações bancárias, ou terá de se deslocar até outra agência, o que, tanto num caso quanto no outro, nem sempre é possível. Os exemplos poderiam se multiplicar. Em geral, as ações dos Black Blocs, têm baixo nível de adesão popular, a meu ver (e para além da evidente influência que a grande mídia, contrária a tudo que coloque em risco a "ordem", exerce sobre a opinião das pessoas), justamente porque, apesar de suas intenções, são incapazes de dialogar, seja com outros setores, seja com seus próprios pares – por exemplo, com outras camadas da juventude e dos trabalhadores (mal este que, no entanto, está longe de ser exclusivo dos Black Blocs).

Contudo, seria equivocado definir esse tipo de ação violenta (real ou simbolicamente), em si mesma, como “fascista”. Nem mesmo como puro "vandalismo". Na verdade, vejo os Black Blocs primeiramente como o resultado extremo de um justificável desencanto pela política brasileira – que há muito tem perdido aquela dimensão utópica que mobiliza especialmente a juventude – adensado por uma reação à violência desmedida exercida cotidianamente pelos aparelhos repressivos do Estado, sobretudo com os jovens (negros) da periferia. Não por acaso, portanto, sua tática se concentra em revidar, ao seu modo, essa violência, em especial contra a PM, ao mesmo tempo em que opera como uma negação da política em duplo sentido: tanto da política existente (Estado, governos, partidos, instituições e organizações atuais), quanto da política tal como definida anteriormente, isto é, como acúmulo e conflito de forças para se atingir determinado fim. Ocorre que, para mudar a primeira, é preciso se valer da segunda – o que os Black Blocs recusam, pois, a meu ver, confundem ambas de maneira equivocada e perigosa. A primeira consequência dessa confusão, como mencionado acima, é que seu “apoliticismo” os leva ao exercício generalizado de ações (ou “performances”) que, na maioria das vezes, se encerram em si mesmas, ou seja, são estéreis, sem transcendência. Ações que, da forma com que são executadas, sem organização ou sem se ligarem a uma tática de maior amplitude, terminam tão somente por separar seus adeptos da massa,rio, ontrertar o potencial transformador da luta popular, s reclamaç isolando-os daqueles com quem deveriam dialogar (o que, diga-se de passagem, tende a se agravar com o uso das máscaras). Portanto, os exclui da disputa política propriamente dita – seja aquela que se dá pela via institucional, seja aquela que se dá através dos diversos movimentos sociais organizados ou no convívio cotidiano –, mesmo quando suas reivindicações são justas e quando suas manifestações têm alvos acertados, como ao erguerem suas vozes contra a repressão policial em morros e favelas.

Mas, o efeito mais grave neste caso é que, não obstante os intentos de seus simpatizantes, ou a justeza de suas reclamações, a intensificação dessa posição “apolítica”, combinada às performances violentas que não parecem capazes de aglutinar apoio, ao invés de despertar o potencial transformador da luta popular, pode, na verdade, apenas aguçar os ânimos conservadores e dar margem a uma forte reação destes setores. Neste caso, o erro tático pode dar margem a um movimento muito mais temerário. Mas, isto é uma discussão maior, que fica para outra oportunidade.
                                                                                        

2 comentários:

  1. Vinícius, seus textos são ótimos!! Achei realmente interessante e gostaria de lhe parabenizar, pela escrita clara e nada superficial e principalmente por se posicionar... Realmente, posicionar-se, com embasamento, estabelecendo uma lógica é algo que falta a muitos ultimamente... Parabéns pelas considerações e principalmente por sempre se posicionar...

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    1. Muitíssimo obrigado Chris! Sempre bom ouvir esse tipo de elogio!
      Acho que é importante mesmo se posicionar, ainda mais para quem, de alguma forma, se formou para isso, como no meu caso. Nem sempre dá para passar nossas impressões e opiniões para o papel de forma clara e, naturalmente, é impossível ter opinião sobre tudo, mas me esforço para estar antenado com os acontecimentos mais importantes e refletir sobre eles. Nesse sentido, o blog tem sido um ótimo exercício, e elogios como os seus dão ainda mais ânimo e vontade de continuar.
      Grande abraço.

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