Quem esperava alguma sinalização de mudança após o fiasco
da seleção brasileira na Copa do Mundo, certamente se decepcionou com os
últimos acontecimentos no reino da CBF. Sabidamente, uma mudança radical
exigiria, como primeiro ato, a saída da cúpula que comanda nosso futebol – algo
que todo mundo sabe que não acontecerá num futuro breve. No entanto, alguns
passos mínimos, ainda que restritos ao âmbito da seleção brasileira (única
coisa que interessa a Marins e Del Neros da vida), poderiam dar fôlego àquela
esperança. Mas, o que vimos, em minha opinião, foi seu sufocamento.
Primeiramente, com a escolha de Gilmar Rinaldi como
coordenador geral de seleções. Retomando a pergunta que motiva o post: é de
um coordenador como Gilmar que nosso futebol precisa? A resposta, a meu ver, é negativa. E
explico o porquê.
Não quero dizer que isso vá acontecer novamente; tampouco
estou insinuando que Gilmar seja pessoa de caráter duvidoso. Longe disso. Mas,
como diz o ditado, não basta ser honesto, é preciso parecer. E é
claro que qualquer atitude que minimamente sugira um favorecimento futuro do
ex-empresário ou de atletas a ele ligado, será vista com enorme desconfiança
por parte dos torcedores e da imprensa. E num momento de extrema falta de
credibilidade do futebol brasileiro, o que menos precisamos é que esse tipo de
suspeita fique pairando no ar...
Para se somar a Gilmar, a CBF anuncia amanhã o retorno de
Dunga como novo técnico da seleção. Referindo-me mais uma vez à pergunta título
desta postagem: é Dunga o técnico para este momento delicado do futebol
brasileiro? Antes de uma resposta, é preciso refletir.
Por um lado, é verdade que a seleção de Dunga
foi possivelmente a melhor que vimos depois de 2002. A mais sólida e a mais
competitiva. Apesar de erros crassos em suas convocações (de Afonso Alves à
ausência de Neymar na Copa de 2010, dentre outros), Dunga montou um time que
poderia ter saído vitorioso na África do Sul – o único título entre os
“profissionais” que não conquistou no comando da seleção – não fosse o péssimo
segundo tempo do jogo contra a Holanda. Para os mais pragmáticos, portanto, a
escolha seria legítima.
No entanto, é preciso examinar algumas coisas. Em primeiro
lugar, que as dificuldades daquele fatídico jogo contra os holandeses, em 2010,
foram, em grande parte, frutos diretos de erros do próprio Dunga. Afinal, foi
ele quem levou para aquele mundial, por sua própria vontade, por estar “preso”
a alguns jogadores, um banco de reservas visivelmente abaixo da média – portanto,
potencialmente inoperante em caso de alguma dificuldade, como se comprovou
naquela quarta-de-final. Some-se a isso o fato de que o único trabalho de
Dunga nos últimos quatro anos, no Internacional em 2013, tenha sido um
retumbante fracasso. Deste ponto de vista, mesmo a visão pragmática que
justificaria a escolha do capitão do tetra pode ser contestada.
Além disso, há aqueles que defendem a escolha de Dunga pela
isonomia com que tratou os meios de comunicação durante sua passagem como
técnico da seleção. Trocando em miúdos: não concedeu privilégios à Rede Globo.
Naturalmente, essa postura me agradou. Mas, por si só, essa posição – cujo
caráter extraordinário, aliás, demonstra que o buraco do nosso futebol é mais
embaixo – não basta. A meu ver, é preciso mais para conduzir a seleção
brasileira.
Nesse sentido – e é este o ponto que mais me incomoda – me
parece claro que o problema da seleção, e em grande parte, do futebol jogado em
nosso país, é principalmente de ordem conceitual.
Precisamos, há tempos, desenvolver um novo conceito de futebol, que absorva o
que temos (ou tivemos) historicamente de melhor – o talento individual, a
capacidade de drible e improvisação – com as exigências táticas do futebol
contemporâneo. Uma nova cultura de jogo e de compreensão do esporte. Para isso,
é preciso treinamento, estudo, aperfeiçoamento, trabalho duro. Até porque, há
de se reconhecer que nossa safra não é das melhores (uma das expressões mais
bem acabadas, diga-se, dos problemas estruturais de nosso futebol, os quais não
temos condições de examinar aqui, mas que são bem conhecidos por todos – um
deles, aliás, foi mencionado en
passant no parágrafo
anterior).
Ora, me parece que, ao resgatar Dunga, a CBF se encaminha
em sentido oposto: fecha os olhos para a necessidade de uma revisão conceitual
de nosso futebol – algo que Dunga demonstrou não ter condições de fazer - em
nome de uma estratégia imediatista, semelhante àquela adotada por Felipão no
último período: apostar no poder da camisa amarela, na mística da seleção
brasileira, no “nós contra eles”, no futebol como guerra. Troca-se o trabalho
por um atalho. Pode dar certo? Em termos de resultado, sim. É futebol, é um
jogo, e a seu modo, o futuro time de Dunga pode se encaixar, ganhar confiança e
conquistar seus objetivos. Mas, outra vez, é preciso voltar à questão central:
é isso o que precisamos, pensando no papel que a seleção brasileira poderia ou
deveria desempenhar na formatação geral de nosso futebol? Neste caso, não vejo
como responder, senão negativamente.
De tudo isso, a conclusão que se impõe é clara – e infeliz:
estamos, mais uma vez, desperdiçando uma oportunidade de ouro de recuperar o
prestígio e o brilho de um dos maiores patrimônios culturais do povo
brasileiro.
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