segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O "esquerdismo"

O termo “esquerdismo” foi popularizado na literatura política de esquerda pelo ensaio de Lênin, Esquerdismo, doença infantil do comunismo, de 1920. Nele, Lênin se contrapunha aos chamados “comunistas de esquerda” que exigiam do governo soviético e do partido bolchevique posições radicais equivocadas, voluntaristas e afastadas da dinâmica própria da luta de classes (em nível nacional e internacional) que então se desenvolvia. Por exemplo, a recusa daqueles grupos de participar de parlamentos ou sindicatos “reacionários”, ou se aliarem a setores médios da sociedade.

Para Lênin, a primeira tarefa a ser observada por um partido socialista, representante das massas trabalhadoras, era “levar em conta, com estrita objetividade, as forças de classe e suas relações mútuas antes de empreender qualquer ação política”. Tratava-se, assim, de preparar um exame correto das forças em disputa, com o intuito de agir em conformidade com a realidade presente da luta de classes, o estágio de desenvolvimento e mobilização das organizações dos trabalhadores, o grau de dominação da burguesia e das demais forças opositoras, e as possibilidades de construir alianças ou consensos, ainda que pontuais ou efêmeros, com outros setores sociais.

Gramsci, na esteira de Lênin, dizia que, diante da realidade da reprodução capitalista, de seu amplo domínio, não apenas material, mas também de corações e mentes, apenas a transformação paulatina da realidade material e cultural, em nome da construção de uma nova “hegemonia” das classes populares, poderia estabelecer um novo rearranjo político e cultural, uma nova correlação de forças e, com eles, novos parâmetros para a sequência da luta de classes. Com efeito, apenas neste movimento o horizonte para novas mudanças significativas poderia se alterar. Mas, não necessariamente de modo positivo, pois não se trata de um processo linear ou homogêneo, mas assentado intrinsecamente à dialética da luta de classes. Seu sucesso, portanto, dependeria essencialmente daquele exame minucioso da realidade concreta presente, em particular das forças em disputa.

Em resumo, tanto em Lênin, quanto em Gramsci, a possibilidade da ação política de esquerda se assenta no entendimento das filigranas atuais da luta permanente que nasce das contradições intrínsecas à formação social capitalista, e cujo sentido jamais pode ser dado a priori, mas resulta da dinâmica interna daquela mesma luta. Ocorre que essa perspectiva faz da política uma atividade de longo prazo, com sacrifícios e dissabores, vitórias e derrotas, idas e vindas. O esquerdismo se caracteriza, justamente, por fechar os olhos a essa realidade em nome da “urgência” de seus objetivos. Lênin, em Esquerdismo, recupera uma carta de Engels, de 1874, contra o “Manifesto dos 33 comunardos-balnquistas”, que é exemplar a esse respeito:

“Somos comunistas” (diziam em seu manifesto os comunardos-blanquistas), “porque queremos atingir nosso objetivo sem nos determos em etapas intermediárias e sem compromissos, que nada mais fazem que tornar distante o dia da vitória e prolongar o período de escravidão”. Diante dessa posição, Engels se contrapunha nos seguintes termos: “Os comunistas alemães são comunistas porque, através de todas as etapas intermediárias e de todos os compromissos criados não por eles, mas pela marcha da evolução histórica, veem com clareza e perseguem constantemente seu objetivo final: a supressão das classes e a criação de um regime social onde não haverá lugar para a propriedade privada da terra e de todos os meios de produção. Os 33 blanquistas são comunistas por imaginarem que basta seu desejo de saltar as etapas intermediárias e os compromissos para que a coisa esteja feita, e porque acreditam firmemente que se ‘a coisa arrebenta’ num dia desses e o Poder cai em suas mãos, o ‘comunismo será implantado’ no dia seguinte. Portanto, se não podem fazer isto imediatamente, não são comunistas. Que pueril ingenuidade a de apresentar a própria impaciência como argumento teórico!”.

O esquerdista crê que a política e a transformação social se reduzem a uma questão de vontade. Bastaria que o governante quisesse encaminhar a sociedade numa determinada direção para que, na sequência, sua vontade se fizesse lei e o status quo fosse superado. Não é à toa, portanto, que em governos oriundos ou capitaneados pela esquerda, a crítica esquerdista renasça com mais força. É que, em sua visão, nestes casos, seria ainda mais plausível a possibilidade de “saltar etapas” e “implantar o comunismo amanhã” (palavras traduzidas por outras, de acordo com a situação e o momento histórico). Afinal, eles teriam o “poder” em suas mãos. Por isso, quando governantes ou partidos de esquerda não se encaminham nesse sentido, são tachados de “traidores”, “oportunistas”, “conservadores” etc.

Não que não haja aqueles partidos, militantes ou governantes de esquerda que eventualmente mereçam essas designações. O problema do esquerdismo é generalizá-las diante de sua própria miopia teórica e política, de sua “impaciência pueril”. Afinal, ele não consegue compreender que a política é uma disputa de forças, logo, que qualquer avanço requer a construção (em todas as frentes diria Lênin e, depois, Gramsci), de uma força maior do que aquela que se pretende vencer (ou seja, construir as possibilidades de conquista do poder). Por isso, em nome da preservação de sua pureza ideológica – que jamais é afetada, na medida em que se recusa a tomar parte da política tal como ela é – resta ao esquerdismo um discurso radical que termina por prendê-lo na armadilha do “ou tudo ou nada”. Desnecessário dizer que, invariavelmente, ele fica com o nada.

2 comentários:

  1. Olá!
    Nós brasileiros estamos passando por um processo político de realmente ficarmos com muito pouco mesmo.
    As vezes cinto que as coisas parecem uma grande piada de mal gosto.
    Muito bom texto.
    Aproveito tbm para um convite a visita ao: cerebroquepulsa.blogspot.com
    Abraços


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    1. Obrigado. A ideia do texto era criticar aqueles que pedem muito mais do que o governo, por exemplo, pode oferecer, diante de uma "correlação de forças" quase nunca favorável a mudanças progressistas, de radicalização democrática, ampliação de direitos etc.
      Visitarei seu espaço, sim.
      Abraço

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