quinta-feira, 26 de agosto de 2010

"Eu só quero sossego". Será?

Todo mundo já experimentou essa sensação: torcemos para que logo cheguem nossas férias, ou um período de descanso prolongado, e entrar naquela rotina da música do Tim Maia (“O que eu quero? Sossego!”), mas, bastam alguns dias em casa, e já não aguentamos mais “ficar sem fazer nada” e vamos atrás de algo que nos ocupe (confesso a vocês que, em parte, foi isso que me fez criar esse blog, durante minhas férias). Mas, pouco tempo depois, lá estamos nós lamentando o fato de não termos descansado o suficiente. Essa busca incessante por algo a fazer, por um objetivo, está relacionada diretamente à nossa incompletude: o homem é um ser incompleto. De uma forma ou de outra, vários filósofos já abordaram esse tema. Perseguimos um fim impossível, nunca nos sentimos plenamente realizados, a existência nada mais sendo, afinal, que esse movimento de busca, que só cessa com a morte. Igualmente, muitos filósofos trataram da dificuldade que temos em conviver com essa lacuna, com essa carência. Ora tentamos preenchê-la, ora buscamos meios de nos esquecermos dela. Vejam Pascal, por exemplo.

Para este filósofo, há uma “infelicidade natural de nossa condição fraca e mortal”. Não suportamos a experiência de ficarmos quietos num canto. É que, quando isso acontece, começamos a pensar em nós mesmos, em nossa situação – o que nos entedia, nos angustia, nos mostra o quão fracos somos. Por isso, criamos formas de evitar esse contato íntimo e acabar com o tédio. Por exemplo, pelas ocupações que nos impomos, ou pelo divertimento. Diz o filósofo: “Sobrecarregamos os homens, desde a infância, com o cuidado de sua honra, de sua riqueza, de seus amigos, e ainda com o cuidado da riqueza e da honra desses amigos. Cansamos os homens com negócios, com o estudo de línguas e exercícios, e fazemos, e fazemos com que sintam não poder ser felizes sem que sua saúde, honra e fortuna, e as de seus amigos, estejam em ordem, e que basta faltar uma dessas coisas para que se tornem infelizes. E lhes impomos encargos e negócios que os atormentam desde que o dia amanhece. Aí está, direis, uma estranha maneira de torna-los felizes! Que haveria de melhor para torna-los infelizes? – Como! Que haveria de melhor? Bastaria tirar-lhes todas essas ocupações; então se veriam a si mesmos, pensariam no que são, de onde vêm e para onde vão. Nunca será demais, assim, ocupa-los, nem jamais os distrairemos muito. E é por isso que, depois de sobrecarregá-los de negócios, caso ainda lhes sobre tempo para o descanso, nós os aconselharemos a empregá-lo em divertimentos e no jogo, e a permanecer, sempre, totalmente ocupados”.

Notem a sagacidade de Pascal. No fundo, isso não se passa conosco também? Não sei se esse blog é fruto de uma tentativa de me afastar da apreensão de minha condição humana. Mas, de qualquer maneira, é fato que inquietamo-nos quando não temos o que fazer, quando não temos metas a cumprir, quando não temos planos. Somos, com efeito, seres sempre lançados para frente, sempre precisamos inventar algo, traçar metas, bolar ocupações e distrações. Mas, diferente da visão pascaliana, vejo nisso um aspecto extremamente positivo: é justamente por estarmos sempre insatisfeitos, que podemos avançar, progredir, criar coisas novas, criar o mundo, bem como nossa própria existência.

Para Pascal, essa insuficiência, que jamais se esgota, porquanto é impossível alterarmos a natureza humana (apenas Deus poderia fazê-lo) acomete a todos. “Faça-se a experiência: deixe-se um rei sozinho refletir com serenidade em si, sem nenhuma satisfação dos sentidos, sem nenhum cuidado no espírito, sem companhia, e ver-se-á que um rei sem divertimento é um homem cheio de miséria”.

De fato, assim como não vivemos sem apontar para o futuro, também não vivemos sem diversão, sem algo que nos entretenha, que nos faça, inclusive, esquecer, ainda que momentaneamente, alguns de nossos problemas (até mesmo aquele que considero o maior de todos para um homem, a saber, conseguir dar sentido à sua própria existência). Pascal, porém, é um pouco mais ácido quanto a este fato: “Esse homem tão abatido com a morte de sua mulher e de seu único filho e sujeito ao tormento de tão grande dor, por que não está triste neste instante, e o vemos tão desprovido de tais pensamentos dolorosos e inquietantes? Não há porque estranhar: acabam de entregar-lhe uma bola e cabe-lhe atirá-la a seu companheiro, e ei-lo a pega-la de modo a marcar um ponto. Como pretendeis que medite sobre seus tormentos quando tão nobre assunto o preocupa”?

Pascal, adepto do jansenismo (uma das tendências do cristianismo de sua época), via na apreensão de nossa miséria o caminho para atingirmos a redenção e a salvação divinas. Boa parte de sua obra é uma apologia da religião cristã. Mas, sem entrar nesse terreno (ou justamente por isso), não creio, ao contrário de Pascal, que essa espécie de fuga seja necessariamente negativa, indigna do homem. Quer dizer, dentro de certos limites, acredito se tratar de uma dimensão necessária de nossa vida. É uma das saídas que temos para suportar o peso de nossa existência, de nossa responsabilidade. Também é preciso se divertir! O problema está, a meu ver, quando esse tipo de “alienação provisória” transforma-se em um estado quase permanente. Enfrentamos esse problema atualmente: o capitalismo tenta transformar a imperiosa necessidade do divertimento – e, por conseguinte, aquilo que nos traz divertimento – em mecanismo de alienação e controle social (vejam, por exemplo, que a maioria dos jogos, dos programas de TV, etc. são voltados às classes mais populares). No fundo, temos uma reedição bem mais sofisticada do velho “pão e circo” romano.

No entanto, este último tópico mereceria uma análise um pouco mais aprofundada. Mas, se me permitem, isso fica para outra oportunidade. Now, it´s time to have some fun! rsrs

Para quem se interessar no tema:

PASCAL, B. Pensamentos (várias edições), sobretudo os seguintes fragmentos (numeração da edição estabelecida por Brunschivicg, que está, por exemplo, na coleção Os pensadores): 135, 139, 140, 142, 143, 146, 164, 171.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Juvenal, o aristocrata decadente, e os rumos do São Paulo

Bem, após a saída de Ricardo Gomes, decidi esperar um pouco para falar sobre a situação do São Paulo, interinamente comandado por Sérgio Baresi. É que, após a eliminação da Libertadores, escrevi um post, “A hora da reformulação” (leia aqui), em que expunha meu ponto de vista: Ricardo, fraco treinador que era, deveria sair. Não só ele, porém; as mudanças não poderiam parar por aí. Mas pararam. E pararam porque a atual diretoria do SPFC também parou: parou no tempo. Deitou-se nos louros conquistados em seu primeiro mandato (o tri-brasileiro) e acreditou que apenas isso bastaria para fazer o São Paulo, como num passe de mágica, continuar vencendo. Não aconteceu. E se nada for feito, a vergonha passada ontem diante do Corinthians tende a se repetir.

Há tempos, o time apresenta um futebol sofrível. Mesmo quando, no ano passado, disputava até a última rodada mais um título nacional; ou este ano, no momento em que chegava a uma improvável semifinal continental. Os problemas são crônicos, e se repetem. No início da década, quando se começou a desenhar o SPFC vitorioso do período 2005-2008, a grande sacada da diretoria, comandada pelo saudoso Marcelo Portugal Gouvêa, tinha sido compreender como ninguém as mudanças no futebol brasileiro ocasionadas pelo fim da “lei do passe”. Some-se a isso, o igual entendimento em como montar um elenco capaz de disputar um longo campeonato por pontos corridos, na época, ainda novidade no Brasil. Mas o tempo passou, e a verdade é que outros clubes começaram a aprender, inclusive com o exemplo dado pelo próprio São Paulo. E, o que era nosso diferencial, passou a ser um predicado comum a outras agremiações. Vide o caso do Internacional, por exemplo.

Hoje, o São Paulo nada tem de diferenciado. Quer dizer, tem sim: o discurso. Mas, como futebol não se ganha com palavras, temos visto o clube sofrer em praticamente todos os jogos que disputa. A culpa? A maior parcela, sem dúvida, é de Juvenal Juvêncio e companhia. São eles que, após a saída de Danilo, em 2006, não foram capazes de trazer um meia armador decente para o time. Quer dizer, nem um meia armador decente, nem um mais ou menos. Foram eles que demitiram Muricy no meio do campeonato do ano passado e, querendo mostrar que não são iguais aos demais, resolveram trazer um técnico sem a menor capacidade de dirigir um clube do tamanho do SPFC. Foram eles que, agora, demitiram Ricardo Gomes e, sem qualquer planejamento, efetivaram Sérgio Baresi no cargo, alguém visivelmente despreparado para comandar um clube deste tamanho. Foram eles quem trouxeram Carlinhos Paraíba, Cléber Santana, Renato Silva, André Luís, Fábio Santos, Carlos Alberto, Wagner Diniz, Éder, Joílson, e tantos outros jogadores sem qualquer condição de vestir a camisa tricolor – e, insisto, nenhum meiazinho sequer. É deles a maior parcela de culpa pelo péssimo momento do time. Ah, você pode dizer, mas eles também foram responsáveis pelo inédito tricampeonato brasileiro. Verdade. O problema é que JJ parou na conquista de 2008. Não viu (ou não quis ver) que a roda da história continuou girando. Que os outros clubes se renovaram. E que não bastaria apenas autoproclamar-se “diferenciado” para que as coisas acontecessem. O São Paulo hoje (isto é, sua diretoria, a começar pelo coronel Juvenal),  parece aquele aristocrata decadente que, reivindicando um passado de glórias, continua agindo sob a chancela de sua pretensa e intacta superioridade. Só não percebe que o faz da mesma sarjeta em que foi jogado junto com todos os outros. Alguns clubes entenderam a situação e começaram a agir. O São Paulo se acomodou. Por isso, é preciso renovar. É preciso respirar novos ares. Sob pena de acordar tarde demais – e de maneira muito trágica – do sonho de que o tempo parou naquele gol de Borges contra o Goiás.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

1 mês de blog

Bem, este blog completou um mês de existência nesta semana. E, acreditem, levar a frente este espaço tem sido uma experiência muito enriquecedora. Para quem, como eu, escolheu uma carreira na qual escrever bem (tanto no sentido formal quanto no de conteúdo) é fundamental, este blog tem sido um ótimo aprendizado. Não só porque me possibilita expor ideias, reflexões, críticas, dúvidas e sentimentos de maneira mais livre e espontânea, quanto também por ter o feedback de vocês, que pacientemente se dispõem a ler o que escrevo, o que é essencial para qualquer escritor. Para terem uma ideia, no período em que este blog está no ar, foram mais de 300 visitas (sendo mais de 200 visitantes) e quase 1000 visualizações de páginas. Números que honestamente me surpreenderam. Mas não fico só na frieza dos números. A recepção à proposta do blog também tem sido excelente: e-mails, comentários, conversas, twitter...Queria, de coração, agradecer a todos que passaram por aqui, que elogiaram, fizeram observações e críticas, e que ajudaram a divulgar este espaço.

A todos vocês, obrigado pelo apoio!

terça-feira, 17 de agosto de 2010

O amor e a filosofia

Hoje, Angelica e eu completamos três anos juntos. Em homenagem a essa data tão especial, segue um texto falando um pouquinho sobre o amor de uma perspectiva filosófica. Dedico a ela este post. Afinal, foi quem me fez descobrir  o verdadeiro sentido do amor.



“O amor é quando a gente mora um no outro”
Mário Quintana


Amor...quão nobre sentimento, tão indefinível, tão contraditório, tão essencial! E como não poderia deixar de ser, muitas são as visões sobre o amor que perpassam a história da Filosofia. A primeira grande abordagem do tema foi realizada por Platão, no seu célebre diálogo O banquete. O filósofo define o amor como um princípio cósmico, uma escada com sete degraus, que vão do amor por uma pessoa, passando pelo amor por todas as formas belas, ao amor pelas práticas belas, até o amor pelas realidades superiores do universo, isto é, o amor pela Beleza em si.

Através da personagem de Sócrates, um dos convidados do banquete, Platão diz o seguinte: “O que deseja, deseja aquilo que lhe falta, (...) e se não sentir falta, não sente também desejo”. Isto é, só desejamos (e amamos) aquilo que não temos. Embora o objeto do amor esteja sempre ausente, ele sempre é solicitado. O amor é sempre relativo a algo, nunca é absoluto. Sendo o Amor, amor daquilo que nos falta, ele não é nem belo nem bom, visto que o Amor, para Platão, sempre aspira ao Belo e ao Bem.

A seguir, Sócrates narra a seguinte história, que lhe foi contada pela sacerdotisa Diotima de Mantinéia, sobre a origem de Eros (o Amor). Ela diz que Eros é um intermediário entre o humano e o divino. Ele é o responsável por fazer os homens se comunicarem com os deuses e vice-versa. É uma espécie de mensageiro, nascido da união de Engenho e Pobreza. A história é a seguinte: “Quando Afrodite nasceu, os deuses reuniram-se num festim onde, entre vários outros, se encontrava o Engenho, filho da Sabedoria. Depois de jantarem, eis que aparece a Pobreza a mendigar os restos – como é usual em ocasiões de festa... – e ali ficou, junto à porta. Entretanto o Engenho, já embriagado de néctar, foi para o jardim de Zeus, e tão pesado se sentia, que adormeceu. Então a Pobreza, que na sua natural indigência meditava ter um filho do Engenho, deitou-se junto dele e assim concebeu o Amor. Eis a razão porque o Amor nos surge como companheiro e servidor de Afrodite: concebido nas festas em honra do seu nascimento, é, por natureza, um apaixonado do Belo, pois que Afrodite é bela. Por outro lado, a condição de filho do Engenho e da Pobreza ditou-lhe o seu destino. Condenado a uma perpétua indigência, está longe do requinte e da beleza que a maior parte das pessoas nele imagina... Rude, miserável, descalço e sem morada, estirado sempre por terra e sem nada que o cubra, é assim que dorme, ao relento, nos vãos das portas e dos caminhos: a natureza que herdou de sua mãe faz dele um inseparável companheiro da indigência. Do lado do pai, porém, o mesmo espírito ardiloso em busca do que é belo e bom, a mesma coragem, persistência e ousadia que fazem dele o caçador temível, sempre ocupado em tecer qualquer armadilha; sedento de saber e inventivo, passa a vida inteira a filosofar, este hábil feiticeiro, mago e também sofista [aqui, no sentido de sábio – V.S.]”.

Estátua de Eros, o deus do amor na mitologia grega
Há, em Platão, uma importante distinção entre um amor “egoísta”, que persegue o outro como um objeto a devorar (quando “o amante ama o amado como o lobo ama o cordeiro”, nas palavras de Platão) e o amor verdadeiro, que é capaz de nos conduzir à posse eterna do Belo e do Bem. Este último amor, para o filósofo grego, concorre com o desejo de imortalidade do homem. Segundo Platão, todo homem tem o desejo de ser imortal. E, para tanto, utiliza-se de meios variados, como a realização de obras que ficarão para a posteridade, ou a procriação, isto é, a tentativa de prolongar a existência através da pessoa amada.

A tradição filosófica seguirá, em linhas gerais, a oposição entre o amor e o egoísmo, ou entre um amor-ativo (altruísta) e um amor-passional (egoísta). Darei apenas dois exemplos.

No século XVII, Espinosa, filósofo racionalista, determinará que a maior virtude do homem é o desejo de conservar-se em seu ser, isto é, de conservar sua existência. Nesse sentido, define a alegria como o sentimento que temos de que nossa capacidade de existir aumentou. E o amor é quando atribuímos esse aumento a uma causa externa, isto é, ao objeto do nosso desejo, à pessoa amada. Quer dizer, o amor é o afeto da alegria, como percepção da ampliação de nossa força para ser, agir e viver ativamente. Contudo, ressalva Espinosa, por se tratar de uma inevitável paixão, há sempre o risco de nos tornarmos servos dela. Daí que, para o filósofo, é necessário que o poder da razão possa, refletindo sobre as causas reais e o sentido verdadeiro de nossa vida afetiva, impedir que sejamos dominados por paixões incontroláveis. Apenas assim, teremos nossa alma livre e, por conseguinte, perceberemos que nossa força para existir e agir aumenta quando existimos e agimos com outrem. Igualmente, estaremos aptos a buscar a felicidade suprema, qual seja, nos sentirmos partes integrantes e ativas da Natureza infinita.

Por outro lado, Sartre afirma que, não obstante ser possível amar de várias maneiras, a principal forma de amor (ao menos atualmente) é aquela que ele define na expressão “amar é querer ser amado”. Para o filósofo, isto ocorre quando o amante deseja ser o “mundo inteiro” do amado, ocupar toda sua vida, ser o motivo de sua existência. Esse tipo de amor, naturalmente, está fadado ao fracasso, porque invade completamente a liberdade do outro (é o amor que visa os interesses de apenas um dos amantes).

Com efeito, e sem querer me prolongar em demasia, o fato é que há muito o que se discutir sobre o amor. Ainda mais nesse “tempo de homens partidos”, como dizia Drummond. Aqui, trouxe, muito superficialmente, o que alguns filósofos pensaram sobre o amor. Há muito mais a ser explorado. Vale notar, por exemplo, que, não obstante associarmos frequentemente o amor ao amor entre duas pessoas, há, claro, outros objetos importantes de amor (por exemplo, a própria Filosofia nasce como “amor ao saber”). Quem sabe, dê para retomar o tema em outra oportunidade. Por enquanto, há algumas considerações pessoais que gostaria de compartilhar com vocês.

O romancista francês Antoine de Saint-Exaupéry disse que “amar não é olhar um para o outro, é olhar juntos na mesma direção”. Concordo. O amor é quando nos sentimos, parafraseando Mario Quintana, morando no outro. Não de maneira evasiva, ou porque nós assim exigimos (como no caso mais comum descrito por Sartre), mas de maneira solidária, cúmplice, porque partilha do desejo do outro. Não há amor sem cumplicidade. O próprio Sartre entendia que o amor autêntico requer, como condição dessa cumplicidade, a inexistência de segredos entre os amantes – o que implica em aceitar, reciprocamente, a liberdade do outro, sem, ao mesmo tempo, deixar-se dominar por ela. Claro, isso não é tarefa fácil. Ainda mais porque vivemos em uma época na qual, desde cedo, somos ensinados a colocar nossos interesses, nossos desejos e nossas ambições acima de tudo. Mas, creio que seja preciso sempre caminhar na direção contrária. Somos seres humanos, partilhamos um mesmo mundo, e precisamos de outras pessoas, precisamos estar com elas, precisamos sentir aquela alegria que só temos quando vemos que a(s) pessoa(s) que amamos também está(ão) feliz(es). Por isso, acho que, em uma sociedade como a nossa, amar é uma verdadeira resistência. É um dizer não ao individualismo e ao egoísmo que o mundo apregoa. Porque o amor é incompatível com a lógica do lucro, com a luta pela sobrevivência, com a guerra, com tudo aquilo que vivenciamos cotidianamente. Daí que, coletivamente, não penso que somos felizes. Dentre outras coisas, porque temos pouca chance de amar. Amor requer solidariedade, generosidade, entrega, respeito. Para mim, é esse amor descompromissado, autêntico, que nada exige em troca, o caminho para a felicidade, tal como Espinosa a entendia. 

Bem, termino esse texto, com as belas e precisas palavras do romancista e filósofo francês Albert Camus, que definiu tão bem o que eu tentei dizer acima: “não ser amado é falta de sorte, mas não amar é a própria infelicidade”.

Se alguém se interessar pelo tema, sugiro:

PLATÃO. O banquete. Edições 70 (há outras em português).


quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Por que votar em Mercadante?

Saber a “ficha corrida” de um candidato é um aspecto essencial na hora de escolhermos em quem depositar nosso voto. Mas, o que está em jogo, na hora das eleições, não é apenas uma disputa entre qualidades individuais mais aparentes (isto é, não se trata de escolhermos o melhor orador, o mais simpático, etc.). Especialmente, quando se trata de cargos executivos. Mas, é fato que temos, no Brasil, a tendência a particularizar nosso voto, e, em geral, damos pouca importância ao que está “por trás” do candidato – desde suas propostas mais concretas, ao staff que o acompanhará no governo, passando por algo que entendo ser fundamental na escolha de nossos governantes, pois é, afinal, o que orientará seu governo: sua visão global sobre a sociedade e sobre o futuro. Por isso, esse texto não tratará da pessoa de Mercadante, que tem defeitos e virtudes como todos – mas, sobretudo, tem aquilo que deveria ser uma obrigação de todo postulante a um cargo público: é ético. Nem fará um balanço de sua atuação como senador, e seu papel (muito importante, diga-se de passagem) no sucesso do governo Lula. O que pretendo, é falar um pouco sobre o projeto político que, neste momento, o estado de São Paulo necessita urgentemente – e que, dentre os candidatos ao Palácio dos Bandeirantes, apenas Mercadante poderá, de fato, executar.


Sempre acreditei que, no caso brasileiro, há duas vertentes que devem orientar todo e qualquer projeto político progressista para o país: diminuir ao extremo a desigualdade social e melhorar a educação (no sentido amplo do termo) em todos os níveis. Concentrar-me-ei nesses dois eixos, uma vez que, em São Paulo, ambos foram bastante negligenciados ao longo dos 16 anos de governo do PSDB neste estado.


São Paulo é o estado mais rico do país. No entanto, nossos níveis de desigualdade não são menores que a média brasileira. E mesmo considerando que essa média tenha efetivamente diminuído nos últimos anos, a melhora nacional nesse quesito, nada, ou quase nada, teve a ver com as políticas públicas tucanas. Pelo contrário. Em São Paulo, não há uma política consistente de diminuição da pobreza e do fosso que separa ricos e pobres. A solução do PSDB (e de seu fiel escudeiro, o DEM) passa bem longe de tentar erradicar o problema. Lembremos, por exemplo, que quando prefeito da capital, Serra autorizou seu secretário de governo a instalar tapumes e fechar viadutos de SP, com o intuito de impedir que mendigos dormissem debaixo das pontes. Uma espécie de “higienização” digna das velhas políticas fascistas. Esconder a pobreza resolve alguma coisa? Depende: para a elite (e para uma boa parcela da classe média) resolve. Afinal, o problema saindo de seu campo visual, deixa automaticamente de existir.


Contudo, o maior crime do governo tucano em São Paulo, foi o descaso com a educação. Aprovação automática, baixos salários para professores, baixo investimento em infra-estrutura e, 16 anos depois, São Paulo tem alguns dos piores índices de educação do país. É uma espécie de “assassinato branco” cometido com algumas gerações de jovens que, mal sabendo ler e escrever, saem da escola sem formação para o mercado de trabalho, para exercer sua cidadania, e para a vida. Se você não acredita, se acha que tudo isso é papo de petista, que Serra e Alckmim são grandes governantes, sérios, e que, como dito na propaganda oficial, “aqui tem trabalho bem feito e SP é um estado cada vez melhor”, basta perguntar para qualquer um, mas qualquer um mesmo, que já tenha tido a oportunidade de ministrar aulas em escolas públicas estaduais. Pense que, por trás de sua resposta, dos inúmeros alunos que seu interlocutor viu passando de ano sem saber absolutamente nada, não estão apenas estatísticas. Trata-se de milhares de jovens que, em um estado tão rico como o nosso, terão ou (tiveram) suas vidas comprometidas para sempre pelo absoluto abandono da educação paulista.

Novamente, porém, teremos a chance de começar a melhorar esse quadro. Destaco o começar, porque, como todos sabem, construir algo é um processo muito mais lento e gradual do que destruir. O projeto político de Mercadante é o único que caminha, de fato, na direção oposta ao que vimos em SP nos últimos 16 anos. É o único que realmente visa valorizar a educação (pondo fim à famigerada reprovação automática, valorizando o professor, equipando as escolas, promovendo e fortalecendo a cultura, dentre outras medidas), diminuir a pobreza e a desigualdade no estado, e fazer com que São Paulo possa aproveitar todo o potencial econômico e humano que tem. É o único projeto que prioriza o social, que não vê o estado como uma grande empresa feita para lucrar. Por isso, não se trata apenas de escolher entre Alckmim e Mercadante (ou qualquer outro candidato). Trata-se, na verdade, de escolher entre duas visões diferentes de estado; entre duas visões sobre o que é prioritário em um governo: se é o famigerado “choque de gestão” tucano, ou se é a preocupação em dar condições de vida melhor para a população.


A maior prova de que, para além de características individuais, a política é feita de projetos coletivos, vem justamente do plano nacional, comparando-se a atuação dos últimos governos na educação superior (aquela que compete diretamente ao executivo federal). Nos oito anos de governo do renomadíssimo sociólogo Fernando Henrique Cardoso (e direi isso com pesar, pois também sou formado em Ciências Sociais, e acho que FHC foi um dos expoentes dessa área), foram construídas 0 universidades; 0 extensões universitárias; 0 escolas técnicas. Sim, zero! No governo do operário Lula, aquele que não é poliglota, que nunca deu aula na Sorbonne ou escreveu livros analisando política e economia, foram criadas 10 novas federais (em SP, a UFABC); 45 extensões universitárias (em SP, a UFSCar – campus Sorocaba, a Unifesp – campus litoral); e 214 escolas técnicas. Isso não diz respeito apenas a méritos ou deméritos pessoais de Lula ou FHC, ou à evidente sensibilidade do primeiro para as causas sociais. Isso diz respeito, também, aos programas políticos de cada partido, à forma como cada um deles enxerga o futuro e o potencial do país.


Por isso, e diante de uma possível vitória de Alckmim já no primeiro turno, o que significa a possibilidade real de vivenciarmos mais quatro anos de completo descaso com a educação e com a parcela mais necessitada da população, é que entendo ser indispensável darmos nosso voto de confiança não apenas a Mercadante, mas ao seu projeto de governo para o estado de São Paulo, o único em consonância com o que o Brasil precisa para continuar mudando.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

A Globo manda seu recado: não quer Dilma presidente

Segunda-feira, 09 de agosto de 2010. O Jornal Nacional, da Rede Globo, deu início ontem a uma série de entrevistas com os 3 principais candidatos à presidência do Brasil. Qual não foi a surpresa de muita gente, porém, com a forma como foi conduzida a primeira dessas entrevistas, com a candidata do PT, Dilma Rousseff*.

Bem, todo mundo sabe da opção favorável da Globo ao candidato José Serra. Por isso mesmo, não era de se esperar uma entrevista muito amistosa com Dilma. Contudo, a forma com que William Bonner se comportou na noite de ontem, rasgou até o frágil véu de imparcialidade que a emissora insiste em querer mostrar.

Primeiramente, Bonner tentou criar uma imagem distorcida da candidata, utilizando-se de colocações tais como “o presidente Lula disse que a senhora maltratou os ministros”. Ora, qualquer um sabe o tom de brincadeira em que o presidente disse tais palavras. Mas, quando tentou explicar o contexto, Dilma foi atropelada por Bonner. A cena se repetiu outras vezes: o apresentador perguntava – em tom que vacilava entre a intimidação e a leviandade – e, no meio da resposta da candidata, a interrompia para retrucá-la. Sempre de maneira pouco elegante. Uma espécie de inquisição ao vivo, em que não era dado à candidata o simples direito à resposta! Não à toa, num determinado ponto, em meio a mais uma interrupção de Bonner, até mesmo Fátima Bernardes – que, no começo, também havia tentado colar em Dilma a imagem de “chefona”, de alguém incapaz de diálogo, logo, não indicada a presidir um país como o Brasil – virou-se para o apresentador e pediu, sutilmente, para que ele se calasse.

Dilma, porém, saiu-se bem diante da maneira pouco usual de se conduzir uma entrevista (apenas para vocês terem uma ideia, comparem a entrevista na Globo com aquela dada poucas horas depois, no “Jornal das 10” da “Globonews”, canal a cabo da própria Globo, a maneira pela qual o jornalista André Trigueiro se comportou). Quando Bonner, falando da política de alianças do PT, perguntou, em tom sarcástico, se o partido nunca errou, Dilma simplesmente respondeu: “[No seu lugar,] eu perguntava outra coisa: onde foi que o PT acertou?”. Ou quando, diante da insistência completamente descontextualizada de Bonner, dizendo que as taxas de crescimento do Brasil são inexpressivas quando comparadas a outros países, como a Rússia, respondeu: “a queda da economia na Rússia no ano passado foi terrível. Criamos quase 1,7 milhão de empregos no ano da crise”. Só acho que ela deveria ter acrescentado: você sabe quantos a Rússia criou nesse período? Pois é...

Enfim, o que quero dizer é que é bom todo mundo ficar de olho. Não sei o que acontecerá nas entrevistas com os demais candidatos e quando o momento da eleição se aproximar. Mas, ontem, a Globo deu seu recado: não quer Dilma presidente. E, no que for possível, tentará minar sua candidatura. Lembremos que não é a primeira vez que isso ocorre. Em 89 eram Lula e Collor. Dois outros candidatos. A tática foi semelhante. E todo mundo sabe o final da história...

*Link para entrevista completa (com transcrição) aqui

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Se a vida fosse um filme...

Começo a semana com um singelo poema, que escrevi num daqueles momentos de dor, em que tudo o que desejamos é ver o tempo voar...
















Se a vida fosse um filme,
que alívio!
Não por seus finais,
geralmente felizes,
mas pelo ritmo acelerado
em que a vida é contada

Sim, porque são aqueles instantes
que se prolongam além do previsto
Aqueles minutos em que recapitulamos nossa
vida ao deitarmos
Ou então, aqueles segundos
em que a imagem do que fomos –
ou do que sonhávamos ser –
nos congestionam o pensamento

São eles, precisamente,
os mais capazes de arranhar a garganta
e nos rasgar feito papel

Sofrer é um detalhe,
o sofrimento está nos detalhes,
naqueles que permanecem para nos perseguir
quando estamos sós e vulneráveis

Os detalhes, sim,
os olhares,
o instante mínimo que se pode recordar.

Se a vida fosse um filme,
que alívio!
Quanta de nossa angústia
não seria lançada aos ventos
que varreriam para sempre
nossos momentos de dor?

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Sobre o primeiro debate

Esperei um pouco para falar do debate desta quinta-feira, pois o acompanhei por poucos momentos. Pelo que vi, e o que li depois, foi um debate morno. Nada, porém, fora do esperado. Não houve o desastre de Dilma, que a direita e parte da mídia torciam. Pelo contrário: em sua primeira participação num evento como esses, a candidata do PT saiu-se bem, dentro do previsto. Não se pode esperar que ela (nem nenhum outro candidato) se comporte com a desenvoltura de Lula. Mas, depois de um começo meio claudicante, Dilma se soltou e transpareceu segurança – não apenas para falar sobre os avanços do governo, do qual foi Ministra, mas, também para apresentar suas propostas, o que, afinal, é o que mais interessa. Deve crescer nos próximos debates.

Serra, no seu milésimo debate, continua tentando enganar o eleitor de outros estados, prometendo para o Brasil o que fez em SP. Só não disse se vai começar estendendo a aprovação automática das escolas estaduais paulistas também para as Universidades Federais, ou se instalará praças de pedágio a cada dois quilômetros nas rodovias brasileiras. Quem sabe, comece mandando expulsar os mendigos dos centros das capitais do país – como fez quando era prefeito da capital – já que essa foi a melhor solução que ele encontrou para acabar com a pobreza. Ah é, mas o candidato tucano (de maneira muito conveniente, tentando afastar-se da sombra do governo FHC) disse que não se deve ficar olhando para o passado. Ora, mas como preparar o futuro, sem conhecer os erros e os acertos anteriores? Quanto aos demais candidatos, Marina estava um tanto apática e Plínio de Arruda Sampaio, sem nada a perder, acabou se destacando pelas “diretas” que deu nos outros candidatos. Foi quem apimentou o debate - que não deverá mudar o panorama atual.

Mas, o que mais me chamou a atenção foi, após o debate, o presidente nacional do PSDB, o Senador por Pernambuco Sérgio Guerra, (esse aí abaixo) dizer que Dilma é “burra”, que “tem um problema intelectual” (veja a matéria do site "Vi o mundo" aqui). Claro, nada acontecerá com o deputado. Se fosse José Eduardo Dutra, presidente do PT, quem dissesse isso de Serra, a Veja faria matéria de capa no fim de semana exigindo a extradição de Dutra para a Sibéria, e pedindo a impugnação do registro do partido. Mas, como é do outro lado, aí tudo bem.

O que importa, porém, é que, poucos instantes após o fim do debate, Guerra deu mais um sinal de completo desespero. Não sei quantas vezes ainda terei que usar essa expressão aqui, mas a verdade é que Guerra, Serra e o PSDB, jamais acreditaram na possibilidade de que o candidato tucano pudesse perder para Dilma, ainda mais no primeiro turno, possibilidade essa que cada vez mais torna-se factível. Como viram que não deverão reverter nos debates o cenário apontado nas pesquisas (como eu disse acima, parte da mídia – aquela capitaneada por sujeitos do naipe de um Reinaldo Azevedo – esperava um retumbante fracasso de Dilma, o que faria a candidatura da petista despencar e a de Serra emplacar; mas, embora tentem “provar” o contrário, o fracasso não aconteceu), só lhes resta atacar, ofender, inventar mentiras...Aliás, nada diferente do que faziam contra Lula, lembram?

Enquanto isso, Dilma se prepara, busca melhorar, apresenta suas propostas em consonância com o que foi feito nos últimos anos, e, devagarzinho, constrói sua vitória.

São Paulo: a hora da reformulação

Pouco consigo dizer do jogo de ontem. O São Paulo fez tudo o que podia, venceu, mas por conta do gol marcado pelo Inter no Morumbi, acabamos perdendo a vaga. Quer dizer, na verdade, perdemos a vaga no jogo ridículo de semana passada, quando o São Paulo entrou, como eu disse em post anterior, (leia  aqui) com uma postura de time de segunda divisão.

O que acho mais importante destacar, agora, é que a desclassificação de hoje marca o fim de uma era. Entre 2003 e 2010 disputamos 7 Libertadores seguidas (recorde), ganhamos 1, chegamos a 1 final e 2 semi. Além disso, ganhamos o Mundial de Clubes em 2005, além de 3 Brasileiros. Mas não creio em uma nova Libertadores em 2011. Acho pouquíssimo provável que o SPFC se recupere nesse Brasileiro a ponto de conseguir uma vaga para a competição continental do próximo ano. Por isso, é hora de se planejar, de fato, sem pressa, para que, nos anos subsequentes, repitamos o sucesso da primeira década do século XXI.

Isso significa que, agora, mais do que nunca, o São Paulo precisa de uma reformulaçao urgente. Além de Hernanes, que vai para a Lazio; e Marcelinho Paraíba, que sequer chegou ao São Paulo e deve ir pro Sport; a lista de dispensa não pode deixar de contar com nomes como Richarlyson, Miranda, Carlinhos Paraíba, Renato Silva, Cléber Santana, Marlos e Dagoberto. Para seus lugares, o mínimo que se pede, é um bom lateral-direito e um bom meia armador, além de jogadores de boa qualidade que possam oxigenar o ambiente, e que compreendam o que significa jogar no clube mais vencedor do país.

Sobre Ricardo Gomes (que ontem foi bem), acho que já disse tudo o que penso sobre seu trabalho profissional há algumas semanas (link aqui).  Como era de se esperar, não teve seu contrato renovado pelo clube. Agora, espero que Juvenal Juvêncio, que sai o ano que vem da presidência, termine sua gestão um técnico à altura da grandeza do São Paulo (claro, isso significa que não dá para ser o Dunga nosso próximo técnico). Por enquanto, não há muito mais a dizer. É esperar o desenrolar dos fatos.



quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A hora de Serra mostrar a cara

Nesta quinta, 05/08, às 22 horas, na Band, teremos o primeiro debate entre os candidatos à presidência. Estou curioso para ver como o Serra se comportará. Não tenho dúvidas que o candidato tucano acreditou, lá atrás, que chegaria a esse debate com vantagem sobre a candidata do PT. Não esperava que, antes mesmo de a campanha na TV começar (e, consequentemente, de a figura de Dilma associar-se ainda mais à de Lula), já tivesse que partir para o ataque, buscando reverter um quadro que, a continuar como está, pode dar vitória à candidata governista ainda no primeiro turno.

Conforme eu disse em posts anteriores (links aqui e aqui), o desespero nos bastidores da campanha já começou. E, todos os dias, brotam notícias de antigos aliados que estão omitindo que apóiam Serra para presidente. Querem salvar seus votos do naufrágio da candidatura serrista. O último foi o líder da oposição no Senado, Arthur Virgílio, que tenta desvincular sua imagem da do candidato à presidência pelo seu partido. Isso para não falar de seu língua-de-aluguel, o "conspirador da elite" Diogo Mainardi, que, condenado na Justiça por conta da verborragia destilada contra o jornalista Paulo Henrique Amorim (e, segundo o próprio Mainardi, tendo "medo de ser preso"), resolveu fugir do país.

De qualquer forma, o fato é que, até agora, Serra tentou blindar-se de todas as maneiras: antes, falava que não era candidato, quando todos sabiam que era. Buscava se resguardar. Uma vez iniciada a campanha, não faz comícios, corpo a corpo, e deixou para seu vice (ou mesmo para FHC) fazer o “jogo sujo” das críticas a Dilma, a Lula e ao PT.  Só aparece em entrevistas nas quais já sabe de antemão as perguntas, e nas quais sabe que não terá réplica do entrevistador. Enquanto isso, a candidata petista viaja o Brasil expondo suas ideias e propostas, dando ao eleitor a chance de conhecê-la, e conhecer seu projeto para o país. Mas, nesta quinta, será a vez de Serra – finalmente – mostrar sua cara. Que, como vocês já podem imaginar, não deverá ser das melhores.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O que a filosofia tem a nos dizer sobre a morte?

“E de repente ficou claro para ele que aquilo que o estava oprimindo, e que parecera não querer deixá-lo, agora esvanecia-se por todos os lados. Sentiu-se cheio de pena por eles, deveria fazer alguma coisa para tornar-lhes isso tudo menos doloroso, libertá-los e libertar-se desse sofrimento. ‘Tão certo e tão simples’, pensou. ‘E a dor? O que foi feito da dor? Onde está você, dor?’.
Pôs-se a esperar por ela. Ficou esperando.
‘Sim, aqui está. Bem...e daí?. Deixe que ela venha. E a morte, onde está?’
Procurou seu antigo medo da morte e não o encontrou. ‘Onde está? Que morte?’ Não havia medo porque também não havia morte.
Em seu lugar havia luz.
‘Bem, então é isso!’, exclamou em voz alta. ‘Que bom!’ (...).
- Acabou! – disse alguém perto dele, o que ele repetiu dentro de sua alma.
‘A morte está acabada’, disse para si mesmo. ‘Não existe mais’”.

(Leon Tolstoi, A morte de Ivan Ilitch)



Tratar da morte é sempre um assunto muito delicado. Em geral, as pessoas buscam fugir desse tema, como se fosse algo que nada tem a ver com elas. Quer dizer, em geral, evita-se a discussão sobre sua própria morte. Basta ligar a TV para vermos que a morte alheia é um assunto que desperta grande interesse do público, especialmente quando ela ocorre de maneira, digamos, pouco usual. Mas, voltando ao nosso ponto, é fácil, por exemplo, encontrarmos pessoas mais supersticiosas, para quem falar de sua morte pode “atraí-la” ou, ao menos trazer “maus fluidos”. É preciso, porém, pensar por outro prisma. O que a filosofia pode dizer sobre a morte? Antes de tudo, que ela é, basicamente, um acontecimento simbólico, dotado de significação e sentido – cada sociedade, cada época a tratam de um determinado modo. Além disso, se pensarmos em termos individuais, a morte é apenas a descoberta de nossa incontornável finitude, de nossa temporalidade e de nossa identidade, o momento em que nossa realidade humana deixa de ser-no-mundo, isto é, deixa de existir.

O filósofo estóico Sêneca dizia que compreender a morte é essencial para “bem viver”. Em seu tratado Sobre a brevidade da vida, ele afirma que, justamente porque não entendem o fato da morte, os homens não sabem usufruir de sua vida. Reclamam da falta de tempo, da brevidade da existência, mas não se dão conta de que isso ocorre porque desperdiçam a maior parte dela. Diz ele que “a vida, se bem empregada, é suficientemente longa (...) não temos uma vida breve, mas fazemos com que seja assim”. De acordo com o ideal de vida estóico, a vida bem vivida é, resumidamente, aquela livre do jugo das paixões, das agitações das ocupações diárias, uma vida contemplativa, de elevada harmonia com a Natureza (em uma passagem, por exemplo, diz Sêneca: “quando vires, com freqüência, uma toga pretexta ou um nome célebre, no foro, não tenhas inveja, já que essas coisas se obtêm a custo da própria vida”). Segundo o filósofo, ocorre que os homens, no fundo, acreditam serem imortais, e perdem sua vida se ocupando de coisas sem real importância, crendo que, num futuro que nunca chega, encontrarão a paz, o descanso e a felicidade. Daí afirmarem que a vida é breve. Para se “viver bem”, é preciso, justamente, dirimir essa ilusão – papel que, para Sêneca, cabia à Filosofia.

Michel de Montaigne, filósofo cético do século XVII, e nesse ponto bastante próximo a Sêneca, atestava: “Qualquer que seja a duração de nossa vida, ela é completa. Sua utilidade não reside na quantidade de duração e sim no emprego que lhe dais. Há quem viveu muito e não viveu. Meditai sobre isso enquanto o podeis fazer, pois depende de vós, e não do número de anos, terdes vivido bastante”. E prosseguia: “Meditar sobre a morte é meditar sobre a liberdade; quem aprendeu a morrer, desaprendeu de servir; nenhum mal atingirá quem na existência compreendeu que a privação da vida não é um mal; saber morrer nos exime de toda sujeição e coação”.

No que diz respeito à filosofia contemporânea, sobretudo aquelas ocupadas com temas existenciais, as questões da finitude humana, e consequentemente, da morte, ganharão grande destaque. Para Heidegger, por exemplo, porquanto somos seres sempre lançados para o futuro, é inevitável que nos ocupemos de nossa própria morte. Para esse filósofo, “a morte é a possibilidade mais própria, irremissível, certa e, como tal, indeterminada e insuperável” de nossa realidade humana. Morrer é um ato solitário (é nossa possibilidade mais própria). Quem morre vai só, ninguém pode morrer por outrem (ela é irremissível). Aos que ficam, resta apenas a dor da perda e a saudade. É verdade, observa Heidegger, que no cotidiano, buscamos mascarar essa situação, buscamos fugir da angústia implicada em nossa realidade de seres-para-a-morte, e agimos como se ela não nos dissesse respeito. Em geral, dizemos, ou pensamos: “um dia vou morrer, mas não será agora”. Na perspectiva heideggeriana, é preciso recuperar a verdadeira dimensão da morte, assumi-la como minha possibilidade mais própria, viver essa verdade, autenticamente, sem medo (porque, embora indeterminada, ela é certa e insuperável). Apenas assim, poderemos usufruir de nossa liberdade, dar a nossa existência um sentido mais próprio, uma significação que ela, a princípio, não tem. Numa palavra, sem medo da própria morte, tornamo-nos senhores de nossa vida, e, por conseguinte, ampliamos o exercício de nossa liberdade.

O escritor André Malraux, dizia que “o trágico da morte, é que ela transforma a vida em destino”. Enquanto não morrermos, porém, teremos um futuro sempre aberto. Somos seres temporais, lançados no mundo, e mudamos a todo instante. Nossa morte sela nosso destino para sempre. Mas ela é uma contingência (ou, como disse Heidegger, indeterminada). Há nisso um caráter de absurdo, talvez, como afirma Sartre, justamente por não sabermos quando ela chegará. De qualquer forma, até que esse acontecimento nos atinja, é preciso viver (isto é, criar) nossa vida livre e intensamente, sem nos preocuparmos com o tamanho de sua duração. E, dentre outras coisas, isso implica em deixarmos de tratar a nossa morte como algo alheio, distante, ruim, e a encararmos sem receio, como um acontecimento estritamente nosso – o mais particular e mais próprio de todos, o último ato de nosso ser-no-mundo, de nossa existência.

Bem, antes que isso descambe para algum tipo de auto-ajuda, termino esse texto retomando estas belas e profundas palavras de Montaigne: “é preciso aprender a morrer para saber viver”.

*Quem quiser se aprofundar no tema, sugiro, antes de tudo, ler a maravilhosa novela A morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstoi, que abre este texto. Poucos trataram o tema da morte (e, consequentemente, da vida) tão bem quanto o escritor russo.

Em termos de filosofia, há, por exemplo:

HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo, ed. Vozes (sobretudo § 46-53);
MONTAIGNE, Michel de. Ensaios, Martins Editora.
SÊNECA. Sobre a brevidade da vida, ed. L&PM.